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O RN precisa de críticos literários?

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O RN tem críticos literários propriamente ditos? Talvez não – ou ainda não os conheci. Deve ter? Por que não?

Em seu recente artigo (“Criticar ou não criticar, eis a questão”), com a habitual clareza que o acompanha, o poeta e escritor de livros infantis José de Castro se pergunta: há crítica literária no Rio Grande do Norte? Apoiado no pensamento do jornalista paranaense José Castelo, quem afirmou que a crítica literária brasileira morreu pari passu com os grandes críticos do século XX, Castro afirma sua satisfação com a ausência dessa especialidade entre os potiguares. Para ele, o RN conta com o privilégio de não ter críticos literários.

O pedagógico artigo resgata parte do nascimento e evolução das principais editoras potiguares, constatando que na medida em que o fluxo de publicações tem aumentado cada vez mais, o discernimento do público é chamado com urgência a distinguir a boa literatura da literatura de má qualidade. No entanto, ao associar o exercício da crítica literária a um passado de críticos insuperáveis, como também à corrente ideia de inquisição e policiamento público de escritores, José de Castro corrobora a opinião de que o crítico literário hoje em dia não tem lugar social e autoridade intelectual (“Quem ousaria ser denominado hoje um crítico literário?”).

Antes de tudo, esclareçamos o que se entende por crítica literária. Carlos Ceia a define da seguinte maneira: a “produção de um discurso acerca de um texto literário individual ou da obra global de um autor, independentemente da situação de comunicação que desencadeia e/ou particulariza esse discurso.” Charles Augustin Sainte-Beuve definiu o crítico de literatura como “um homem que sabe ler e que ensina os outros a ler”. Cristiano Ramos disse que a crítica tem o papel de “apontar caminhos de leitura […] sugerindo ao leitor que ele comece a fazer ilações, analogias, comparações, questionamentos…”. A função do crítico, assim, vemos, extrapola o âmbito da crítica negativa, abarcando também a contextualização e a exaltação da obra.

A teoria do fim da crítica literária não é recente. Por exemplo, o escritor Ricardo Piglia constatava a ausência de grandes críticos, embora na verdade o lamentasse. Contudo, faz-se útil agregar ao rico debate: a teoria do fim da crítica literária não é consensual entre os estudiosos. Além disso, muitos pesquisadores de envergadura têm apontado os efeitos benéficos de certa crítica literária especializada no sentido de aprimorar substancialmente – a longo prazo – a qualidade do que é produzido num país, estado ou cidade. Nesse sentido, Pécora, Lawster, Matsunaga e muitos outros autores contemporâneos defendem que o problema não é o desaparecimento do crítico literário em si, senão seus novos desafios. A crítica especializada precisa melhorar, ao contrário de desaparecer, ponderam outros estudiosos e escritores.

Agradeço a chance que o instigante artigo de José de Castro me ofereceu para formular minha própria posição a respeito do tema. Antes de seguir, é oportuno lembrar que tenho estado mais em São Paulo que em Natal e, ademais, vale dizer, não sou nem pretendendo ser crítica literária.

livro-e-oculos2Tenho acompanhado com simpatia o mercado editorial potiguar (mais o natalense) desde 2006. Nesses últimos anos vimos editoras e selos crescendo e se qualificando. As publicações do Sebo Vermelho prestam um grandioso serviço literário ao recuperar e apresentar poetas e contistas ligados às tradições literárias sertanejas ou de décadas natalenses passadas. Os livros da Jovens Escribas e Tribo exemplificam o que o RN tem publicado de mais atual, em termos de logística editorial e diversificação de conteúdo literário. A EDUFRN, por sua vez, está entre as editoras universitárias mais dinâmicas e promissoras do Brasil. A discretíssima editora artesanal Sol Negro tem arrancado elogios de leitores de diversas partes do Brasil, fazendo um trabalho de alto nível nos universos literários beatnik, libertário e surrealista.

Além disso, no campo literário e afim, nomes excepcionais vem sendo publicados no RN; para não me alongar, gostaria de destacar Themis Lima (Editora Tribo), Ilza Matias de Sousa (EDUFRN), Pablo Capistrano (Editora Jovens Escribas) e Walflang de Queiroz (Sol Negro Edições), cujos livros, ao meu ver, superam a média.

Todavia, penso que assim como acontece nos mercados literários independentes do mundo inteiro, existem em Natal e no RN uma considerável quantidade de poetas, romancistas, ensaístas, cronistas e contistas cujas aptidões literárias deixam a desejar. Nesse sentido, penso que bons críticos literários poderiam ajudar a(s) literatura(s) potiguar(es) a alcançar novos patamares editoriais, assim como ocorreu em outras partes do Brasil e do mundo. É verdade que quanto menos inquisidores literários tivermos, melhor. Como certa vez afirmou Hemingway – e nesse ponto concordo com ele –, quase todos os “carrascos” literários são escritores frustrados ou pouco convincentes. Mas não cometamos o erro de confundir inquisidores e difamadores com críticos de qualidade. Também não confundamos o rigoroso trabalho analítico dos críticos literários (ilustres pesquisadores como Walter Benjamin, Antonio Candido e Barthes) com a crítica literária espontânea (e por vezes excelente) que os leitores e escritores sempre fizeram e farão.

Para a professora Cristina Botelho, "a crítica literária tem a função de caracterizar a obra, uma atividade de investigação, através dos elementos que a compõem, identificando suas diferenças. Sempre atenta aos processos estruturadores da obra e articulada com a história e a literatura, ela seria o lugar de encontro entre o texto e o público, em épocas e espaços diferentes. Conjuga o modo de ser da obra com o modo de ver do crítico, ambos envolvidos pela historicidade." Fonte da imagem: desconhecida pela colunista

Criticar bem ou criticar mal, eis a questão, diria. Afinal, os renomados críticos parisienses também contribuíram para transformar a “cidade da luz” na potência literária que reconhecidamente se tornou. Cidades como Nova Yorque, São Paulo, Porto Alegre, Lisboa e Tóquio não só nos deram ótimos poetas, pensadores e romancistas. Frisemos: também nos deram excelentes críticos.

O RN tem críticos literários propriamente ditos? Talvez não – ou ainda não os conheci. Deve ter? Por que não? Quando honesta, erudita e atualizada, a atividade crítica pode contribuir com três exigências cada vez mais cruciais para os “ecossistemas” literários: formar leitores mais exigentes, desanimar a proliferação de obras dispensáveis e ajudar as editoras a selecionar bons escritores. Escreveu o novelista coreano Yun Heunggil: “O bom escritor não teme o bom crítico”.

 

Fontes das imagens 1 e 2: desconhecidas pela colunista

Fonte da imagem 3: site do evento Itaú Cultural