Por Ivenio Hermes[1]
Publicado originalmente no Portal BO via http://on.fb.me/1DDQ3yA
Nos últimos dias as estatísticas vem assustando o povo norte-rio-grandense. Os números variam de tema abordando economia, investimentos, arrecadações, e outros, porém, um assunto preocupa mais que os outros, e não somente a população, mas a sociedade civil organizada, as empresas e os órgãos da segurança pública: homicídios.
O termo homicídio é utilizado pelo senso comum e pela imprensa como forma de unificar os números das mortes matadas, mas CVLI, Crime Violento Letal Intencional, é o termo usado por pesquisadores e até a Secretária Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, que em conjunto com o Conselho Estadual de Direitos Humanos, o Ministério Público, a OAB, a Controladoria de Polícia, e outros, elaborou um documento que dispõe sobre o termo e esse documento que deve ser publicado ainda este ano, apresenta o seguinte (grifo nosso):
Art. 1° Para fins de cômputo do Crime Violento Letal e Intencional (CVLI) a ser utilizado doravante no Rio Grande do Norte serão entendidos como sendo toda ação humana que visa a atingir fisicamente a outro, produzindo morte como resultado final imediato ou posterior em decorrência da natureza do ferimento causado. Portanto, estão incluídos todos os crimes ou condutas análogas que tenham sido cometidos de forma violenta e intencional, determinantes do resultado morte (…)
As estatísticas realizadas pela Sesed e por qualquer outro órgão de pesquisa apresentarão números idênticos? Infelizmente não. O que pode provocar essa diferença são as fontes de dados, pois a maioria das pesquisas utiliza apenas uma fonte de dados para evitar erros ou trabalhos que requeiram mais trabalho, pois a adoção de mais de uma fonte torna imperativa a análise dos dados, utilizando pontos de vistas técnicos de acordo com a exigência da comparação das fontes adotadas.
Um dado é bem perceptível nas divulgações: os assassinatos aumentaram.
Com os assassinatos desse final de semana (12-14/12) o Rio Grande do Norte chega a 1686 pessoas assassinadas no RN desde primeiro de janeiro desse ano, e a despeito de qualquer esforço que faça, algumas verdades insofismáveis, dentre elas a de que as ausências de investimentos, de planejamento estratégico e de ações planejadas desde o início da Administração Ciarlini, resultam atualmente nos pequenos resultados das ações de combate à violência.
Nesses últimos meses, a Sesed até que vem tentando recompor o ânimo nas ações das polícias estaduais e do ITEP, inclusive em operações integradas, mas sem verbas específicas para a segurança, não podem trazer soluções duradouras. A segurança pública potiguar se assemelha a um prédio desmoronado onde se tenta salvar um ambiente, mas ao se retirar escoras essenciais de um local para tentar salvar outro, provoca-se o desabamento do primeiro.
Distanciando os olhares da violência que se endemiza no oeste, observemos 4 cidades da Região Metropolitana, cujos bairros periféricos, limites municipais, estradas carroçáveis não mapeadas, rios, mangues e terrenos baldios, que junto a outras características, facilitam a prática homicida. São elas, Natal, Macaíba, Parnamirim e São Gonçalo do Amarante, que nessa ordem, ocupam as quatro primeiras posições dentre as mais violentas da RMT.
As quatro cidades juntas foram palco de 831 dos 1.686 assassinatos ocorridos no estado em 2014, ou seja, 49,28% dos crimes violentos letais intencionais.
Entre os anos 2011 e 2014, esses municípios tem experimentado ondas de insegurança geralmente indexadas à violência homicida.
Do infográfico acima podemos entender que houve significativo crescimento de feminicídios em São Gonçalo do Amarante, não sendo registrados assassinatos dentre a população feminina em 2013. Natal tem apresentado um crescimento gradual acumulando 210% de elevação no quadriênio. A súbita elevação em Parnamirim em 2013 e da mesma forma a diminuição em 2014 é algo que pode ser atribuído ao aumento de corpos encontrados nos terrenos propícios nos municípios vizinhos. E Macaíba vem se mantendo constante sem expressivas alterações.
O índice de elevação nos feminicídios considerando as 4 cidades ficou em 44,83%[2].
A população jovem também vem sofrendo alterações no fluxo que demonstra a letalidade da violência que sofre. Adotando o recorte que representa a faixa etária de jovens entre 15 e 24 anos, temos Macaíba com 53% de elevação, Natal com 33%, Parnamirim com 56% e São Gonçalo do Amarante com 52%, ou seja, houve elevação nos assassinatos de jovens nas cidades observadas.
Dos 2.825 crimes violentos letais intencionais ocorridos no período pesquisado nas quatro cidades, o número de assassinatos de jovens correspondeu a 45%, ou seja, 1.271 assassinatos[3].
Nesses seguimentos estudados, ou seja, feminicídios e assassinato de jovens[4], deve ser ressaltado que 160 vítimas ficaram sem suas idades identificadas, o que certamente demonstra o grau de subnotificações de faixa etária em todo o estado do Rio Grande do Norte.
Ainda é cedo
As informações disponíveis são mais do que suficientes para sabermos que o crime violento letal intencional recrudesceu e a sanha homicida ainda levará algum tempo para ser freada. Nesse final de semana, não tão violento, quanto o anterior, pelo menos 10 pessoas foram vítimas de assassinatos e sete outras feridas em tentativas de homicídio ou por seus efeitos, como balas perdidas, erro de tipo, tentativa de latrocínio, confrontos, reação cidadã e outros.
A violência recrudescente é um dos resultados desses quatro anos de esquecimento em que a segurança pública dos moradores do Rio Grande do Norte foi imersa. Os 41% de aumento na amostragem desse estudo é um dado pequeno para acompanhar a evolução do mapa da violência potiguar, mas já traz revelações sobre o que ainda enfrentaremos.
A chancela de indício de ilícito na vítima tem sido uma desculpa para não investigar, e inúmeras vítimas não terão suas mortes levadas à luz da justiça, pois cairão no fosso da falta de recursos, problema com os quais a Polícia Civil e o ITEP vem lidando há tanto tempo.
Poucas provas são produzidas, poucos crimes são solucionados, pouca justiça é feita… Mas precisamos comemorar cada cidade onde a violência homicida diminui, cada pequena esperança de sucesso, cada ação que nos motive a continuar na busca pela paz que, ainda cremos ser possível.
Precisamos deter o ciclo da violência, da vingança, da rixa, das discussões efêmeras…
Precisamos de paz.
[1] Ivenio Hermes é um humanista, pós graduado em Gestão e Políticas Públicas de Segurança, Gestão de Operações Especiais, possui 10 livros publicados, ganhador do prêmio literário Tancredo Neves, pesquisador da Violência Homicida para o Conselho Estadual de Direitos Humanos e da Cidadania, colaborador e associado pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, consultor de segurança pública da OAB/RN Mossoró, e publica artigos com ênfase na área de criminologia, direitos humanos, direito e ensino policial.
[2]Fórmula polinomial utilizada para o índice de feminicídios y = -9,6667×3 + 72×2 – 148,33x + 118
[3] Importante: Foram 1.777 jovens na idade até 29 anos de idade, perfazendo 63% do total de homicídios.
[4] Outras imagens desse estudo estão disponíveis em http://on.fb.me/1DDQ3yA