No dia 12 de abril de 2015 ocorreu uma mobilização nacional constituída por setores da sociedade desgostosos com o governo recentemente eleito, cobrando o impeachment da presidenta, lutando contra a corrupção daquele governo e partido, pedindo intervenção militar. No dia 15 do mesmo mês foi agendada por setores, indivíduos e organizações de esquerda (partidos, sindicatos e centrais sindicais, movimentos sociais, etc) outra manifestação, clamando especialmente o fim do Projeto de Lei 4330 de 2004, que versa sobre as chamadas terceirizações, das quais tal movimento acusa de destituir direitos trabalhistas e precarizar ainda mais as relações de trabalho no país. As mobilizações ocorreram em várias capitais, entre elas Natal.
Ambos os movimentos são guiados por demandas de esquerda e direita, dialogando com os recentes acontecimentos no Brasil que colaboraram para deixar mais nítida essa divisão política, como o próprio projeto de lei sobre terceirizações, solicitações de golpe militar, a recente disputa eleitoral entre partidos de centro, mas cada qual com características de esquerda ou direita, para o governo federal, dentre outras. Assim, nas redes sociais e na população em geral, o diálogo entre direitistas e esquerdistas têm constituído uma das pautas do dia, cada um desses grupos defendendo seus projetos de sociedade.
Esse artigo irá apresentar e explorar as informações quantitativas que eu consegui coletar nas duas manifestações, e das quais uma parte (a primeira, referente à manifestação pró-impeachment) já foi publicada nesse mesmo portal. Irei, além de narrar minhas impressões durante a manifestação do dia 15, comparar as informações e impressões com a mobilização anterior:
O que me chamou atenção quando me dirigia para o ato do dia 15 foi que não havia por parte da polícia e da STTU a exemplar operação para garantir a segurança, e o fluxo de veículos, da sociedade em geral e dos manifestantes. A Av. Salgado Filho não havia sido interditada em mais de um quilômetro de distância do local da concentração, como fora no dia 12. Não havia respeitáveis cordões de policiais nem a ambulância da SAMU pronta para entrar em ação no caso de algum manifestante precisar, também um lado da avenida não foi bloqueado para manter a segurança dos insatisfeitos. Não haviam os sorridentes policiais de outrora. Nem o barulho do helicóptero. O trânsito próximo estava semicaótico, não contando com a inteligência da polícia e STTU, diversos ônibus tiveram que parar e ter seus passageiros evacuados por causa da concentração do ato, que se deu em frente ao prédio da FIERN. A política de cuidados com esta manifestação foi praticamente oposta à da primeira, que mesmo noutras cidades lhes foram cedidas pequenas regalias, como passe livre no metrô e banheiros químicos.
Na manifestação contra as terceirizações a mixórdia de cores e movimentos sociais era maior do que naquela que defendia o impeachment da presidenta. O perfil geral era de pessoas pardas. Forte presença de centrais sindicais, sindicatos, movimentos sociais (como o movimento gay), estudantes com bandas de pau e lata, trabalhadores e partidos de esquerda, como PSOL e PSTU, e também o PT. Embora o vermelho predominasse sobre as outras cores, não havia o monoteísmo do verde e amarelo que foi a marca registrada das camisas quase oficiais do movimento do dia 12 e da CBF.
Os carros de som eram mais pluralizados, diferente do protesto pro-impeachment, onde os carros eram guiados e monopolizados sobretudo por determinados sujeitos, que falaram do começo ao fim do ato, embora nalgumas ocasiões o microfone fosse passado de mãos por um pequeno período de tempo. Talvez essa seja uma lição democrática que este movimento possa aprender, de que, com múltiplas vozes falando nos amplificadores, ganha-se em debate, mesmo que os sujeitos ali presentes sigam um pensamento e ideologias políticas similares, caso de ambas as manifestações.
Dadas essas impressões, o que segue são os gráficos e textos fazendo a comparação entre os perfis (socioeconômicos, políticos, ideológicos…) dos manifestantes das duas mobilizações:
1 – Sexo/Gênero
Embora ambas as manifestações tivessem um balanço similar de homens e mulheres protestando por suas demandas, neste segundo levantamento procurei ser mais criterioso em abordar aproximadamente o mesmo número de homens e mulheres. Cabe ressaltar, contudo, que na manifestação contra a PL 4330/04 as mulheres eram mais solicitas e mais abertas a concederem entrevistas. Na primeira, pró-impeachment, sobretudo aquelas que estavam acompanhadas de seus cônjuges, foram resistentes ou “protegidas” por seus pares, ou mesmo delegavam o trabalho aos seus parceiros. No dia 12 obtive um percentual de 24% de mulheres entrevistas para 76% de homens e no dia 15 53% de homens e 47% de mulheres. Na categoria “Outro(s)” constaria aqueles sujeitos que não se identificam nem como homens nem como mulheres, ou feminino e masculino, mas não houve nenhuma dessas escolhas em nenhum dos protestos (0%).
2 – Idade (Manifestação do dia 15)
A idade dos manifestantes neste segundo ato foi mais sortida que a do dia 12. Se naquela 47% dos entrevistados tinha mais de 51 anos, que quando somados aos que tinham de 41 a 50 obtemos uma parcela de 59% do total dos manifestantes, no ato contra as terceirizações a maior parte dos sujeitos são jovens e adultos jovens. Praticamente a metade tem de 19 a 30 anos, que quando somados com o grupo de jovens de 15 a 18 anos constituem 59% do total de amostras. Temos aqui dois opostos, uma primeira manifestação pró-impeachment mais velha e uma segunda “contra o impeachment” mais jovem. No dia 15 jovens adultos de 31 a 40 anos também são expressivos, alcançando quase um terço do total, onde não encontrei pessoas de 41 a 50 anos, embora houvessem. Sujeitos acima de 51 anos ainda figuram com o dobro de jovens abaixo de 18 anos no dia 15.
3 – Escolaridade
O nível de escolaridade dos participantes dessas duas manifestações natalenses fora bastante similar. A maior parte são de pessoas com nível superior completo, muitos dos quais já em pós-graduação ou pós-graduados: na manifestação contra a PL 4330/04 esses sujeitos constituem 59% do total das amostras contra 53% do total de graduados no ato pró-impeachment. Se consideramos a margem de erro não calculada, que provavelmente está acima de 5%, o número de diplomados se aproximaria bastante. É um número similar às manifestações de São Paulo em relação a este mesmo dado. No ato liderado pela CUT, na capital paulista, 68% tinha nível superior, enquanto no movimento pró-impeachment o total era de 76%.[1] A presença de jovens universitários foi maior no ato esquerdista do que no direitista, jovens graduandos no dia 15 constaram 23%, enquanto os que estavam presente no ato “contra a corrupção” foram 12%, provável consequência das diferenças etárias entre manifestações. Entre os que só têm ensino médio completo ou incompleto, na manifestação do dia 15 somaram uma parcela de 18%, já no ato do dia 12 35%.
4 – Qual a sua renda?
Temos um perfil economicamente mais elitista na manifestação cobrando o fim do mandato de Dilma quando comparamos com os manifestantes contra as terceirizações. A presença mais forte no ato que reuniu várias parcelas da esquerda é de sujeitos que recebem de 1 a 6 salários mínimos (65%), aqui com maior participação dos que recebem de 3 a 6 salários (53% do total de amostras). Os que recebem menos de um salário não constam na amostra com o público pró-impeachment (0%) e ali somente 6% recebem de 1 a 2 salários, que quando somamos com os que recebem de 3 a 6 (35%) formam um grupo de 41% na mesma manifestação. A classe média que recebe de 3 a 6 salários é 30% maior no ato contra as terceirizações comparando ao movimento pró-impeachment, quase um terço do total de manifestantes.
Sujeitos com maior poder aquisitivo, que recebem de 6 a 10 salários (de R$ 4.728,00 a R$ 7.880,00) foram mais significativos na manifestação de esquerda, mas com número aproximado aos da direita se levarmos em conta a margem de erro não calculada. No movimento pró-impeachment esse público é 23% do total, enquanto no movimento contra o impeachment aparecem em 29%. Esse dado pode ser explicado pela forte presença, nos dois atos, de trabalhadores formados e graduados, entre funcionários públicos, empresários e empregados. Agora, quando analisamos os que recebem mais de 10 salários, muitos no ato pró-impeachment até 20 salários ou mais, na manifestação esquerdista esse contingente é de 0% enquanto na manifestação direitista é de 24%, que contribui para o perfil mais rico da primeira manifestação em relação a segunda. Na primeira (dia 12) houveram duas denegações à questão sobre renda, 12% não quiseram responder, já na segunda (dia 15) todos responderam.
5 – Qual a sua raça/etnia?
A porcentagem de brancos na manifestação do dia 12 foi de 44% contra 35% na do dia 15. A soma de pardos e pretos (ou negro na linguagem da entrevista) na manifestação pró-impeachment foi de 39%, enquanto naquela contra o impeachment fora de 53%. Somente na manifestação dos sindicatos, estudante e entidades de esquerda contra o projeto de lei sobre terceirizações é que houve identificação como “indígena”, 12%, nesta mesma mobilização não houve escolhas por “Outro”, já naquela pró-impeachment essa alternativa contabilizou 17% das escolhas. A olhos vistos a mobilização do dia 15 trazia uma mixórdia maior de tons de pele, raças e etnias.
6 – Há alguém no seu domicílio desempregado?
O percentual de “nenhuma pessoa desempregada” em casa é similar nas duas manifestações. Enquanto no grupo pró-impeachment esse valor é de 65%, na manifestação contra as terceirizações corresponde a 59%. Em ambos os casos é um valor próximo de dois terços do total de militantes. O desnível maior ocorre naqueles que têm uma pessoa desempregada em casa, onde no ato do dia 15 são 29% enquanto naquele do dia 12 são apenas 6%. Quanto a ter 2 e até 3 pessoas desempregadas em casa os manifestantes pró-impeachment reclamam 29%, no conjunto, enquanto esse percentual naquela contra o impeachment é de 12%, tendo-se no máximo 2 pessoas desempregadas. Nenhuma amostra constou 3 ou mais pessoas sem emprego (0%) em qualquer uma das mobilizações.
7 – Em quem você votou no segundo turno?
A manifestação do dia 15: foi marcada por grande expressividade de eleitores de Dilma Rousseff (PT) no segundo turno da última eleição (88%). Aqueles que não votaram por algum motivo formam 12% do conjunto. Ninguém ali votou em Aécio Neves (PSDB).
Manifestação do dia 12: 63% disseram ter votado em Aécio Neves (PSDB), contra apenas 12% de votos em Dilma Rousseff (PT), esse número, levantei perguntando aos dois entrevistados, corresponde a sujeitos desgostosos ou que se sentiram enganados com o governo Dilma, e por isso pedem seu impeachment. 25% não votaram por algum motivo.
Caberá aqui dizer que durante as manifestações do dia 15 outros partidos de esquerda, movimentos estudantis e centrais sindicais criticaram o PT e a política de Dilma Rousseff, mesmo com a presença significativa de políticos do PT e afiliados, outras organizações teceram comentários críticos da política federal do Partido dos Trabalhadores. Embora o percentual de eleitores de Dilma seja alto, “Apoiar o Partido dos Trabalhadores” teve menos da metade do total de amostras quando questionadas as motivações de se estar naquele ato. Eu não percebi precisamente na manifestação pró-impeachment em Natal, mas em cidades como São Paulo e Rio manifestantes criticaram a oposição, sobretudo o PSDB, por não enfrentarem como eles gostariam o PT, mesmo que lá e cá também estas tenham importantes parcelas de eleitores desses dois partidos. Ambos os movimentos me pareceram, às suas medidas, críticos dos partidos pelos quais cederam o voto no segundo turno.
8 – Qual a sua principal motivação para estar presente no ato?
Essa era a única questão de múltipla escolha em ambos os questionários, mas foram modificadas as motivações para uma melhor captura de cada cenário. Abaixo as motivações do movimento pró-impeachment:
As motivações que levam os sujeitos a cada um dos atos são bastante diferentes e divergentes. Lutar a favor do impeachment de Dilma mobilizou 12 sujeitos com amostra coletada no dia 12 (70% do total de entrevistas), enquanto lutar contra o impeachment foi motivação de 10 de 17 entrevistados no dia 15 (58%). Outro dado que diverge e é curioso é sobre golpe militar, eufemizado como “intervenção militar ‘constitucional” por alguns dos manifestantes (e os carros de som) pró-impeachment. Na mobilização direitista, embora apenas 4 entrevistados (23% do total de amostras) tenham cobrado o golpe, (ainda que alguns não reclamaram o retorno, mas elogiaram o período ditatorial para mim enquanto entrevistava), ninguém se manifestou publicamente contra o carro de som nas vezes em que este solicitava a volta dos militares ao poder. O que é curioso se consideramos que a inércia, a não-ação, é também prática política, e como tal, política/ideologicamente dirigida). Algum estudo futuro deverá se demorar sobre essa questão, entre a palavra dita e a prática muda de tais manifestantes, que noutras questões também mostraram apreço pela democracia ou durante uma pergunta disseram que o golpe não deveria ser pensado como possibilidade. Esta conciliação de diferentes pontos de vista (que deveriam ser inconciliáveis, tais seus objetos, democracia-ditadura) foi algo bastante marcante para mim, e cria a necessidade de compreendê-la através das ferramentas das ciências sociais. Lutar contra o golpe militar foi motivação para 76% dos entrevistados na mobilização contra o PL das terceirizações.
Se “lutar contra a corrupção” foi 100% das motivações para participar da manifestação pró-impeachment, para participar das manifestações contra a PL 4330/04 a motivação foi, naturalmente, 100% para combater este projeto de lei sobre terceirizações. Nesta mesma manifestação “lutar contra a corrupção” foi selecionada por 70% dos entrevistados.
É curioso notar também o apreço pela chamada Reforma Política, que foi justificativa para 94% estarem participando do ato no dia 12 e por 64% no dia 15. Isso poderá, caso a pauta da Reforma se faça uma grande discussão nacional, acirrar o debate sobre qual tipo de Reforma Política é desejada por essas duas populações. O interesse em reformar os dispositivos políticos pode ter fins completamente diferentes nas demandas dessas diferentes parcelas da população nacional. Divergindo-se em pautas tais a do financiamento de campanha, voto distrital, financiamento de partidos, etc.
9 – Dilma e a corrupção na Petrobras
Foi perguntado aos entrevistados sua opinião sobre a participação ou não da presidente no recente escândalo de corrupção da estatal Petrobras. A intenção era saber o que pensa cada manifestação, quando os dados fossem cruzados, seguem:
Como era de se esperar, o movimento pró-impeachment acredita mais na culpa da presidenta, direta ou indiretamente. 50% acha que ela sabia e deixou ocorrer porque não quis fazer nada para impedir. E 17% pensa que ela estava diretamente envolvida. Já no público da manifestação contra as terceirizações 52% acredita que ela sabia, mas não poderia interferir. Os que acham que ela estava diretamente envolvida são apenas 5%.
10 – Você concorda com a frase:
Esse dado é curioso, porque mesmo sujeitos que pediam o golpe militar alegaram que a democracia era sempre melhor ou participaram de um ato em que seus organizadores, por meio de carros de som, pediam “intervenção militar constitucional”. Talvez possa (a)parece para esses sujeitos que a “intervenção militar” não fere os princípios democráticos (sendo “constitucional”, clamada por uma significativa parcela da população…), e por isso não fazem a distinção entre democracia e ditadura ou acreditam que existe de fato um dispositivo político que permite uma “intervenção” militar democrática… caberá a um pesquisador se aprofundar nessa questão, no imaginário dessas pessoas do que seja democracia e ditadura, que pode (e provavelmente o faz) diferir da opinião de filósofos e cientistas políticos, e da comunidade científica de uma maneira geral.
11 – Avaliação do Governo Dilma
A linha de tendência do movimento pró-impeachment parece mais decisiva em considerar o governo de “regular” a “péssimo”. Enquanto há uma tendência menos radical na avaliação do governo por parte do movimento de esquerda. Há mais daqueles que acham o governo “bom” ou “regular” (47% e 29%, respectivamente) no movimento contra as terceirizações do que, como era de se esperar, no pró-impeachment (0% “bom” e 11% “regular”). No dia 12 64% achavam o atual governo “péssimo” e 17% “ruim”, no dia 15 “péssimo” contabiliza 11% e “ruim” 5%.
12 – Avaliação do Congresso Nacional
Os dois movimentos concordam em alguns pontos sobre o Congresso Nacional. Nenhum dos dois votou que acha o congresso “ótimo” ou “bom”, as dissonâncias veem a ocorrer quando o movimento pró-impeachment acredita, em maior número, que o atual Congresso é “regular”, opinião de 11% do movimento contra a PL 4330 e de 52% do pró-impeachment. O movimento da direita é também menos expressivo em taxar o Congresso de “péssimo”, embora haja outro encontro com a opinião do movimento contra as terceirizações na opção “ruim”, ambos com 11%.
Talvez o Congresso seja avaliado menos negativamente pelo movimento de direita por estarem ali mais políticos inseridos nesse campo do espectro, então o contrário podemos dizer sobre o movimento de esquerda, que se vê mais desgostoso com um Congresso mais à direita e mais conservador. Mas devemos notar que ninguém analisou o congresso com bons olhos, nem mesmo aqueles que, estando no mesmo campo do espectro político, poderiam se beneficiar disso. Não sei se algum cientista político já se debruçou ou ainda pesquisa a avaliação popular do Congresso Nacional, mas é uma importante questão a ser levantada e que poderá demonstrar qual o prestígio que a própria política institucional tem no imaginário do país.
[1] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/03/1603885-maioria-foi-as-ruas-contra-corrupcao-diz-datafolha.shtml (acessado em 18 de abril de 2015)