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O combate ao fanatismo religioso islâmico não é Islamofobia!

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Por  Alipio de Sousa (Professor da UFRN. Doutor em sociologia pela Sorbonne-Paris V.)

 O assassinato dos cartunistas e jornalistas do Charlie Hebdo, em Paris, por terroristas mulçumanos, merece uma reflexão sem medo.  E sem tergiversações.

veuAlguns analistas insistem em dizer que o fundamentalismo existente entre boa parte dos islâmicos e as suas ações violentas e atos terroristas são uma “reação” ao modo como o Ocidente os trata.  Vítimas da discriminação e da marginalização a que estariam submetidos nas sociedades europeias, os atos de mulçumanos fundamentalistas e fanáticos seriam apenas uma “resposta” ao sentimento de rechaço que experimentariam na convivência com europeus ou gente de outras partes do mundo. Tal compreensão exclui a análise de um dado importante e sem o qual o entendimento do problema fica distorcido. E não somente: a análise termina por esconder que são diversos os países no mundo hoje, incluindo o Brasil, que estão ameaçados por fundamentalismos religiosos retrógrados, alguns que são verdadeiro trabalho de fanáticos que se querem representantes de deidades (… do obscurantismo e do atraso).

Ainda que seja verdade que alguma xenofobia alimente ódios recíprocos em diversos países, o caso do islamismo fundamentalista e sua corrente de fanáticos se sustenta em algo específico que é intrínseco às convicções particulares de seus praticantes. E que fique claro: não se trata de atribuir ao islamismo como tal essas convicções, mas de constatar as que são próprias a essas correntes que agem em nome dele. Na Europa hoje, mas também fora dela, antes de qualquer chamada “islamofobia”, o que há é uma reação legítima (que não pode ser, simploriamente, atribuída à extrema-direita ou à direita, como se apenas esses segmentos se manifestassem…) a um conjunto de crenças próprias a esses agrupamentos, que falam em nome do Corão, de Alá e do Islã (ainda que não os represente de fato, e ainda toda a dose de delírio que há nas crenças religiosas…), que são como tais a gênese e a causa de suas ações terroristas e violentas, e igualmente de seus comportamentos dogmáticos e autoritários nas relações cotidianas com aqueles que não são muçulmanos. Atribuir suas ações e reações a processos e dinâmicas históricas e sociais, no continente europeu e em outras partes, que envolveriam relações conflituosas entre mulçumanos e cristãos ou judeus, como se líderes e grupos fanáticos do islamismo fundamentalista fossem meras vítimas, é contribuir com as mentiras e violências perpetradas por esses mesmos líderes e grupos, hoje espalhados no mundo inteiro.

images (7)  Muito do que existe como islamismo no mundo hoje é puro pensamento obscurantista e retrógado.  Como ocorre com outras vertentes religiosas no mundo, o que não é obscurantismo e atraso é parcela pouca. No caso do islamismo, quando convertido em regimes políticos e sociais, este tem se tornado a fonte de totalitarismos intoleráveis. Para poucos exemplos, a Europa e os europeus não podem ser responsabilizados pelos atos e políticas conduzidas em países como Irã, na relação com seus próprios habitantes, submetidos a toda ordem de violências em nome das crenças religiosas islâmicas. No país do poder dos aiatolás, os homossexuais são obrigados à cirurgia de mudança de sexo porque ali a homossexualidade não é admitida como uma variante da sexualidade humana. No Irã, o Estado teocrático obriga e financia a cirurgia. Não se pode culpar “marginalização” ou “discriminação” de outras culturas ou povos, como impostas aos iranianos, para tal absurdo. São suas próprias crenças obscurantistas, propagadas como fidelidade ao islamismo, que são o fundamento de tal atentado aos direitos humanos de gays e lésbicas naquele país. Na Nigéria, a ação do Boko Haram, que sequestrou centenas de meninas, transformando-as em escravas sexuais e, mais recentemente, sequestrou meninos para convertê-los em soldados de Alá, impondo à população local um estado permanente de terror, não pode ser atribuída a nenhuma convivência conflitiva com países ocidentais. São as próprias convicções dessa facção de fanáticos que os conduzem a fazer o que fazem. Igualmente, o que hoje praticam os criadores do chamado Estado Islâmico, no norte do Iraque e sul da Síria, contra a própria população muçulmana, não é “resposta” ao Ocidente. O que fazem é por convicção religiosa fundamentalista, contrária a toda ideia de liberdade, direitos humanos, democracia. Proibiram a população, a eles submetida, de ver TV, fazer festas, ter qualquer prazer, e praticam também o sequestro de mulheres para convertê-las em escravas sexuais. No Iêmen, na Arábia Saudita, entre outros exemplos, “polícias dos costumes” saem às ruas para vigiar e punir comportamentos “inadequados”, que ferem a moral do Islã.

O que o Ocidente (burguês, capitalista e cristão) tem a ver com tudo isso? Esses países citados e tantos outros, de orientação religiosa similar, são autônomos dentro de suas fronteiras e, sem interferências de nenhum outro, mantêm regimes retrógrados e totalitários, baseados em crenças religiosas fundamentalistas que são somente suas, de livre criação e manutenção. O chamado Ocidente (uma generalidade imperfeita!) produziu uma complexa história de relações com outros povos, história também pautada e pontuada de violência, exploração, dominação. Mas também deu gigantescos passos na direção da emancipação humana. É fazer a política do algoz creditar a ocidentais a razão de atitudes de fanáticos cujos pensamentos e práticas têm origem em suas próprias disparatadas crenças ou delírios, alimentados como “revelações”, “verdades divinas”, e levados a efeito por agrupamentos violentos como alternativas de vida ao “estilo pecaminoso do Ocidente”. Para os fanáticos fundamentalistas do islamismo, assim como para os nossos evangélicos fanáticos fundamentalistas de certas igrejas neopentecostais, nossos pecados são a emancipação sexual, a liberdade das mulheres, a dignificação da existência gay, o Estado laico, a liberdade de expressão e a própria liberdade de crença religiosa (aliás, que é ameaçada nos regimes dos fanáticos fundamentalistas).

É contra as ameaças a essas conquistas emancipatórias e civilizatórias que lutam todos aqueles que denunciam e enfrentam os fundamentalismos e fanatismos religiosos de todos os matizes. A ofensiva agora é contra o islamismo fundamentalista e terrorista! E isso não é islamofobia! O resto é perigosa tergiversação ou culturalismo e relativismo mal fundamentados!