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Jornalismo para além do diploma

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O tema da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalista voltou a entrar em pauta após a deliberação favorável do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional (CCS), em sua última reunião com a atual composição do colegiado, realizada nesta quarta-feira (06) que aprovou com um placar apertado (6 a 5) parecer favorável à obrigatoriedade do diploma para jornalistas. No último dia 02 de junho, por uma maioria de 7 votos a 5, a Comissão Temática da Liberdade de Expressão, do CCS, manifestou-se contrária à obrigatoriedade do diploma. A avaliação desse parecer será usada pelos senadores e deputados que discutirão a proposta em plenário.

Em 1969, quando o regime militar governava o país, a obrigatoriedade do diploma para profissionais da imprensa foi instituído através de decreto-lei pela junta militar. O objetivo era dificultar o trabalho jornalístico, seja através de empecilhos, ou de regulamentações via Ministério do Trabalho, já que a lei exigia para o exercício da profissão um “prévio registro no órgão regional competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social” que entre outras coisas exigia diploma de curso superior de jornalismo. Reconheçamos que a então junta militar que governava o país não era necessariamente afeita ao princípio de liberdade de expressão.

Em junho de 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) por ampla margem (8 votos contra 1) aprovou a revogação da exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, após a ação de inconstitucionalidade interposta pelo Ministério Público Federal (MPF), por entender que a obrigação do diploma atingia a liberdade de expressão, derrogando a antiga lei.

No entanto, já que o STF tem a competência para definir a constitucionalidade de uma lei, e isso já foi feito, foi proposta em agosto de 2010 a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 386/2009 que visa reestabelecer a obrigatoriedade do diploma de graduação em jornalismo para o exercício da profissão, entretanto a decisão do STF também cita o artigo 13 da Convenção Americana dos Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica e esse pacto não poderá ser modificado via PEC.

A proposta espera desde então para ser incluída na ordem do dia, após análise das comissões. Pelo texto da proposta o diploma não será exigido para aqueles que comprovarem o exercício da profissão de jornalista antes da data de promulgação, assim como para os colaboradores, sem vínculo empregatício, que produzem material especializado para algum veículo de informação. Ou seja, se você não tem o canudo você pode até dar pitaco, mas não pode receber regularmente por isso. Ou se você mora em uma comunidade carente e pretende abrir um jornal local, você terá necessariamente que “contratar” um jornalista.

Desde a revogação da obrigatoriedade não houve um decréscimo na contratação de profissionais formados em jornalismo pelas universidades. A exigência do diploma não irá coibir opiniões irresponsáveis no jornalismo, além de prejudicar a excelência dos cursos de graduação que serão procurados mais pelo certificado do que pelo conteúdo.

A história do jornalismo no Brasil foi construída por profissionais sem diploma de jornalismo, como Nelson Rodrigues, Paulo Francis, Millôr Fernandes, entre outros. A obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão não existe na maioria dos países democráticos, nem mesmo na França, país conhecido pelo excesso de regulação da mídia. O corporativismo das entidades representativas pretende nos tornar uma exceção no mundo democrático. A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) que tanto milita pela obrigatoriedade, deveria demonstrar o mesmo empenho para combater o monopólio das concessões públicas de rádio e televisão, que tanto cerceiam o trabalho jornalístico ao limitar a diversidade dos veículos de informação.

Jornalismo não é ciência, a análise dos fatos não é isenta de opiniões. O que irá caracterizar um bom jornalista é a sua visão de mundo, sua habilidade com as letras, sua capacidade em analisar e transmitir os acontecimentos. Isso depende muito mais do hábito da escrita, de vivências, leituras, experiências, do que necessariamente de um certificado.

O argumento de que a obrigatoriedade seria imprescindível para a prática de um ethos jornalístico, de um jornalismo “profissional” engajado na busca e transmissão da verdade é uma falácia. A imagem ou relato de um determinado acontecimento não é o acontecimento em si. A consideração de que o nosso mundo é feito por fatos é uma suposição. A redução do mundo aos fatos é uma invenção da modernidade. Um mundo de fatos é um mundo mecânico e artificial. Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, irá criticar o discurso de que as verdades científicas seriam isentas de juízos de valores morais, crenças, pressupostos ou convicções. Tudo o que atribuímos à realidade são interpretações, logo a própria ideia de verdade é tão somente a afirmação de um ponto de vista, de uma perspectiva, de uma interpretação da realidade, que de nenhum modo é mais “precisa” do que qualquer outra. A Verdade é uma criação, não uma descoberta.

A busca pela verdade é a busca pelo socialmente aceito. É uma adequação do indivíduo aos costumes e valores morais de um povo. Aqueles que se adequam ao consenso de um grupo social, isto é, àquilo que ele convenciona como sendo verdade. Portanto, um jornalismo que busca uma suposta verdade nos fatos é um jornalismo que busca o socialmente aceito, o consenso, que não incomoda, produz mais do mesmo. Sendo assim, o que se deve levar em conta não é a veracidade ou a falsidade de um acontecimento em si mesmo, mas sim, a avaliação que se faz dele, o jornalista por mais que se esforce em tão somente relatar, na realidade avalia.

A Verdade é uma consequência direta de um contrato social estabelecido através da linguagem, é uma transposição de uma categoria gramatical para o mundo. A relação existente entre o homem e o mundo se dá no âmbito da linguagem, o que chamamos de verdade é algo erigido e estruturado pela linguagem e suas leis gramaticais, principal matéria-prima do jornalista. É na linguagem portanto, nas palavras, que o jornalista deve se debruçar, não em um suposto método de apreensão da realidade, do fato, que remete a uma visão essencialista, platônica, de mundo. Tanto é que aqueles que defendem a obrigatoriedade do diploma usam como argumento a separação entre jornalismo e opinião, que não está muito distante da divisão platônica entre conhecimento (episteme) e opinião (doxa).

Há poucas décadas atrás, na busca por informações, os indivíduos eram meros espectadores, sua tarefa consistia em “espectar”, isso é: assistir, observar determinado conteúdo; cabendo-lhe tão somente a escolha entre receber as informações deste ou daquele veículo de informação, integrante de um universo composto por meia dúzia de grandes veículos. Os indivíduos atuavam passivamente na veiculação das informações. As informações não eram compartilhadas por uma rede de pessoas, mas, destinadas a núcleos dispersos que não necessariamente interagiam entre si (casa, vizinhança, trabalho, círculos de amizade). Com isso, tínhamos indivíduos extremamente atomizados recebendo informações em separado, através da TV, jornais, revistas semanais, com pouca ou nenhuma abertura para o debate ou a participação direta do espectador no conteúdo veiculado. Hoje em dia, graças aos novos aparatos tecnológicos, a realidade é outra, cada vez mais os indivíduos participam ativamente na disseminação das informações, cada um pode ser uma mídia em potencial. A legislação precisa acompanhar essas mudanças e quebrar cada vez mais os limites entre espectadores e disseminadores de informação. A aprovação da PEC seria um retrocesso por impôr barreiras para aqueles que pretendem veicular informações e serem remunerados por isso.

A graduação em Comunicação Social, quando bem cursada, possibilita os meios técnicos necessários para uma melhor análise e interpretação dos acontecimentos, mas não deve ser o único critério para o exercício do jornalismo, cuja função depende muito mais de critérios subjetivos, como os já citados, do que objetivos, como formação teórica.

A PEC do diploma é uma medida meramente corporativista, sem qualquer amparo no interesse público, sua eventual aprovação trará riscos para a qualidade e a diversidade da imprensa no país.