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Diversidade Religiosa em Tempos de Intolerância

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Por Emanuel Palhano – Advogado do Centro de Referência em Direitos Humanos (CRDH/UFRN)

 

Sendo o Brasil um Estado laico, o direito de culto se encontra assegurado a todos. A Constituição Federal prega o direito de livre manifestação de fé e a legislação ordinária prevê medidas punitivas para aqueles que violarem os cultos ou mesmo instrumentos considerados como litúrgicos por alguma religião.

Não obstante a clareza dos textos legais sobre esse tema, a realidade ora observada no Brasil aponta uma situação bem adversa, evidenciando rotineiras práticas de intolerância religiosa e preconceitos advindos de fundamentalismo religioso. Por ser um país colonizado por europeus, praticantes do catolicismo, habitado pelos índios que aqui cultuavam suas divindades e, tendo escravizado os africanos, os quais aportaram em terras brasileiras com suas divindades, têm – se um cenário no mínimo diverso, em que deuses e práticas religiosas se encontraram.

Infelizmente, o encontro de tais divindades foi pautado na força do colonizador, que com sua mão de imposição, fez prevalecer o texto judaico-cristão, oprimindo negros e índios, assim como as suas práticas e cultos religiosos. Tupã e Oxalá, a título de exemplo, só chegaram ao século XXI por força de muita resistência, pelo sincretismo religioso, em que se mascarou outros cultos sob o pálio dos santos católicos, por força da fé daqueles que acreditavam em um universo divino diferente do promovido pela Igreja Católica.

O que deveria ser um fato isolado no passado histórico, haja vista os tempos de consciência e liberdade ora vividos, lamentavelmente prevalece até os dias de hoje. Com a profusão de igrejas e seitas promovendo um culto cristão intolerante e fundamentalista, a perseguição contra outros segmentos religiosos é uma realidade latente na sociedade brasileira, que não aprendeu a respeitar a diversidade cultural e religiosa oriunda da formação do Brasil e do seu povo. Não há respeito para com as manifestações religiosas dos índios. Seus cultos e práticas não são reconhecidos como religião. Suas aldeias são invadidas por “missionários” que impõem uma religião e um deus que lhes é totalmente estranho.

Quanto às religiões de matriz africana, como o Candomblé e a Umbanda, melhor sorte não lhes assiste: são ferrenhamente perseguidas, demonizadas, seus fiéis sofrem violações de toda natureza, ao ponto de precisar mascarar todos os elementos de culto, vestimentas e objetos litúrgicos, para não serem agredidos nas ruas, nos ambientes de trabalho e mesmo nos espaços laicos, como escolas e universidades públicas.

As Casas de Santo, templos de Candomblé e Umbanda, sofrem ataques a todo tempo. Há inúmeros relatos sobre invasões aos espaços considerados como sagrado, com quebras de objetos de culto, surras de bíblia nos sacerdotes, apreensão de atabaques pela polícia sem ordem judicial, etc. Tem-se notícias, inclusive, de que traficantes do Rio de Janeiro, recém-convertidos à igrejas fundamentalistas, determinam o fechamento dos referidos templos, mediante a inércia total do Estado.

Em meio a esse lastimável contexto, comemora-se na data de hoje, 21 de janeiro, o Dia Mundial da Religião e o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa.  É um momento propício para se refletir acerca do respeito à religião do outro, à livre manifestação de fé, bem como o reconhecimento da cultura, tradição e fé de outros povos.

Os poderes públicos, através dos seus representantes, não podem permanecer inertes em meio ao contexto religioso vivenciado no Brasil. É preciso que a cidadania que se busca promover nesse país, seja capaz de reconhecer a diversidade religiosa existente e latente, dentre tantos outros objetivos, para que se possa ter um país efetivamente laico, respeitando-se a liberdade de culto e de fé de todos os seus cidadãos.