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Precisamos falar sobre Ingrid Guimarães

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Ingrid (da Silva) Guimarães nasceu no dia 5 de julho de 72, em Goiânia, Brasil, irmã da Sigrid e da Astrid, filha da dona Sônia, mãe da Clara, mulher do René. Esse poderia ser o começo de qualquer biografia tosca que a gente encontra aos montes por aí na internet – já que na internet pode se dizer tudo – mas qualquer tentativa de definição profunda sobre essa mulher, até o presente momento, será rasa feito um pires. Você pode até conhecer a moça da TV, do teatro lotado, a comediante incrível e subversiva, a atriz do cinema com bilheteria milionária, mas jamais (jamais) vai saber quem Ingrid é se baseando no que dizem os outros: Ingrid tem a força impenetrável do olho-no-olho.

Antes de qualquer julgamento, preciso lhe advertir que Ingrid não tem, abre aspas, a história romântica bonitinha da moça que veio do miolo do país com 2 cruzados no bolso pra tentar a sorte na cidade grande e conseguiu fazer a vida. Fecha aspas. Vou pular também a parte em que falaria dela ter perdido o pai ainda jovem, da quantidade de portas na cara que ela viu se fecharem, dos almoços que vendeu para poder comprar a janta e de tudo que coloca diariamente em risco pra continuar sendo artista. Ingrid é real demais até pra mim que a conheço há bastante tempo e gosto de encher de fru-frus as agruras da vida. Se por ela tá superado, então vamos adiante.

Do suor que rolou pela sua testa até que ela conseguisse galgar tantos degraus e chegar aonde está, só restou mesmo o cheiro inconfundível de generosidade. São nessas situações adversas que uma mulher se descobre mais mulher do que pensava e, uma vez auto-descoberta, não há quem a enrole.

Uma mulher não é só seu rosto que se reflete num espelho, mas todos os outros que refletem dentro dela.

Pois bem: na semana passada, uma das facetas de Ingrid Guimarães, a Ingrid pessoa-pública, postou no seu Instagram uma imagem satírica que fazia crítica ao senhor Jair Bolsonaro (não tenho mais estômago para adjetivá-lo). Era de se esperar que quando a publicação fosse veiculada surgissem alguns comentários ácidos, já que a ignorância das pessoas faz com que elas encarem discussões políticas como uma competição, onde vence quem alfinetar melhor usando palavras rebuscadas pra reproduzir algo que leu num tabloide sensacionalista. Um “cala a boca petralha” pra cá e um “vai pra Cuba” pra lá e estaríamos conversados, tudo bem, tudo certo (mesmo não estando), mas não foi por aí que a história parou.

Os mais de 2000 comentários sexistas e desrespeitosos (que não cabem serem reproduzidos aqui) de cabos-eleitorais do Deputado atacaram Ingrid de uma forma injusta em todos os seus perfis. Entre os agressores, pasmem, seres classemedianos com fotos de viagens internacionais publicadas, jovens que compartilham versículos da bíblia, galera bonita no registro da última balada – deixando claro que a ignorância hoje também mora com o preconceito na cobertura do bairro nobre. O fascismo tem face e não é mais tão restrito, ele é ensinado todos os dias e repassado no papo furado da moral e dos bons costumes e um dos seus caminhos mais tortuosos levam à misoginia. Quem é que paga o pato? A mulher, claro (e todas as outras que residem nela mesma).

Quando se discorda de uma mulher forte e opiniosa, ninguém a chama de “hipócrita” ou “desonesta”. Ela é sempre “a vagabunda” ou “a vaca” ou  “a feia” ou “a gorda” ou “a lésbica enrustida”. Essas afirmações sexistas que nos ferem no campo das aparências só existem porque é isso que, em pleno 2016, os tradicionalistas – por mais que morram negando – ainda pensam de nós mulheres: um pedaço de carne que não discerne.

Ingrid foi perseguida, agredida e ameaçada. Não só virtual, como fisicamente. Não somente como “personalidade da mídia”, mas como a pessoa encantadora que ela é. Violentaram uma mãe, uma filha, uma amiga querida e admirada. Invadiram sua vida particular com um discurso de ódio que deprime até os mais esperançosos no avanço da humanidade.

Eu tentei me colocar no lugar dela desde que tudo aconteceu e confesso que, sendo ela, eu só quereria um abraço apertado. Esse texto é o meu “tô contigo, te amo e não abro” mais sincero de todos, completamente apartidário, meu vinagre em meio a tanto gás lacrimogêneo que lhe atiraram porque, no fim das contas, ser mulher é sempre isso.

Precisamos falar sobre Ingrid Guimarães e sobre moças-fora-do-padrão que são oprimidas todos os dias (inclusive por outras mulheres). Precisamos falar sobre Ingrid Guimarães porque a caça-às-bruxas que ela vem sofrendo e o medo que lhe acometeu tem raiz no mesmo sentimento que motiva o feminicídio crescente no Brasil. Precisamos difundir o conceito de “sororidade” e falar de Ingrid Guimarães, de Marias, Rosas, Anas, Alices, Joanas, todas elas, porque a misoginia difundida pelos pobres de espírito segue articulada, afinada, inclusiva e generalizada: atinge a lavadeira humilde e até a artista bem sucedida da zona sul.