Por Homero de Oliveira Costa – prof. Departamento de ciências sociais da UFRN
O novo governo já começou velho. O presidente interino assume sem respaldo popular, taxado de golpista pela oposição, citado em delações da Lava Jato, condenado pela justiça eleitoral de São Paulo e inelegível por oito anos. Apoiado pela maioria de um parlamento que afastou a presidente utilizando como pretexto as chamadas “pedaladas fiscais”, usado pelos seus antecessores e governadores e sem que houvesse qualquer indício ou evidência que ela tenha usado o cargo para obter benefícios pessoais, sendo que o mesmo não se pode dizer de muitos parlamentares que votaram pelo seu afastamento, envolvidos em escândalos e recebimento de propinas, alguns dos quais réus no Supremo Tribunal Federal, incluindo ministros recém-nomeados, com suspeitas de crimes bem mais graves do que acusam a presidente. O ex-ministro do STF, Joaquim Barbosa, insuspeito de simpatias com o PT e o governo de Dilma Rousseff, em recente palestra, afirmou que “O impeachment é destituído de legitimidade e favorece grupos acusados de corrupção que querem a retaguarda de outro governo para se proteger”.
A decisão do Senado da abertura do processo contra a presidente teve grande repercussão na imprensa internacional, mesmo jornais e revistas conservadoras como The Guardian, The Economist e o New York Times, que, em geral, tem sido muito críticos em relação a forma como esse processo vem sendo conduzido no Brasil e veem com ceticismo o novo governo. Em recente participação na Globo News, o correspondente em Nova York ,Jorge Pontual, chamou a atenção para a péssima recepção inicial do governo de Michel temer na mídia internacional. Em editorial, o The Guardian criticou o impeachment, que não é solução mas “um caminho para a ampliação da crise no Brasil”. Para a revista britânica The Economist, Michel Temer “carece de legitimidade eleitoral para executar as reformas estruturais”. Já o New York Times, no editorial do dia 13 de maio de 2016 (“Fazendo a crise politica piorar”) defende que os brasileiros deveriam ter o direito de eleger um novo presidente e vê que o impeachment, pode representar uma guinada à direita “como tem acontecido em outros países da América Latina”.
O golpe institucional ocorre num contexto no qual a falta confiança da população na política, nos políticos, partidos e instituições, expressa a falência do sistema politico, partidário e eleitoral. Talvez isso ajude a explicar o protagonismo político do Supremo Tribunal Federal como expressão da incapacidade tanto do Executivo como do Legislativo de cumprir, com autonomia, suas funções constitucionais. Como se sabe, questões relevantes que deveriam ser decisões do Congresso o foram pelo STF, como entre outros exemplos, as regras que definem a fidelidade partidária, a suspensão do dispositivo da Lei Eleitoral (9.504/1997) que permitia doações ocultas a candidatos e declarar inconstitucionais normas que permitem a empresas doar para campanhas eleitorais, e mesmo com o afastamento e o impeachment da presidente, o protagonismo e a judicialização da política continuarão, porque as causas que levam a isso, não deixarão de existir.
Uma das justificativas para o afastamento da presidente foi a que o país precisava de mudanças, tanto do ponto de vista político, com uma crise prolongada, como na política econômica. No entanto, com a atual composição do Congresso Nacional e o governo refém do jogo fisiológico, quais as possibilidades de mudanças? Como aprovar, por exemplo, uma ampla reforma política, a começar pela alteração do sistema eleitoral, fim do financiamento privado de campanhas eleitorais – e não apenas empresarial – se foram eleitos por esse sistema eleitoral (com suas distorções) e com esse tipo de financiamento?
O afastamento da presidente e o retorno do PT à oposição, talvez seja benéfico e um momento para uma necessária autocrítica, de fazer um balanço de sua experiência de governo, dos erros cometidos, da política de alianças (pragmáticas e não programáticas), as concessões à direita, um partido tão “contaminado” quanto os outros pelo financiamento privado de campanhas e uma política econômica de caráter recessivo, em sintonia com o programa do seu principal adversário nas eleições de 2014. O ajuste, justificado como necessário para o equilíbrio das contas públicas, afetou todas as áreas, incluindo cortes de gastos nos programas sociais do governo, nos ministérios da Educação e da Saúde, no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – o principal programa de infraestrutura do Governo – aumento de impostos, congelamento de verbas para o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, diminuição de empregos e crescimento da inflação, que associados à inabilidade política de construir uma base parlamentar sólida, programática e não fisiológica, foram fundamentais para o desgaste crescente do governo, que tinha a oposição do empresariado, parte do judiciário, o ódio e a intolerância de segmentos de uma classe média fascistizada e o antipetismo histérico da mídia hegemônica.
E não foi por falta de opção. O Conselho Consultivo da direção Nacional do PT num encontro realizado em fevereiro de 2016, sugeriu um “plano Nacional de Emergência”, cuja ênfase era a retomada do crescimento, a defesa de mudanças da política neoliberal, redução da taxa de juros, aumento de crédito, distribuição de renda e geração de empregos. Nada disso foi feito, com as consequências conhecidas.
Quanto ao novo governo, com aos ajustes anunciados, justificados em nome da retomada do crescimento, controle da inflação e com o objetivo de gerar empregos, têm sido rejeitados não apenas pela oposição no Congresso Nacional, como fora dele, especialmente pelos setores organizados da sociedade civil (sindicatos, movimentos sociais etc.), como o possível retorno da CPMF (tão criticada quando foi proposta pela presidente Dilma Rousseff), mudanças nas regras da aposentadoria, reforma na previdência, revisão da legislação trabalhista, aceleração das privatizações, que o governo chama de “programa de concessões e vendas de ativos” e a aprovação da lei que altera a participação da Petrobrás na exploração do pré-sal (já aprovada no Senado).
Embora o congresso seja o mesmo, também está sendo criado um ambiente favorável para a retomada e talvez aprovação de vários projetos que representarão inegável retrocesso aos direitos sociais: flexibilização do conceito de trabalho escravo; o estatuto da família (determina que a família seja formada exclusivamente por homens e mulheres); trabalhistas (a lei que permite a terceirização sem limites), lei da maioridade penal, entre outros.
Se houve algo de positivo no afastamento da presidente Dilma Rousseff, foi o fato de que com as medidas anunciadas, de ajustes econômicos neoliberais, possibilitar a unificação do conjunto dos movimentos sociais contra os retrocessos. Nesse sentido, Lula tenta articular a criação de uma frente ampla de esquerda, incorporando as frentes já constituídas (Frente Brasil Popular e Frente Povo Sem Medo), com juristas, intelectuais, estudantes, artistas etc. para resistir ao que considera como um governo antinacional, antissocial e antipopular. A questão é saber qual será a capacidade de organizar essa resistência e não apenas propor, como ter condições políticas e sociais para realizar uma ampla reforma política e um programa econômico capaz de retomar o desenvolvimento, distribuir renda e gerar empregos. Creio ser esse o grande desafio que a oposição tem pela frente.