Search
Close this search box.

Maioridade penal: ignorância e fascismo

Compartilhar conteúdo:

Sempre quando vem a tona a proposta de redução da maioridade penal, algumas questões nos chamam bastante atenção e merecem ser discutidas. Como, por exemplo,  o fascismo e a ignorância de seus defensores, que são aqueles quer querem a todo custo soluções imediatas (mesmo que violentas) e não conseguem estabelecer outros pontos de reflexão da conjuntura social que não seja exclusivamente criminal e punitivo.

Em tempos de assustadora violência urbana é absolutamente compreensível que a sociedade fique alarmada e ávida por soluções. As políticas públicas não efetivadas, deixando uma grande lacuna ser preenchida pelo discurso sensacionalista e fascista que promete soluções “práticas” e de curto prazo com relação a criminalidade: pois quando o processo educacional falha abre-se  espaço para o discurso policial e punitivo tão difundido entre a população.

Vamos direto ao assunto: caso fosse aprovada a proposta de maioridade penal (em uma sociedade em que a justiça é falha e poder de capital é determinante para seu acesso), será que seriam também encarcerados jovens infratores de classe média alta, acompanhados de bons advogados? Será que apenas encarcerar menores infratores nas masmorras medievais junto com adultos resolveria o problema da criminalidade?

Importante refletir que a adolescência é um período específico de desenvolvimento psicossocial do ser humano e que já existem medidas sócio-educativas que não são aplicadas pela falência das políticas públicas e descaso das autoridades com o tema. Os defensores da maioridade penal (mesmo “esclarecidos” e “escolarizados”) não querem saber desta informação e apenas desejam combater violência com mais violência e o estabelecimento do “olho por olho e dente por dente”.

Os números, hábitos e atitudes da sociedade contemporânea mostram que nosso país menospreza a educação. O acesso aos bens de consumo e poder de compra são mais valorizados do que a formação ética e cidadã de nossos jovens e crianças. Por isso encontramos em lugares públicos pessoas “sofisticadas” mas com comportamento pouco civilizado e patologicamente narcísico: “Tenho dinheiro e por isso serei respeitado!”, diz o lacaio desfilando no shopping.

Pior: sem medir consequências. A população carcerária brasileira é a terceira maior do mundo (perdendo apenas para China e Estados Unidos). Lamentável que em meio à históricas desigualdades, concentração de renda, terra e poder, o projeto social de alguns setores seja o de construir mais presídios (que tem caráter punitivo apenas) para encarcerar os seus “dejetos” sociais.

A “Lei do Talião” é defendida por uma parcela de nossa sociedade que se nega a civilizar-se, da mesma forma que a Lei Áurea e as políticas afirmativas não foram bem aceitas pelos mesmos. São aqueles que desejam que prevaleça o “quem tem mais pode mais”, não querem saber de cidadania (direitos e deveres) apenas de privilégios. Ignoram as diferenças, estabelecem preconceitos e estereótipos que fortalecem suas representações no imaginário popular.

Triste saber que para discutir e decidir tema tão delicado, a população tenha que contar com seus “representantes” no congresso: mafiosos do futebol, coronéis, oligarcas, bancada evangélica (difusores de intolerância), marionetes de banqueiros, empresários, empreiteiros, da indústria bélica, farmacêutica, das corporações midiáticas, da segurança privadas e de todos os outros segmentos provedores de capital que patrocinam a “festa da democracia”. Ainda alguns parcos “revolucionários” e quixotescos que logo são varridos, ridicularizados e despotencializados em seus projetos realmente populares e trabalhistas.

8a888      O lacaio apresentador (disfarçado de defensor dos interesses do povo) do programa policial sabe explorar a ignorância (baixa capacidade de reflexão) e clamor popular por soluções imediatas. Exibindo crimes atrozes apenas pelo olhar policialesco, transformando a tragédia humana em números de audiência para alegria de seus patrocinadores. Desespero e desinformação que vão fomentando o discurso da barbárie, como por exemplo, o explícito apoio aos linchamentos (você já viu algum bandido da classe média ser linchado?).

Outra questão importante do campo da representação: seus apresentadores e a exposição sensacionalistas induzem a população a acreditar numa “determinismo” genético, étnico e social para prática de determinados crimes. Fomentando uma poderosa cristalização de estigmas, estereótipos e preconceitos dos mais comuns. Certa feita, uma apresentadora disse em rede nacional: “Esse tem cara de bandido!”.

Estes mesmos sabujos não estão preocupados em informar a população o fato de a justiça considerar o crime de corrução como um crime menor (“Não usou arma, não ameaçou tirar a vida”…assim diz o juiz “neutro” e “imparcial”). E nem dizer qual a parcela da população que está mais vulnerável a entrar para o mundo do crime.

A criminalidade adolescente é a ponta do iceberg, apenas denuncia um problema maior. O problema central é este projeto e modelo de sociedade predatório, em que prevalece o poder e capacidade consumo em detrimento da cidadania. Os crimes cometidos por jovens representam apenas uma parte de um todo que os ignorantes negam-se a reconhecer e os fascistas tentam esconder.

A mesma sociedade que dá respaldo ao discurso de mais presídios e armas é a mesma que é menospreza as ferramentas educacionais, éticas e humanitárias. É a mesma que promove intensas ofertas de gozo para os adolescentes, vivenciar seus prazeres (direitos) sem limites, sem estimular-lhes, através de exemplos, a RESPONSABILIDADE (deveres) sobre si e arcar com as consequências de seus atos.

Nossa abordagem pode ser ampliada pelo olhar psicanalítico, em que se sugere ensinar aos adolescentes a consciência de suas pulsões, ansiedades e desejos latentes. Para que consigam domá-los e construir limites próprios, necessitaram de adultos (autoridades afetivas) que sejam exemplos éticos e modelares. Quem serão estes adultos? O executivo chique que se faz presente apenas financeiramente? A mãe histérica que só pensa em ficar linda? O pai machão, alcóolatra e de comportamento explosivo? A escola que diz que sua prioridade é a preparação para boas notas e vestibular? E ainda não querem arcar com jovens infratores?

Antes de pensarmos em redução da maior idade penal é preciso trazer à tona a infância roubada, o trabalho infantil, o tão comum despreparo de pais e mães que não assumem a responsabilidade pela educação e formação de seus filhos. A prioritária e fundamental parceria entre escola e família que pode servir como uma das mais importantes ferramentas para o desenvolvimento de infância/adolescência rumo a construção de vida adulta equilibrada. Não são alternativas práticas e objetivas, mas que estão em consonância com projeto de sociedade formadora de cidadãos aptos para vida em coletividade.

Lamentável constatarmos que mesmo com todo avanço tecnológico e melhor capacidade de consumo, a sociedade continua carregando fortes resquícios dos tempos coloniais. E que fascistas (inclusive candidato a presidente que tem em seu partido um famoso sociólogo de verborragia decorativa) aproveitam como podem da ignorância da população para fomentar suas lógicas de exclusão, coisificação e encarceramento (muito bem disfarçados de interesses do povo).