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Bem no futuro

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Não, eu não sei. Você já imagina como que vai ser? Sim, a gente no futuro, e os filhos da gente quando forem a gente ou quando já forem a gente no nosso futuro lá na frente. Imagino a gente por aqui morando todos nós em condomínios, em grandes condomínios, de casas, de apartamentos, de sobrados, de vilas, de prédios, de canis. Imagino a gente morando em grandes condomínios dentro de casas umas iguais às outras sendo muitas casas, muitas famílias, num condomínio que meio que forma uma pequena cidade de segurança máxima e absoluta. Um feudo.

Imagino a cidade recheada de feudos, a gente dentro deles, morando em feudos, quase sem sair dali (só inclui sair para trabalho e escola), e a gente pra sair passando por cinco portões. Hoje em dia já são dois. E uma cancela. Imagino a gente morando nesses feudos e passando por cinco portões e três cancelas pra poder entrar em casa. E a mesma coisa na volta, pra sair de casa. Que não vai ser bem casa. Vai ser feudo cheio de casas iguais construídas num molde arquitetônico que nada tem a ver com a gente, que não nos diz respeito, que imita alguma coisa que até hoje não descobri. Caixas. Imita caixas. Os prédios, as casas, os apartamentos, os canis. Umas caixas tipo container sem ser container abrigando gente que também mal sabe quem é. (Digo de si mesmo.) (Porque acho que vai ser assim.) Vai ficando todo mundo igual dentro do feudo, dentro dos feudos, e os feudos idênticos também.

faculdades-do-futuroA gente mal sai dali. A gente quando sai entra em um carro quase do tamanho do apartamento ou maior e liga o ar condicionado quase a zero graus celsius e isso nem é suficiente com o calor lá fora.

Lá fora. Lá fora não tem ninguém. Eu imagino assim. Quando a gente sai de casa só sai depois de passar pelos portões e pelas cancelas e pela inspeção do porteiro e dos três seguranças, segue dentro do carro pra todo lugar e pra lugar nenhum. Não desce na rua, não anda na rua. Ninguém anda na rua. A cidade fica deserta de gente, que está toda dentro do feudo ou do carro. O carro do tamanho da casa que tem no feudo. As crianças crescem pensando que deve ser muito esquisito andar a pé no meio da rua e não no meio do shopping nem do meio do colégio (que às vezes fica dentro do feudo), e os adultos e os velhos, principalmente, têm saudade de quando punham os pés nas calçadas das ruas, onde hoje não anda mais ninguém. Quando muito, um mendigo ou dois ou cinco. Mas é raro. Não tudo fique tão bem que não vá haver mendigos. Mas acontece que todos perecerão do calor e da ausência de esmolas num lugar onde não há pedestres nem motoristas dispostos a abrir os vidros para ação nenhuma, exceto para receber tickets de estacionamento.

Ninguém abre os vidros dos carros. Ninguém sai do feudo. Depois do trabalho, todos se detêm diante de programas de culinária que então serão muitos, serão mais. Haverá mais programas de culinária que novelas e telejornais. Na tv fechada (que deverá ter pouco mais de dois mil canais, visto que as pessoas não terão lazer para além do próprio feudo), 1/3 será de canais onde só passam programas de culinária. O restante de jornais onde as notícias sejam ruins, sempre ruins. Todos assistem a programas de culinária. Nunca comem nada do que assistem.

Não há pessoas nas ruas. Não há barulho nas ruas. Os carros correm em silêncio. Os feudos têm fachadas iguais cujas casas e apartamentos e torres e canis são também completamente iguais. As pessoas vão ficando completamente idênticas mas não se conhecem. Não se anda a pé nem se pega ônibus. Como se a cidade afundasse e ficasse perdida no meio dum silêncio, no meio do vazio. Como se vazio fosse o futuro da cidade.

É assim que eu imagino.