UFRN e Ditadura Militar: Revogar os Títulos de Doutor Honoris Causa de Ditadores e Colaboradores da Ditadura Militar
A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) através da sua comunidade acadêmica e, sobretudo, do seu Conselho Deliberativo (Consuni) tem uma imprescindível oportunidade para provar e fortalecer o seu comprometimento com os valores democráticos e a defesa dos Direitos Humanos. Trata-se de promover a discussão e incluir a deliberação, nas instâncias competentes da universidade, acerca da revogação dos títulos de Doutor Honoris Causa dado ao Marechal Castello Branco e ao General Emílio Garrastazu Médici, presidentes do Brasil durante a Ditadura Militar, assim como a outros representantes e colaboradores da Ditadura.
Durante a vigência da Ditadura Militar no Brasil, as universidades brasileiras foram, dentre as instituições essenciais para uma democracia, uma das que mais sofreram ações repressivas: invasões, censura, aposentadorias e demissões forçadas, contratos barrados de professores, expulsão de estudantes, vigilância, imposição de decretos, de conteúdos e disciplinas, entre outras medidas. A universidade brasileira e, especialmente, a ideia de universidade, amargou nesses turvos anos de chumbo os seus mais duros golpes e tristes momentos, com consequências inclusive no desenvolvimento científico de determinadas disciplinas, como o caso da Sociologia, cuja Ditadura Militar interrompeu um franco processo de amadurecimento científico e de crescimento da relevância e prestígio público da ciência da sociedade no Brasil. Portanto, quando se trata de questões relativas ao período e às consequências da Ditadura não cabe à comunidade acadêmica tergiversar ou recear sobre que postura adotar. Afinal, as honrarias em menção foram outorgadas num período em que a participação da comunidade universitária era extremamente restrita ou mesmo inexistente, portanto, sem a devida participação democrática dos diversos segmentos integrantes da universidade.
A referência ao passado deveria ser suficiente para que as universidades, de maneira crítica e sistemática, se dedicassem a expurgar por completo os resquícios da Ditadura, tanto nos aspectos materiais quanto simbólicos da instituição. Nesse sentido, a retirada irrestrita dos títulos acadêmicos honoríficos, como o Doutor Honoris Causa, dado às “personalidades” da Ditadura Militar, é uma tarefa irrecusável a ser levada a cabo. Isto porque as heranças do autoritarismo oficial não são meras sombras do passado, elas se fincam no presente e se projetam no futuro, manchando e colocando em xeque o compromisso civilizatório da universidade com a democracia e com a autonomia e as liberdades individuais.
A universidade tem um importante papel institucional e civilizatório a desempenhar para finalizar de fato a Ditadura. Um papel a ser levado a termo especialmente no plano da cultura e da esfera pública da sociedade brasileira com o intuito de concretizar a “derrota simbólica” da Ditadura e de seus apóstolos do presente, isto é, infligir a derrota no campo das representações e consensos sociais. Para tal, antes de mais nada, é preciso, primeiro, mudanças e atitudes internas da universidade dirigidas exatamente contra o seu passado recente. Promover verdadeiros gestos políticos e simbólicos por meio dos quais a universidade possa retomar a história e a sua autonomia em suas próprias mãos, desfazendo a submissão vergonhosa que os poderes de então infligiram à universidade.
Nesse sentido, a revogação dos títulos de doutor honoris causa reveste-se, a um só tempo, de uma atitude de reafirmação da condenação moral dos representantes e agentes do autoritarismo da Ditadura Militar, a qual cabe a universidade sustentar e insistir veementemente, e, por outro lado, assume também a indispensável atitude crítica de superação da cultura da conciliação e negação dos conflitos, traço histórico da cultura e da sociedade brasileira que a Ditadura Militar e seus aparelhos ideológicos agravaram sobremaneira.
Titubear ou, pior, conceber como uma questão menor a retirada dos títulos honoríficos significa reforçar esse padrão cultural, verdadeiro entrave para o aprofundamento democrático e o aprendizado moral coletivo. A comunidade acadêmica e os Conselhos Universitários da UFRN não devem fraquejar e se abster de discutir e retirar os títulos acadêmicos honoríficos outorgados a ditadores, milatares e seus colaboradores, pois tal gesto representaria, inevitavelmente, a conservação da legitimação e cumplicidade da universidade para com a perseverança e naturalidade dessa cultura de negação dos conflitos. E isto feito justamente pela instituição que mais deveria combatê-la. Afinal, a universidade, como ideal e instituição, desenvolve-se plenamente somente sob a condição de uma reflexão crítica incessante sobre a tradição e a persistência de seus poderes sobre as mentalidades.
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Abaixo, a lista de condecorados com Títulos e honrarias distintivas pela UFRN, a qual agradeço a professora Sandra Erickson pelo envio e ao estudante Juan de Assis Almeida pelo levantamento.
- Título de Doutor Honoris Causa ao Marechal Humberto de Alencar Castelo Branco – Presidente da República. Ata CONSUNI 2a extra -18/04/66 – fl s 109v.
- Título de Doutor Honoris Causa a Flávio Suplicy de Lacerda – Ministro da Educação no governo Castelo Branco. Resolução CONSUNI nº 041/1966.
- Título de Doutor Honoris Causa a Raymundo Moniz de Aragão – Ministro da Educação no governo Castelo Branco. Resolução CONSUNI nº 100/1968.
- Diploma de Doutor Honoris Causa a Tarso Dutra – Revisor do Ato Institucional nº 5. Resolução CONSUNI nº 005/1969.
- Medalha de Mérito Universitário ao Senador Jarbas Passarinho – Ministro da Educação. Proposta do Reitor Onofre Lopes. Resolução CONSUNI nº 054/1970.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande Conselheiro ao Senador Tarso Dutra. Resolução CONSUNI nº 018/1971.
- Título de Doutor Honoris Causa ao Senador Jarbas Passarinho. Resolução CONSUNI nº 012/1971.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande Conselheiro ao Senador Jarbas Passarinho. Proposta do Reitor Onofre Lopes. Resolução CONSUNI nº 007/1971.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande Conselheiro ao General de Brigada Carlos de Meira Mattos – Vice-chefe do Gabinete Militar do Governo Castelo Branco – Proposto pelo Reitor Genário Fonseca. Resolução CONSUNI nº052/ 1971.
- Título de Doutor Honoris Causa ao General Emílio Garrastazu Médici – Presidente da República. Proposta do Reitor Genário Fonseca. Resolução CONSUNI nº 047/1971.
- Medalha de Mérito Universitário ao Contra-Almirante Osório de Abreu Pereira Pinto. Proposta do Conselheiro José Nunes Cabral de Carvalho. 1972.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande conselheiro ao Coronel Confúcio Pamplona. Secretário Geral do Ministério de Educação. 1972.
- Medalha de Mérito Universitário ao Contra-Almirante Newton Braga de Faria. Comandante da Base Naval de Natal. Resolução CONSUNI nº 24/1973.
- Título Doutor Honoris Causa ao Coronel Confúcio Pamplona. Proposto pelo Reitor Genário Fonseca, Leide Morais, Domingos Gomes de Lima e Hélio Varela de Albuquerque. 1973.
- Título de Doutor Honoris Causa ao Senador João Calmon. Resolução CONSUNI nº 002/1973.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande conselheiro ao Coronel Júlio Ribeiro Gontijo – Secretário de Apoio do MEC. Proposto por Genário Fonseca, Leide Morais, Domingos Gomes de Lima e Zacheu Luiz Santos. 1973.
- Elege o General Emílio Garrastazu Médici como orador da turma única de formandos – Presidente da República. Resolução CONSUNI nº 86/1973.
- Medalha de Amigo da UFRN ao Capitão Dr. Kerginaldo Gomes Trigueira, Oficial do Exército. Proposta do Diretor do Museu Câmara Cascudo. 1974.
- Medalha de Mérito Universitário ao Brigadeiro Everaldo Breves. Comandante do CATRE. Proposta do Reitor Genário Fonseca. 1974.
- Elege como paraninfo da Solenidade Única de Colação de Grau o Senador Ney Aminthas de Barros Braga. Ministro da Educação do governo Geisel. Resolução CONSUNI nº 077/1974.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande Conselheiro ao Senador Ney Aminthas de Barros Braga. Resolução CONSUNI nº 075/1974.
- Medalha de Mérito Universitário, no grau de Grande Conselheiro ao Dr. Raimundo de Moura Brito. Ministro da Saúde do governo Castelo Branco. Resolução CONSUNI nº 048/1975.
- Diploma de Amigo da UFRN ao Coronel Edgar Ferreira Maranhão. Proposta do Reitor Domingos Gomes de Lima. 1976.
- Medalha de Mérito Universitário, no grau de Grande Conselheiro, ao Professor Euro Brandão. Ministro da Educação no governo Figueiredo. Resolução CONSUNI nº 016/1976.
- Título de Doutor Honoris Causa ao Senador Ney Braga. Ministro de Estado de Educação e Cultura. Resolução CONSUNI nº 038/1977.
- Medalha de Mérito Universitário no grau de Grande Conselheiro ao Dr. Paulo de Almeida Machado. Ministro da Saúde. Resolução CONSUNI nº 029/1977.
- Título de Doutor Honoris Causa ao Ministro José Américo de Almeida. Resolução CONSUNI nº 034/1978.
- Medalha de Amigo da Universidade ao Excelentíssimo Senhor Vice-Almirante Arthur Ricart da Costa. Resolução CONSUNI nº 015/1978.
- Medalha de Amigo da UFRN ao General de Brigada Waldyr Pereira da Rocha. Proposta do Reitor Domingos Gomes de Lima. 1979.
- Medalha de Amigo da UFRN ao Brigadeiro Luiz Portilho Antony. Proposta do Reitor Domingos Gomes de Lima. 1979.
- Medalha de Amigo da UFRN ao Contra-Almirante Milton Ribeiro de Carvalho. Proposta do Reitor Domingos Gomes de Lima. 1979.
- Título de Doutor Honoris Causa ao Jornalista Roberto Marinho. Dono da TV Globo e apoiador declarado do Golpe Militar de 1964. Resolução CONSUNI nº 060/1981.
- Medalha de Mérito Universitário no Grau de Oficial ao Coronel José Estevam Mosca. Resolução CONSUNI nº 55/1982.
- Título de Doutor Honoris Causa a Rubem Carlos Ludwig. Ministro da Educação. Resolução CONSUNI nº 018/1982.
- Medalha de Mérito Funcional ao Major Cleantho Homem de Siqueira. Resolução CONSUNI nº 16/1977.