“Merda”, sussurra o Matheus Giannini, meu colega de elenco, da coxia.
As cortinas se abrem e eu encho meu diafragma de ar para expelir a primeira fala do espetáculo:
PUTA QUE PARIU, NÃO AGUENTO MAIS ESSA PORRA!!!
Todos os dias, há uns 4 anos, penso em desistir dessa vida – tenho só 19, ainda dá tempo.
Depois do primeiro foco de luz que ofusca as muitas poltronas vazias, esqueço a péssima bilheteria e a tristeza que dura micro-milésimos: me multiplico novamente e continuo o show.
É muito bizarro o que acontece quando recebo a entidade da personagem no corpo. O Teatro proporciona ao artista uma matemática louca, uma possibilidade ímpar de divisão, multiplicando-nos em três. O ator vira Senhor do seu trabalho, atuando e observando as reações de quem assiste enquanto assiste a si próprio. É Pai, filho e espírito santo – ou quase isso.
Pouco a pouco a platéia me abraça com as risadas. Abraços dos bons, tipo abraço de vó no almoço do final de semana. Eles têm esse poder de abraçar gostoso quando o ator é honesto. Já o Teatro, não. É cheio de não-me-toques. O Teatro é um Deus cruel e nefasto que lhe chuta a cara sempre que encontra uma brecha entre o ego inflado e o início de carreira – mas depois que se conquista espaço na vida desse danado, poucos são os que reclamam de desamor.
1h se passa e eu retomo consciência. Aplausos. Acabou-se mais um dia duro de trabalho. Vejo aquelas pessoas ali nos olhando e me bate uma neura. Será que foi bom ou aplaudiram por pena? Será que eu tô gorda mesmo aqui de branco? Alice voltou ao corpo e quando ela volta, já chega fazendo um estrago no juízo.
Após a retirada da maquiagem e do figurino, olho pro alto com um desejo forte de parafrasear Janine e dizer que “puta que pariu” e que também “não aguento mais essa porra”, mas seguro firme nas minhas próprias mãos e não baixo a minha cabeça.
Ouvi uma vez de um colega de profissão que eu deveria tomar vergonha na cara e não chorar por quem não veio, mas agradecer duas vezes por quem me escolheu, naquela noite pra se emocionar. Essas pessoas saíram de casa pra nos ver. Essas pessoas poderiam estar comendo pizza ou dormindo ou assistindo à uma peça de qualidade duvidosa de um ator-famoso-que-cobra-por-ingresso-o-que-eu-ganho-de-cachê-na-noite, mas escolheram vir nos ver.
5000 pessoas, 500 pessoas, 50 pessoas… Engulo mais esse sapo e concluo com meu discurso de perdedora esperançosa: “de que vale a casa sempre cheia e o coração vazio?” Uma música de sertanejo universitário, no máximo. E gargalho.
Seja nessa coxia escura, na boca de cena ou até mesmo na cabine de luz, o que é meu está guardado em algum canto desse recinto. Se nada der certo eu faço umas faxinas, vendo uns livros ou almoço com mais frequência na casa da minha avó – de abraço e consolo ela entende.