Passei o final de semana de carnaval longe de casa, mas não consegui me afastar por completo do futebol. E o que me atraiu mais atenção nesses dias foi a imagem do sueco Zlatan Ibrahimovic sem camisa, com os braços, peitoral e costas todos tatuados, ao marcar o gol que abriu o placar do empate em 2 a 2 entre o Paris Saint Germain – PSG – e o Caen, no sábado (14), pelo campeonato francês. Eram tantas que praticamente não se compreendia o que representava cada uma.
Um dia depois de causar muita discussão sobre como aquilo poderia ter acontecido – no fim do ano, em outra foto, Ibra contava apenas uma tatuagem no corpo – o artilheiro veio a público esclarecer que as figuras em seu corpo eram temporárias e foram feitas em apoio a uma campanha da ONU – Organização das Nações Unidas – contra a fome. Na verdade, Ibra havia tatuado os nomes de 50 pessoas que sofrem com o problema da fome e queria com aquilo chamar a atenção das autoridades mundiais.
Pois bem, nesse ponto aproveito para explanar a ideia excelente da ONU e de Ibrahimovic que estampou as capas de todos os principais sites do mundo. Ao se dispor em ser o porta-voz da campanha, o jogador fez uso de seu prestígio e da importância que o futebol possui do ponto de vista social. O futebol há muito tempo está enraizado profundamente na cultura de muitos países. Dos brasileiros nem se fala. É parte da identidade nacional. O esporte, sobretudo o futebol, é um palco perfeito para ecoar mensagens e causas das mais variadas. É uma maneira eficaz de manifestação.
Com a comemoração – inusitada para os dias de hoje – Ibra foi punido com um cartão amarelo, fato que foi criticado até por seu treinador. Ele está fora do próximo jogo do PSG devido a uma suspensão por ter acumulado três amarelos. E isso vem acontecendo sempre que algum jogador tenta sair do comum e usar o futebol como palanque para algo externo. A FIFA proíbe e coíbe com punições qualquer tipo de manifestação – seja política, religiosa ou mesmo que seja alguma mensagem voltada para boas causas. Não é de interesse da entidade mandatária ter seu nome- ou de algum parceiro – lembrado negativamente. A decisão de proibir as manifestações afeta o lado mais encantador do esporte, o de aglutinar multidões através das emoções do espetáculo.
O ex-jogador brasileiro, Sócrates, certa vez afirmou que os jogadores são nada mais do que representantes do povo. Aliás, o próprio Sócrates soube muito bem utilizar os campos como instrumento de mobilização social. No início dos anos 80, quando o Brasil reivindicava o voto direto para presidente, ele comandou a Democracia Corinthiana, movimento no qual decisões importantes como contratações, regras de concentração, direito ao consumo de bebidas alcoólicas em público, liberdade para expressar opiniões políticas e outros, eram decididas através do voto igualitário de seus membros. Do roupeiro ao presidente. O uniforme do Corínthians virou outdoor para a campanha das Diretas. Já na Copa de 1986, o Doutor, como era conhecido, a cada jogo entrava em campo com uma faixa na cabeça. Foi a forma que o jogador encontrou de manifestar suas preocupações. Umas das faixas trazia dizeres de apoio ao México, sede da Copa, que sofria com os efeitos de um terremoto. Nas outras, exibia palavras contra a fome, as guerras, o racismo e o imperialismo.
Mas a FIFA parece querer calar a voz do esporte que mais mexe com o povo. No futebol moderno é cada vez mais raro encontrar um jogador que tenha formação cultural para desempenhar papéis tais como Ibrahimovic e Sócrates fizeram. Muitos nem querem. Preferem viver a sombra das vantagens que o esporte lhes traz. Ainda tenho esperanças que exemplos assim não serão apenas lampejos do futebol lúdico de anos atrás. Mesmo que a FIFA não permita ou não deseje que seus personagens se manifestem, torço para que Ibra continue se punindo no jogo, agraciando o mundo com mensagens importantes para humanidade. Sem dúvida alguma, Zlatan Ibrahimovic também é um representante do povo.