Entenda como a diretoria do ABC aproveitou a negociação com Wallyson para agradar a torcida.
A diretoria do ABC começou a temporada animada. Felizes com a permanência sofrida na Segunda Divisão do campeonato nacional, trataram logo de convocar a imprensa esportiva para uma grande – e rápida – entrevista coletiva com meia dúzia diretores para expor as metas para 2015: ser campeão do Estado, subir para a Série A e comemorar os cem anos em grande estilo, quem sabe com um grande ídolo de volta.
O grande ídolo que os cartolas se referiam seria Wallyson, revelado pelo próprio Alvinegro em 2007, ano especial pro clube, o ano da “Volta por Cima”, como ficou conhecido o acesso à Segunda Divisão depois de algum tempo à mingua. Uma grande ideia, Wallyson seria o grande nome do ano do Centenário do ABC. Os diretores não mediriam esforços para trazê-lo para Natal.
Na mesma tarde, Seu Francisco, atento como nunca, daqueles torcedores que não perdem um treino sequer do ABC, comentou comigo que estava danado da vida com o tal do empresário de Wallyson. Seu Escadinha – apelido que ganhou dos irmãos mais velhos, por ser o último da lista de dez irmãos nascidos em anos consecutivos – tinha certeza de que o menino queria ficar e jogar o ano do centenário no ABC. “O presidente foi até na praia entregar a proposta ao menino. Foi o sacana do empresário que barrou”. Segundo Seu Escadinha, aqui o menino teria um bom salário, estaria perto da família, teria a visibilidade da Segunda Divisão, seria mais feliz. “Ele não ficou porque não deixaram. Aquele safado merece uma pisa de cinta de couro pra aprender”.
Tentei em vão convencê-lo do contrário. Os empresários investiram em Wallyson e querem retorno no negócio. Nada mais justo. Mas torcedor fica “meio cego”, se é que existe cego pela metade, quando discute sobre o time do coração. Seu Escadinha insistia que em Natal ele seria mais feliz do que ir para o “Time do Papa” – ele se referia ao San Lorenzo/ARG, interessado em contratar Wallyson. Ele lembrou de Alberi em 1972, que ganhou a Bola da Prata da Placar como melhor meia do ano e mesmo assim continuou no ABC.
A proposta do ABC girava em torno de R$ 80 mil de salário, somados a ganhos com um possível aumento do número de sócios. Porém, o contrato teria validade de apenas cinco meses. Ele jogaria o Campeonato Estadual e depois haveria a possibilidade de renovar e jogar a Segunda Divisão. Só que nada garantia emprego ao menino após os cinco primeiros meses. O menino assinaria um contrato de risco.
Além disso, Wallyson foi comprado por um grupo de investidores por R$ 3 milhões. Dinheiro pra dedéu. Seu contrato com o grupo dura apenas mais um ano e a intenção dos compradores é conseguir negociá-lo e consequentemente recuperar o valor investido. Ficar em Natal, jogar o Campeonato Potiguar e a Segunda Divisão não seriam vitrines atrativas. Wallyson poderia marcar mil gols no ano e ainda assim não seria valorizado a ponto de ser negociado posteriormente. O futebol atual virou negócio. Wallyson é um produto e precisa ser valorizado. Pagaram caro pelo menino e agora querem fazer valer o investimento.
Infelizmente Wallyson não vai jogar no ABC, tem propostas da China, da Argentina e do Coritiba/PR. Já a diretoria do ABC alcançou seu objetivo, que era fazer barulho, mesmo sabendo desde sempre que o negócio não daria certo. O menino de Seu Escadinha é mesmo um produto valioso do futebol, foi usado como ferramenta de marketing.