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A raiz de todos os males: Ato médico e Mais Médicos

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Em 11 de julho de 2013 a presidente Dilma Rousseff (PT) sancionou, com vetos, a lei do ato médico.

Foram vetados dez trechos no total, entre eles a espinha dorsal da proposta: a que estabelecia como atividades privativas do médico a formulação do diagnóstico das doenças e a prescrição terapêutica.

O ato médico opunha os demais profissionais de saúde aos médicos, que pretendiam, por exemplo, que psicólogos não pudessem mais apresentar diagnósticos em caso de doenças mentais, ou que terapeutas só pudessem executar tratamentos conforme prescrição dos médicos. Em vez de prescrever “dez sessões de fisioterapia”, permitindo ao fisioterapeuta estabelecer a forma de aplicação mais adequada, conforme se dá hoje, caberia ao médico a prescrição de que aplicação ou tratamento específico deveria ser aplicado ao paciente.

No dia da sanção com vetos por Dilma, um amigo meu, então estudante de medicina, afirmou seu ódio à presidenta e disse que a guerra estava declarada contra ela. Não sossegaria enquanto não a derrotasse.  Lembro que disse a ele: “política não se faz com ódio”.  Como resultado, ganhei um block dele nas redes sociais.

Três dias antes, em 8 de julho, o governo anunciara o lançamento do programa Mais Médicos. 

A guerra foi declarada. 

O discurso dos médicos contra o governo não toca nos vetos do ato médico, mas centra foco no Mais Médicos – aliás, não em qualquer ponto do programa, mas na vinda temporária de estrangeiros.  No entanto, apenas na mais recente fase do programa os médicos brasileiros se inscreveram em massa – 95% dos inscritos tinham filiação ao CRM.

O discurso de incompetência dos cubanos tem um grande papel na construção ideológica que cerca a luta dos médicos contra o governo.  Mas vou arriscar uma análise que, para mim, aponta que essas afirmações apenas disfarçam as reais razões do incômodo. 

Tudo começa com o Ato Médico, com o qual os médicos pretendiam manter uma importante e significativa reserva de mercado – seu interesse corporativo foi ameaçado quando o governo decidiu respeitar as especificidades das demais profissões da saúde e garantiu a autonomia de cada uma delas.

Mas o problema com o Mais Médicos não me parece ser a vinda de médicos estrangeiros, especialmente cubanos. O programa altera a grade curricular da formação em medicina, possibilita uma maior participação em residências na atenção básica e no SUS e direciona os formados para atuação nessa área. Relacionado a isso, o fato de que os médicos do programa atuam na atenção básica.  

O impacto disso é notório. Semanas atrás,  o ministério da Saúde divulgou números mostrando, como exemplo, que o Mais Médicos possibilitou na região de Bauru, em São Paulo, uma redução em 95% do encaminhamento de pacientes para a atenção especializada no SUS. De um ano para outro. Com uma melhor atenção básica a consequência natural parece ser uma menor procura por hospitais e especialistas – o que no fundo parece também ser uma ameaça contra os médicos especialistas.  Risco à reserva profissional de mercado.

Uma outra ameaça não declarada à reserva profissional de mercado dos médicos se dá na ampliação das vagas e cursos universitários de medicina. Se o déficit de profissionais – e sua má distribuição – é um problema para o gestor público (associado à força e dependência que o SUS sofre hoje das Cooperativas profissionais), é vantajoso para os médicos – lei da oferta e da procura. Com mais demanda que profissionais para supri-la, o serviço médico será vendido a um preço mais elevado do que se houver mais equilíbrio entre demanda de serviços e o número de profissionais capazes para atendê-la.

Como constructo ideológico da luta contra o governo, o discurso médico evidentemente omitirá tais elementos que o perpassam – a efetiva raiz de todos os males.