O torneiro e suas máquinas, seus ferros, sua tornearia, não é mecânico, é criador, lá não há prazo, há serviço bem feito. Artista do ferro e do fogo, da prensa, do torno, arte de Ogum, Prometeu, coisa dos deuses, dos hominídeos, da combustão, da explosão de estrelas mortas. Seja o que for, para ele não importa, chegou um cliente, gira, abaixa, fura, amassa. Sua oficina, sua vida, mesa de madeira, óleo nas paredes, no chão, o detalhe da peça, na mão, na ponta do dedo, fogo, faísca, chove estrela cadente, capacete, maçarico, jato de fogo, solda, aço, alumínio, latão, desliza, tira, faz um polimento, roda a máquina, detalha o tubo como um jarro, enfeitado, roda, tira, deixa, folga, aperta, caprichoso. O torneiro e seus metais, suas invenções, encomendas, peças, parafuso, porca, bitola, chapas, tubo. Seu rádio velho, calendários antigos, spray de tinta, óleo, água. O desleixo, bagunça, fiação, armários, estante, constelação caótica de restos, retalhos, fios de metal espiralados. Marceneiro do reino mineral, cirurgião de máquinas, seu ofício, sua batalha, cavaleiro quixotesco, cruzada impossível contra as linhas de produção, os robôs, a milimétrica precisão. Peça boa é funcional, é bonita, pouco importa a medida, os milímetros, o diâmetro, acho que é aqui, essa dá, faz assim, pode deixar, desse jeito não vai encaixar, afina mais, aumenta aqui, testa lá, só mais um pouco. Artista, artesão, metalúrgico, em pleno reino da técnica, robótica, ele ainda é útil. Velho conhecido, seus clientes, amigos, a conversa, as histórias, o papo furado, as peças impossíveis. Arte bela é útil, não servil, nem cem mil, é a justa medida, que cumpre uma função, a dose perfeita. Médico das máquinas, alquimista do metal, artista do fogo. Essa nobre figura, serviu ao homem, desde a idade do bronze, do ferro, das espadas, armaduras, escudos, ferramentas. Seu ofício ainda vive, ainda teima, sua garagem e suas máquinas, sua vida é isso, mais nada. Completo, dono do seu trabalho, ateliê, sua jornada, o torneiro e sua tornearia, mais nada.