Essa semana recebi uma carta de uma leitora entusiasmada com uma de minhas crônicas publicada aqui. No texto, ela citou os motivos que a fez escrever, tais como apreciar futebol, torcer para o ABC, citado na crônica, além do fato de ter se identificado, por se achar uma torcedora partidária, crítica e exigente, exatamente tudo o que eu descrevi e discorri em “Aqueles partidários”.
É muito gratificante receber um retorno espontâneo. Ainda mais quando no fim da carta, há uma provocação. Fui desafiado a escrever sobre a segunda modalidade esportiva mais praticada por elas – só perde para o vôlei – o futebol feminino.
Respondi que minha cabeça quase nunca funciona por encomenda. Tudo que escrevo vem de algo que li, escutei ou assisti. Faço sempre ligação com algo que esteja rolando e assim a inspiração surge do nada. Eu disse quase nunca. Prometi pensar no caso e lembrei que em 2014 havia escrito algo, curto, sobre o futebol feminino.
“Futebol é esporte para homem! Pelo menos é assim que a maioria deve pensar. Em Porto do Mangue, município costeiro do Rio Grande do Norte, vizinho a Areia Branca, não tive dúvidas. Ao procurar um banheiro, só identifiquei que era o masculino pela bola de futebol desenhada na porta”.
É muito comum associar atividades esportivas a homens e a mulheres. Ou melhor, é muito normal e covarde, excluir as mulheres de certas modalidades esportivas. É evidente que existem diferenças. Sobretudo quando se fala de algumas capacidades físicas do ser-humano, como a força, a resistência e a velocidade. É fato, dificilmente a mulher conseguirá ter um desempenho físico melhor que o do homem.
Mas ser diferente ou inferior nunca será justificativa para exclusão, ao ponto do que ocorria no passado, quando proibia-se, por lei, a prática de esportes que não fossem, pasmem, adequados à natureza feminina. Para se ter uma noção do absurdo, apenas nos anos de 1980 as mulheres conquistaram o direito de praticar futebol – apesar dos relatos da prática nas décadas de 1930 e 1940.
O fato é que a participação das mulheres no futebol é cercada por preconceitos. No futebol, assim como na nossa sociedade patriarcal, criamos rótulos e estereótipos a todo momento. Acreditava-se que o esporte poderia masculinizar a mulher, a ponto de afetar seu sistema reprodutivo. Quanta ignorância medicinal. Mas era assim. Às mulheres, sobravam apenas os papéis de mãe e protetora do lar.
Mas como explicar o fato de que a medicina evoluiu e a prática do futebol feminino no Brasil ainda seguir marginalizada e inferiorizada? Como aceitar que uma partida da Seleção Brasileira de futebol feminino não superlote um estádio, como está ocorrendo atualmente em Natal, com a disputa do Torneio Internacional?
Só há uma explicação coerente, o problema agora é puramente gerencial. Faltam investimentos por parte da CBF, das Federações e dos clubes. São poucas as competições e, por conseqüência, não há visibilidade de mídia, apelo comercial e patrocinadores.
É um retrato amargo da baliza abandonada, sem grama e com as redes rasgadas. Mas nem tudo está perdido. Há esperança de dias melhores. Como disse o nosso Ministro dos Esportes, George Hilton, em entrevista recente, “o futebol é para todos, não só para os homens”.
As regras são as mesmas, independente de quem esteja em campo. Seja rico ou pobre, negro, amarelo ou branco, jovem ou veterano, jamaicano ou japonês, homem ou mulher, o futebol é um fenômeno social, capaz de integrar a todos e todas de todas as origens, sejam eles praticantes ou espectadores.
Como escreveu com sabedoria o jornalista mais agúdo da República Velha, Lima Barreto, “o esporte bretão rompe com as velhas etiquetas por sua implacável lógica de disputa regulada e igualitária”. E o futebol feminino há de romper, ainda, muitas barreiras.
O caminho é árduo. Muita bola ainda há de rolar. Não aprendemos ainda organizar e administrar nosso talento e nossa riqueza, mas um dia podemos sim mudar essa realidade e nos tornarmos o que já fomos no passado entre eles: o país do futebol (feminino).