As manifestas intenções de Ricardo Berzoini, novo ministro das Comunicações, em promover a regulamentação econômica da mídia causaram furor tanto na grande imprensa comercial como no Congresso Nacional, onde seis partidos – PSDB, PMDB, DEM, PTB, PSB e PPS -, por meio de suas lideranças, comprometeram-se de pronto a barrar qualquer iniciativa nesse sentido.
Evocando os direitos à liberdade de imprensa e de expressão, nomes como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e Aloysio Nunes (PSDB-SP) denunciaram a suposta censura consubstanciada na “bolivariana” tentativa de amordaçar a livre imprensa do país, tese acolhida com entusiasmo por nossa imprensa hegemônica.
Nessa esteira, emblemáticas são as palavras do vice-presidente Michel Temer, que há seis meses afirmou: “Não acho que se deva alterar aquilo que esteja previsto na Constituição. Porque, se de um lado ela garante a livre expressão, especialmente da imprensa, ela adota também o princípio da responsabilidade”.
É exatamente aí onde está o problema.
O capítulo V da Constituição, que trata da Comunicação Social, até hoje, vinte e seis anos após sua promulgação, não possui qualquer legislação infraconstitucional que lhe confira normatividade, situação que o rebaixa à condição de mero artifício decorativo, desrespeitado sem qualquer pudor pela grande mídia comercial.
A questão, portanto, não está em alterar a Constituição, mas em conferir eficácia a todo um capítulo constitucional que, com exceção de seu art. 222 – que, convenientemente, regulamenta a participação do capital estrangeiro nas concessionárias -, vem sendo completamente ignorado, omissão que possibilita que o mercado, e não o povo por meio de seus representantes no Parlamento, é quem paute as regras para a utilização de concessões públicas de rádio e TV.
Livre-mercado?
A Constituição, em seu art. 220, §5º, expressa com categoria que os meios de comunicação social não podem, direta ou indiretamente, ser objeto de monopólio ou oligopólio. Trata-se exatamente da situação na qual se encontra hoje o regime de concessões do país, onde poucas famílias oligopolizam, sem quaisquer limitações, o uso do sinal – público – de radiodifusão em proveito tão somente de seus interesses empresariais, tachando categoricamente de censura a legítima regulamentação de um capítulo constitucional.
Ainda, o Planalto peca em procurar instaurar a regulamentação tão somente na seara econômica se considerarmos que o conteúdo das programações também deve ser objeto de limitações e controle, conforme os princípios trazidos pelo art. 221 de nossa lei maior: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação, regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei e respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Outro motivo que certamente impulsiona tamanha oposição a qualquer espécie de regulamentação da mídia comercial está no artigo 54, I, “a” também da Constituição, que coloca que deputados e senadores não poderão, desde a expedição do diploma, firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. Assim, endossar um novo marco regulatório seria legislar em desfavor próprio, uma vez que amplas parcelas do Congresso Nacional – em especial do PMDB – gozam de contratos de concessões de rádio e TV há aproximadamente três décadas, período em que Antônio Carlos Magalhães, então ministro das Comunicações, distribuiu concessões em troca da aprovação de certas matérias junto à Assembleia Constituinte.[1]
Censura e regulamentação
Luís Roberto Barroso[2] define censura como a submissão à deliberação de outrem do conteúdo de uma manifestação do pensamento como condição prévia da sua veiculação. Portanto, a regulamentação – comercial e de conteúdo – dos meios de comunicação conforme parâmetros constitucionais prévios e existentes há quase três décadas jamais poderia ser considerada censura, como assim demonstram as experiências dos “bolivarianos” EUA, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Suécia, Reino Unido, Argentina e demais países que assumiram o compromisso político de colocar limites onde não havia.
O controle, a fiscalização e a regulação da mídia se tratam, se considerarmos os conceitos de “liberdade civil” e “liberdade natural” de Rousseau, da mais concreta expressão da liberdade em democracias verdadeiramente maduras, inclusive para debater sobre o tema sem precisar lançar mão de sofismas infantis que nada contribuem para seu desenvolvimento.
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[1] MOTTER, Paulino. A batalha invisível da Constituinte: interesses privados versus caráter público radiodifusão no Brasil. 2004. Dissertação (Mestrado em Ciência Política e Relações Internacionais) – Departamento de Ciência Política e Relações Internacionais, da Universidade de Brasília, Brasília.
[2]BARROSO, Luís Roberto. “Liberdade de Expressão, Censura e Controle da Programação de Televisão na Constituição de 1988”. In Temas de Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 347.