Por Homero de Oliveira Costa – professor Departamento de Ciências Sociais da UFRN
A continuidade da crise e instabilidade política no governo interino de Michel Temer recoloca em debate a possibilidade de convocação de novas eleições presidenciais. A sequência de escândalos que já derrubou três ministros, um dos quais flagrado em gravação afirmando que seria importante um pacto para “estancar a sangria” (referência à Operação Lava Jato), as trapalhadas e a impopularidade do presidente interino, tem servido de reforço para os que defendem esta tese.
. Antes do seu afastamento, e em meio à crise política, a presidenta Dilma Rousseff se posicionou contra, considerando que, naquele momento, o mais importante era se manter na presidência. Depois, em entrevista à imprensa no dia 5/4, portanto, antes da votação da abertura do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, disse nem rechaçar nem aceitar a iniciativa, mas ressaltou que só discutiria o assunto quando tanto a Câmara dos Deputados como o Senado aceitassem também participar de um processo eleitoral antecipado. “Convence a Câmara e o Senado de abrirem mão de seus mandatos. Aí, vem conversar comigo”, disse a presidenta.
No entanto, com a consumação do processo de impeachment, a proposta de convocação de novas eleições voltou a ser discutida, defendida não apenas por parlamentares de vários partidos, setores da sociedade civil organizada, como da presidenta afastada. Em entrevista a imprensa estrangeira no dia 14/06, ela afirmou que, caso voltasse ao governo, apoiaria a realização de um plebiscito “para saber se a população apoiaria a realização de novas eleições presidenciais”.
No momento, evidentemente, o presidente interino e seus aliados dentro e fora do Congresso Nacional, não apoiam a tese de novas eleições, da mesma forma que Dilma Rousseff, antes do seu afastamento.
Assim, quais são as possibilidades para a realização de novas eleições? Primeiro, é que ambos renunciem. Possibilidade nula. Outra é que sejam afastados. Nesse caso, é uma hipótese que não deve ser descartada: o Tribunal Superior Eleitoral analisa uma ação de impugnação da eleição de 2014 com base na acusação de que a campanha eleitoral da chapa vitoriosa (Dilma Rousseff e Michel Temer) teria sido financiada em parte pelo esquema de corrupção envolvendo a Petrobrás. Caso julgue procedente, tanto a presidente quanto o vice seriam afastados. Como estabelece a Constituição, caso isso ocorra ainda na primeira metade do mandato, ou seja, até o final deste ano, serão convocadas novas eleições. Nesse ínterim, assumiria o presidente da Câmara dos Deputados. Em caso da decisão ser no próximo ano, a eleição seria indireta, votada apenas pelo Congresso Nacional (deputados e senadores).
Outra possibilidade é Michel Temer também ser afastado pelo Congresso. Já existe pedido de impeachment no qual ele é alvo das mesmas acusações que justificou o afastamento da presidenta. Embora essa tese, em princípio, pode ser reforçada pelo desgaste do governo, associada a uma sucessão de escândalos (Em recente delação premiada na Lava Jato, o ex-presidente da Transpetro envolveu também o presidente interino, que teria pedido recursos ilícitos para a campanha do seu candidato para a prefeitura de São Paulo em 2012) difícilmente uma proposta como esta seria aprovada: o governo interino tem maioria tanto na Câmara como no Senado.
As possibilidades de novas eleições são, portanto, ou a cassação dos mandatos, a aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) – desde abril tramita no senado uma proposta nesse sentido, mas que precisa ser votada em dois turnos na Câmara e no Senado – ou o retorno (ainda muito incerto) de Dilma Rousseff.
Seria esta a melhor solução? Não há consenso. Por razões óbvias, os que hoje apoiam o governo interino de Michel Temer são contra a convocação de novas eleições, mas também quem é contra ele. É o caso do cientista político João Feres Junior no artigo “Constituinte e novas eleições: as outras modalidades do golpe”. Primeiro critica a ideia de uma nova Constituinte (entre outros argumentos, indaga: como seria possível obter um contrato constitucional mais progressista que o de 1988 em um contexto politicamente tão pior que aquele da Constituição Cidadã? Imaginem se, ao invés de eleger uma assembleia constituinte, o próprio congresso arrogasse para si esta tarefa, como ocorreu na constituição anterior! Mas não precisa. Mesmo se houver eleição de constituinte exclusiva, imaginem a qualidade dos eleitos! Provavelmente similar à que temos agora na Câmara dos Deputados, a mais conservadora da história”). Quanto a convocação de novas eleições, considera um equívoco.
Para ele, diferente da Constituinte “tal projeto deve ser julgado não somente do ponto de vista da estratégia política, mas também de sua propriedade constitucional. A emenda proposta não abole a Constituição, algo praticamente impossível, mas cancela algo que, a despeito de ser regulado pela Constituição, é mais importante do que ela própria: a eleição” e acrescenta “A escolha por meio do voto popular constitui o ato fundamental do regime democrático representativo, pois é por meio dele que se dá a transferência da soberania popular para os representantes escolhidos. Não há justificativa possível para cancelar tal ato, a não ser um impeachment legal e justo, o que não é o caso do processo atual, como já ficou explícito. Assim, uma nova eleição seria um impeachment por outros meios. Em outras palavras, Dilma escaparia do impeachment somente para se auto-impedir ao apoiar tal emenda constitucional”.
Segundo o autor; “Quem defende tal projeto coloca conveniências da ordem da estratégia política à frente de questões institucionais muito mais fundamentais do ponto de vista da manutenção do regime democrático” e que “É fundamental que mantenhamos o funcionamento regular das eleições, ou seja, da transferência da autorização popular, a despeito das crises políticas e econômicas pelas quais passamos. Mesmo do ponto de vista. estratégico esse projeto não faz sentido”. Assim, “Não parece ser razoável supor que uma eleição feita a toque de caixa, no atual contexto de caos político, vá produzir um vencedor investido de legitimidade maior que a que Dilma possa angariar se retornar ao Planalto”, portanto “lançaríamos o novo presidente na mesma fossa do presidencialismo de coalizão que gerou este espetáculo dantesco do impeachment, com direito a baixo-clero sublevado, bancadas da bala, do boi e da bíblia turbinadas, partidos inanes e tudo o mais. Esperar um resultado positivo frente a uma combinação tão desfavorável de fatores é ilusão pura”.
Nesse sentido defende que a melhor solução seria o retorno da presidente Dilma Rousseff “calçado por um acordo político que lhe permita uma governabilidade mínima”.
E este é justamente o problema principal: como fazer para construir um acordo político que permita uma governabilidade, mesmo que mínima, em um cenário de polarização que vivemos? Com um eventual retorno, Dilma Rousseff teria condições de fazer isso? Com uma mídia (hegemônica e conservadora) e setores do judiciário, hostis; baixa popularidade; minoria no Congresso Nacional (mesmo considerando uma possível adesão dos partidos e parlamentares fisiológicos que hoje apoiam o presidente interino)? Para ter apoio além do Congresso (hoje, em minoria), teria que ter, necessariamente apoio popular e para isso, teria de mudar a política econômica, criticada inclusive por muitos que se posicionaram contra o impeachment e que defendem a legitimidade do seu mandato. É muito difícil. A saída, portanto, neste momento, talvez seja mesmo a realização de um plebiscito, com a possibilidade de convocação de novas eleições. Os que defendem isto têm a seu favor pesquisas que indicam que a maioria da população aprova. O Ibope realizou uma pesquisa entre 14 e 18 de abril e mostrou que tem apoio de 62% da população. A questão que se coloca é: quem sucederá a ambos? O povo é que decida.