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A grande tragédia de nossos dias

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Uma das coisas que mais gosto de fazer é observar os tipos humanos na cidade. E lá estava eu, almoçando tranquilo em um boteco de esquina, olhando quem vai e quem vem. No outro lado da rua, uma jovem chamou minha atenção indo com um cadeirante idoso para algum lugar (ou vindo, não sei). Do nada, ela para e pega alguma coisa na bolsa. Era o celular! Com uma mão segurando a cadeira e a outra o telefone, ela sorri discretamente ao ver alguma coisa em seu aparelho. Logo depois, segura com as duas mãos o aparelho para digitar alguma coisa com mais agilidade, talvez.

A rua tem uma leve inclinação, que faz a cadeira de rodas se locomover sem guia algum, em direção para a rua, fora da calçada, que é alta o suficiente para derrubar o senhor. Na hora, percebendo a incapacidade de me levantar, driblar as mesas, esperar o fluxo de carro (que era grande) passar para tentar salvá-lo, minha única reação foi falar um: puta-merda-fudeu-o-velho-vai-pra-rua-o-carro-vai-pegar-caralho-alguém-aparece-porra. A jovem não percebe a cagada que fez e, indiferente, continua no smartphone.

Aí veio a salvação!

Um cara vai correndo em direção para, assim pensei, salvar o senhor cadeirante de uma tragédia. MAS NÃO! Ele tira o celular do bolso e, sorrindo como uma hiena, pega seu smartphone, e se posiciona próximo para fazer um vídeo da cadeira de rodas sem freio, em direção a rua cheia de carros ferozes com pessoas loucas para aproveitar seus 60 minutos de almoço. Até que uma terceira pessoa chegou, e segurou a cadeira de rodas antes da merda acontecer. Já eu, estava longe, incapaz de fazer qualquer coisa, torcia para nada acontecer de ruim.

Perdi a fome. Não sei se de raiva da mulher que, sabendo da responsabilidade de carregar um cadeirante, deixa ele à mercê para verificar o celular ou do cara que, ao invés de ajudar, foi filmar (para provavelmente compartilhar em seus grupos de Whatsapp, Facebook, sei lá) a tragédia acontecer para depois pensar (?) em ajudar.

A verdade foi que perdi a fome de vergonha. E não culpo a tecnologia dos smarphones por isso, mas uma geração que, sabendo da possibilidade de publicizar a tragédia de nossos dias e alimentar seu sadismo, promove uma carnificina simbólica da condição humana.