Search
Close this search box.

Um lugar lindo e nocivo

Compartilhar conteúdo:

Há no mundo coisa mais contraditória que a relação do natalense com a cidade-natal? Uma hora a gente ama & cuida e, quase no mesmo segundo, odeia pelo retrocesso político-social, pela ideologiazinha provinciana que nos envolve. Tudo bem, tudo bem, ser brasileiro já não é a coisa mais fácil do mundo, só que especificamente aqui na terra do sol, a massa que tem o poder de propagar e resistir contra os absurdos só retruca quando lhe pisam o calcanhar. Veja bem o meu clamor, caro leitor: amo esse lugar pelos amigos e a família que mora em parte aqui, mas pelo amor dos 3 reis magos, onde é que se arruma força pra ser resistência sendo cercada por uma pseudo elite tão pobre em civilidade?

O natalense precisa compreender que a falta de compaixão pelos outros cidadãos é um ato de fraqueza intelectual e emocional MUITO CLARO! Onde arrumar força pra ser “resistência” nesse solo tão fértil pra banalidades? A minha tá se esgotando.

Perdão, bravos companheiros, mas esse orgulho tolo que temos das nossas “belezas naturais” nunca ultrapassa a fronteira da superficialidade, nunca nos motiva a lutar pelo que de fato importa: os irmãos conterrâneos e os nossos direitos. É fácil demais olhar pra “Ponte de Todos™” e para outras belezas arquitetônicas sem nos interessarmos em atravessar o rio e conhecer a dureza que é existir nas zonas periféricas. ESSE POVO É BATALHA TODO DIA, PORRA. SOL NA MOLEIRA PRA CONSEGUIR O QUE COMER! Como é que a maioria não se comove, não se move?

O que me motiva ao desabafo é que nessa semana vi um senhor partindo pra cima de um policial federal porque a PRF interditou a BR 101 – por 10 minutos – ali na altura do Carrefour para que alguns manifestantes passassem em segurança. Você não precisa nem ser contra ou a favor do que é reivindicado pra saber que a  medida é completamente correta, sã, que é isso mesmo… Basta ter o mínimo de bom senso! Ele não entendia, queria a todo custo ir pra casa ou pro estádio ver o jogo ou ir logo pra longe daquelas pessoas que estavam tentando fazer a diferença nessa enorme FAZENDA ILUMINADA que é Natal (ok, eu também odeio essa pejoratividade, mas quem nega que é assim que a cidade se mostra?).

Cada vez que esse senhor gritava “O que é que eu tenho a ver com isso?” a minha vontade, contida porque meu pai não aprovaria a afronta, era baixar o vidro e perguntar “O QUE É QUE VOCÊ NÃO TEM A VER COM ISSO? ONDE É QUE ISSO NÃO TEM A VER COM VOCÊ?”

Depois que a pista foi liberada, passei pelos manifestantes que se encontravam na frente do Via Direta e demonstrei apoio, gritando como eles “NÃO VAI TER GOLPE”. Nesse instante, um cara na garupa de uma moto estirou o dedo e me mandou “voltar pra Cuba” (o que é hilário já que, parafraseando um dos meus escritores favoritos, só se volta quando se vai, e eu realmente nunca fui pra lá). Vida que segue.

A questão é, por que é que somos sempre tão-tão-tão cordiais e calorosos quando se trata de exaltar nossas “belezas naturais” pro que é/vem de fora e, quando mergulhamos na imensidão dos nossos problemas sociais a gente foge igual animalzinho correndo pro pasto? (ta aí mais uma referência pejorativa à fazenda que somos).

Cordialidade demais e exaltação ao superficial me cheira a gente que tem pena de si, que não consegue suportar a ideia de não ser encarte de qualquer coisa!

Nos empurram goela abaixo medidas retrógradas, como a não educação de gênero nas escolas e a falta de incentivo à cultura e a gente aceita caladinho, geralmente por essas coisas virem acompanhadas de um “Natal em Natal” repleto de atrações nacionais (se fossem locais a empolgação não seria a mesma) e de uma árvore de luzes enorme no meio de uma praça (que poderia ser cheia de árvores reais com brinquedos para as crianças que não podem e/ou não querem se enfurnar num Shopping Center e pagar rios de dinheiro naqueles playgrounds genéricos… Mas isso não atrai turista, né?! Mais uma vez esbarramos na nossa plasticidade.)

Nossas praias são lindas sim, somos um belo cartão postal, mas maquiamos muito bem nossas favelas por trás dos arranha-céus da via costeira. Nossas praias são lindas, somos um belo cartão postal e coisa e tal, mas vivemos nessa batalha eterna de nós contra nós mesmos sem sair pra canto nenhum.

“O que é que eu tenho a ver com isso?” tem a ver que você aceita ser só mais um, meu irmão. Você só parte pra cima indignado quando atravancam seu caminho pra casa, você só urra desesperado quando seu time cai pra série C, você só brada “independência ou morte” quando a morte em questão acontece na Zona Norte, VOCÊ SÓ FAZ CARA DE MAU QUANDO ENCONTRA FILHO DE PRETO POBRE ANDANDO NO TERCEIRO PISO DO MIDWAY MALL, você é bobo, feio, chato, cheio de preconceitos egoístas e a culpa é da sua preguiça de pensar, de aguardar no carro a vez do outro falar – mas aceita caladinho viver num lugar lindo e nocivo, fazendo todo dia a mesma rota pro pasto.