Na solidão de nossa bolha automotiva, o sinal de trânsito é uma praça. Carregadores de celular, água mineral, peças de carro, serviços inúteis, limpador de para-brisa, água explode no vidro, ofertam o serviço, na mais feroz das recusas. O ato de negar torna-se mero ritual, após a negação vem a oferta, duas moedas da caixinha de caridades, o próximo vem, já não limpa mais, torna-se polimento, quando a placa é de fora, ou o carro é da moda, aumenta o tormento.
Brinquedos, pelúcias, eletrônicos, diante dos olhos, da bolha, das entediadas crianças em suas celas, cadeiras. Compra pra mim, agora não dá o sinal vai abrir, mas acabou de fechar, aquilo não presta vai logo quebrar.
Resquício raquítico do circo, malabares, palhaços de instituições de caridade, cuspidores de fogo, deficientes em busca de sustento, crianças de colo, doces no retrovisor, quer saber, lá poetas deveriam haver.
Clima de feira, a mão ligeira na corrente, os mendigos, os barracos, as frutas embaladas, as nuas também, os doces, sementes, água de coco, é duas por cinco, pago cinco por dez, essa está verde, a água está quente, não quer funcionar, esse limpador de para-brisa é de outro modelo não quer encaixar.
Os pedestres no palco, passarela, na faixa, o olhar de desconfiança, para, não para, olha a linha, o sinal, já abriu, vai fechar, anda rápido, vem devagar, passo, não passo, dá tempo, não dá, agora eu vou, vai dá, fechou. Passa, passa, sai de cima da faixa, mas que platéia chata, eles precisam passar, a cidade é minha, o carro sou eu, acidente na esquina, pedestre morreu.
Olha a ciclofaixa, não vira assim, sem seta sem nada, espera passar, vai mais devagar, a cidade é minha, o carro é seu, pouco mais de calma, carros com alma, o sinal é pra todos, a pista também. Vai logo é protesto, para não para, bomba, fumaça, sai logo dispara.
O verde na frente, a esperança acesa, dá tempo, acelero. Diminui, o da frente, sem fé no futuro, diminui o ritmo, se conforma e espera a esperança apagar. Eu passo à direita, a esperança segue acesa, enquanto o laranja durar; se guarda, ou radar, ou alguém me multar, passo mesmo assim, é longo o vermelho, eu preciso ir.
Na madrugada descansa, pisca o laranja, sem verde sem regras, sem vermelho pecado, que se foda e o caralho, passo mesmo assim. Você passa ou eu passo? Que sujeito educado, vá na frente obrigado. Olha aquele ali, não para aqui, sujeito noiado, tem alguém ali do outro lado, passa mesmo assim.
Abriu esse lado, não viro à direita, sigo em frente, em frente não pode, é o lado errado, o sinal abriu desse lado, siga agora. Pra frente é vermelho? Mas que desespero, que coisa perversa, direção diversa, é multa ou linchado.
Buzina, abriu, mal deu laranja já vai parar, dá tempo amigo, passa por cima, olha o cara já vai brigar, sirene é polícia, ambulância, sobe a calçada, o meio fio, a sirene, a morte, não pode parar, anda meu filho, o sinal vai abrir, olha o cara, no meio do cruzamento, ficou de castigo, que desalento, quão chapéu de burro no canto da sala, todos o olham, que sirva de exemplo, em outro momento, fique antes da faixa, o sinal vai fechar.
O outro lado fechou, aqui vai abrir, engata a primeira, ronca o motor, mas logo agora, o carro da frente enguiçou, a fila se forma, dá sinaleira, me deixa passar. Cuidado olha a multa, não pare ai, passou no vermelho, não vi. Olha essa moto, não cabe aqui, meu retrovisor, cuidado ai.
Agora dá tempo, responda a mensagem, o celular abaixado, pra ninguém notar, buzina buzina, abriu. Os dois da frente anseiam o verde, não pensam em mais nada, quando apagar o vermelho começam a arrancada.
Na janela a cidade para, o céu aparece, aquele pensamento, aquela prece, a solidão dos sinais, semáforos, faróis, nos fazem sentir, um pouco mais sós.