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Carta a Pablo

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Sem títuloCaro Pablo Ramon Gonçalves,

acompanhei todos os acontecimentos que envolveram o clássico-rei de ontem, no estádio do nosso adversário. O antes, o durante e o depois. Confesso que foi uma noite dolorida pra mim, como torcedor.

Sou americano desde os meus sete ou oito anos. Herdei o gosto pelo vermelho e branco de meu pai. Quando em vida, meu velho leva-me para assistir aos jogos na geral do finado Machadão. Eu ficava ali, esticando-me, de ponta de pés, tentando em vão ver os lances por trás das placas de publicidade que cercavam o campo. Quase impossível.

Pablo, não vou mentir pra você. Como qualquer outro torcedor do América, fiquei muito “pê da vida” com aquele pênalti que marcasses contra o meu time. Mesmo que você não admita, você errou e nos tirou a vitória contra o nosso maior rival. E mais. Na casa deles, Pablo.

Mas eu te entendo, Pablo. Você não teve culpa de ter sido um lance rápido, difícil para qualquer um e que permite várias e várias interpretações. Aliás, você não é o culpado da regra 12 do futebol ser tão confusa, a ponto de gerar tantas polêmicas pelo mundo à fora. Foi uma ação deliberada? Ele aumentou o volume do corpo? Bateu não mão ou a mão bateu na bola? Não sei.

Ah, Pablo. Tem mais. A culpa não é sua da arbitragem no nosso país ser tratada com o amadorismo do tempo de Charles Muller. Eu sei que juiz de futebol no Brasil não passa de um autônomo, que não assina contrato, nem recebe salário. A culpa pela não profissionalização da categoria não é sua.

Aliás, como cobrar alta performance de um cara que precisa ter outra profissão para sobreviver?! Pablo, você não tem culpa de ter que acordar às seis horas da manhã para ir ao serviço, trabalhar até meio dia, almoçar, voltar uma hora depois, sair às cinco da tarde, ter que ir pra casa atender a mulher, filho, fazer o pagamento das suas contas, pra depois, oito, nove horas da noite, botar o uniforme e sair para correr uma horinha, pra no outro dia estar trabalhando novamente.

Você não tem culpa de ser assim. Eu sei, se você e os seus colegas pudessem, teriam dedicação maior ou até exclusiva à arbitragem, pra poder se atualizar e buscar uma complementação na suas formações profissionais.

Pablo, eu sei que a culpa da arbitragem no Brasil evoluir à passos de cágado, como diria o cronista Brasigóis, não é sua. Aqui é assim. O povo se ferra, sabe o porque e ninguém faz nada pra resolver. Você não tem culpa de ter nascido na terra do 7-a-1.

Outra coisa, Pablo. A culpa não é sua das Comissões de Arbitragens dos Estados e da CBF não serem comandadas por profissionais com dedicação exclusiva e qualificados com capacitação em gestão de pessoas. Você não é o culpado da arbitragem brasileira ser comandada apenas por 2 ou 3 pessoas com dedicação exclusiva para gerenciar mais de 500 árbitros. Muito menos do fato de muitas dessas pessoas estarem ocupando seus cargos meramente devido a favores políticos. Não é culpa sua, Pablo.

Amigo, eu não sou um torcedor cordeiro, daqueles alienados que cegam diante do amor por um clube. Aliás, acho que sou mais fã do que torcedor. Mas enfim, isso pouco importa agora. A mensagem é outra.

Pablo Ramon, fiquei muito triste com o que disseram sobre você depois do jogo. Eu tenho certeza absoluta e irredutível que você não fez aquilo intencionalmente. Você não é um criminoso. Não se deixe abater por opinões contrárias e controversas de quem se acha o porteiro do céu mais estrelado de toda a galáxia.

Pense nisso, meu amigo. Não depende de como você cai, mas de como se levanta depois da queda. Não somos todos Pablo, como os clichês que criam por aí, mas somos todos justos com você. Você não pode carregar todo o peso da culpa pelos problemas da arbitragem do futebol brasileiro.

Pablo, doeu, mas eu sei que a culpa não foi sua.

Ass.: Um torcedor americano de cabeça fria.