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Temer e o sequestro do Estado Pluriétnico brasileiro

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Temer-capaNas democracias liberais uma importante condição de legitimidade social dos governos é o sentimento republicano compartilhado de representação política dos membros de sua comunidade societária. No Brasil, uma sociedade caracterizada pela crescente pluralização cultural e étnica, negligenciar a dimensão da diversidade pode ampliar ainda mais o sentimento coletivo de ilegitimidade do poder político. O governo Temer que se inicia hoje parece ignorar completamente a configuração multicultural da sociedade brasileira. Em seu primeiro ato como governante do executivo federal, constituiu sua equipe ministerial, formada exclusivamente por homens, velhos e brancos. Com esse primeiro gesto, Temer ratificou publicamente a interdição de mulheres, negros, jovens e demais grupos pluriculturais ao espaço de decisão pública do país. E ao extinguir a secretaria nacional das mulheres e da igualdade racial, invisibilizou ou secundarizou as demandas de justiça da política da diferença no Brasil.

Como bem colocado pelo filósofo político estadunidense Michael Sandel, não se pode exigir o compromisso cívico de cidadãos e cidadãs que não se reconhecem como membros integrados de uma comunidade política. Décadas atrás, outro intelectual liberal estadunidense, o sociólogo Talcott Parsons, expressava opinião semelhante sobre as condições de integração social dos negros na sociedade do Atlântico Norte. Negar o direito de participação com status de membros das minorias (mulheres, LGBTI, jovens, negros, índios) na comunidade política inviabiliza o sentimento de comunhão nacional. E não adianta recorrer ao artificio performático de sensibilização “nacionalista” pelo chamado marqueteiro de “ordem e progresso”. Não se forjam sentimentos de comunhão nacional nesses termos. Principalmente numa das sociedades mais pluriculturais e interculturais do planeta. O Brasil como uma “nação” única é um mito, e um mito conservador e mascarador das fraturas e desigualdades existentes no país. Essa unidade e homogeneidade imaginada da “nação”, da união nacional, só existe na camisa da CBF, porque nos próprios corpos dos jogadores da seleção o que prevalece é exatamente a heterogeneidade étnica, cultural e social. Os ministros de Temer, portanto, não refletem a diversidade da sociedade brasileira mas espelham fielmente o viciado e excludente sistema político nacional.

Em seu primeiro dia de governante, Michel Temer, o jurista e constitucionalista, “suprimiu” publicamente um dos bens de civilização mais elevados da Constituição Federal de 1988: o reconhecimento do Estado brasileiro como Estado de Direito Pluriétnico. Conquista, aliás, obtida – e ainda não plenamente efetiva – arduamente pela mobilização de diversos movimentos sociais e coletivos na Constituinte e graças as diversas manifestações nas ruas e participação política institucional de lideranças da sociedade civil ao longo das últimas décadas nas instituições políticas. Mal começou e o governo Michel Temer já cheira a mofo.