Vejo que para muitos colegas docentes o esporte preferido é bater na universidade pública federal, tentando mostrar defeitos nela e deslegitimá-la. Ora, evidente que há muitos problemas nas instituições públicas de ensino superior. E esses problemas são discutidos diariamente na esfera pública.
Por outro lado, não vejo os mesmos colegas, fervorosos críticos das instituições públicas em geral, discutirem os problemas, estes mais graves, nas instituições de ensino privado, a exemplo do personalismo generalizado na composição da equipe docente, as perseguições pessoais aos profissionais com vocação meritocrática, os milhares de casos (silenciados) de assédio moral, a flexibilização e precarização do trabalho, o pagamento diferenciado e desigual entre professores “estrelas” e professores “anônimos” numa mesma disciplina, o cerceamento e demissão daqueles que ousam debater, o que, diga-se, não é a mesma coisa de doutrinar, junto ao seus alunos em sala de aula temas como “aborto”, “evolucionismo”, “feminismo”, “cotas raciais” – o assédio ideológico por parte das Escolas e suas coordenações já é uma nefasta realidade no ensino privado o qual poda e intimida cotidianamente os docentes e sua liberdade de pensamento. Não esqueçamos, também, dos colegas professores que, muitos consagrados no ensino privado como “excelentes professores”, não dedicam o mesmo comprometimento e entusiasmo quando estão nas salas de aula da Rede Pública Estadual de Ensino.
Falemos também dos processos obscuros de seleção de docentes, sem divulgação pública e transparente de resultados sobre o desempenho de cada concorrente, e, onde o resultado da seleção se resume, como no Big Brother Brasil, a um TELEFONEMA!!!. No país da piada pronta, o concursando numa instituição privada de ensino aguarda um telefonema ou email para saber se foi aprovado, sem jamais saber sua nota, assim como os reprovados. Quanto transparência e publicidade!
E a pérola do bolo: os mesmos professores que vivenciam todo esse cotidiano de violências institucionais nas instituições de ensino privada fazem greve e gritaria por bem menos nas instituições de ensino público – a precarização é de tal ordem hoje que muitos professores vivem a vida dupla de ensino na escolas públicas e em escolas privadas. São verdadeiros leões nas lutas sindicais e trabalhistas nas escolas públicas, pelo menos discursivamente, claro – muitos, na verdade, apenas vestem o pijama e vibram por mais uma greve em defesa da educação pública, verdadeiro tema bossa nova que faz a cabeça de todo brasileiro. Mas, por outro lado, se comportam como gatinhos domésticos diante das arbitrariedades da educação privada. Pior, nunca se organizam e organizam um debate público em torno do tipo de condução da educação na iniciativa privada.
Evidentemente, preocupa-me as greves nas instituições públicas, mas me causa choque também a ausência de qualquer crítica pública, greve ou resistência coletiva aos desmandos e violências institucionais nas escolas e universidades privadas. São ilhas de prosperidade da tirania institucional e da cumplicidade tácita dos violentados (docentes). Sociologicamente, não chega nem a constituir violência simbólica, é masoquismo cínico mesmo.
Seus violentados preferem optar pelo silêncio, cultivando o mal-estar cotidiano de saber que a educação brasileira vai mal, mas não apenas no ensino público, mas também e sobretudo no ensino privado – principalmente em matéria de crescente perda da autonomia do educador na avaliação das competências e habilidades dos estudantes. Heroicamente, são algumas coordenações disciplinares quem procuram ainda “humanizar” a tensa relação entre professores, escola, estudantes e pais de estudantes. Claro que isso só ocorre quando os coordenadores apresentam o espírito de razão comunicativa e solidariedade. Não são todos, infelizmente.
Em consequência, resta a má-consciência e o discurso ressentido de desqualificação das universidades públicas e de seus profissionais. Até parece um desejo latente e masoquista para que a educação pública federal fracasse, justamente onde ainda encontramos excelência educacional, salários dignos e autonomia do educador, tal como podemos encontrar nas Universidades Federais e Institutos Federais de Tecnologia como atesta a verdadeira fuga em direção a essas instituições públicas que muitos dos mais talentosos docentes do ensino privado estão realizando em busca do que já é conhecido como “Carta de Alforria”.
Por isso só acredito em mudanças reais na educação brasileira básica e superior quando ocorrer a maior e mais importante revolução e luta docente: nas instituições privadas de ensino básico e superior. Aliás, qual foi e quando houve a última grande paralisação nacional dos docentes da educação superior e básica nas instituições privadas de ensino??? Ou os colegas docentes da iniciativa privada não perceberam que a precarização do trabalho docente começou no ensino privado? (docentes que necessitam trabalhar em várias escolas e faculdades privadas para ter direito a uma vida digna)
Sem qualquer manifestação dessa revolução, continuaremos falando línguas diferentes. O que sobra é ressentimento cínico ou um desespero sofrido e aceito silenciosamente…