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O Semestre no Oeste e a Precarização da Segurança

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Redesenhando o Mapa da Violência Homicida Potiguar (3)

Por Ivenio Hermes, Thadeu de Sousa Brandão e Marcos Dionisio Medeiros Caldas

Mossoró, a Capital do Oeste, encerrou o primeiro semestre com 153 tentativas de homicídio registradas além de 94 concretizadas, numa explosão de violência que espalhou medo sobre diversas cidades do Oeste Potiguar.

Com base nas estatísticas redesenhamos o Mapa da Violência Homicida Potiguar para sensibilizar e informar as autoridades sobre a situação que a região vive. Talvez se as estatísticas já divulgadas tivessem sido levadas em consideração para redefinir as políticas de segurança do Mossoró Cidade Junina, o sucesso do grande evento teria sido mais ressaltado do que as falhas.

Episódios de assassinatos se tornaram tão frequentes em Mossoró que a cada 2 dias uma pessoa é assassinada no município, e com esse índice, os 94 crimes violentos letais intencionais desses 6 meses, a elevaram à taxa de 31,98 homicídios por 100 mil habitantes, 6 a mais que a taxa nacional.

Os dois batalhões de Polícia Militar existentes para realizar o policiamento ostensivo/preventivo não têm conseguido vencer a onda de criminalidade acentuada em 2014, pois a falta de efetivo compatível com a extensa área obriga até o grupo de inteligência a realizar detenções expondo seus integrantes. Do ponto de vista do posicionamento geográfico dos dois batalhões, até que a estratégia de fazer a subdivisão foi boa, contudo, sob a ótica do geoprocessamento de informações, faltou substância para tal medida sem que houvesse contratação de policiais.

5 ZONAS DE MOSSORO

Aconteceram crimes de homicídios em todas as 5 zonas urbanas e mais a zona rural. Liderando começa a Zona Norte com 27 homicídios seguida pela Zona Sul com 21, ambas as zonas totalizam 51% desses crimes, sendo 29% na Norte e 22% na Sul. Outros 32% dos assassinatos ocorreram nas zonas Leste e Oeste, 14% ou 13 mortes matadas na Leste e 18% ou 17 na Oeste.

Interessante apontar que, praticamente, a área do chamado “Corredor Cultural” onde ocorrem os eventos do “Mossoró Cidade Junina” (MCJ) não é acometida por homicídios. Além de corresponder a uma área economicamente privilegiada, o forte aparato de segurança voltado para o local faz com que as execuções e mortes violentas tendam a ocorrer nas demais áreas de Mossoró.

A Zona Central se configura em retrato à parte (como apontado acima), bem como a Rural (inversamente ao mostrado). A primeira por possuir a concentração de atividades da Guarda Civil Municipal que, sem dúvida, contribui grandemente para impedir que muitos crimes se consumem e a segunda por ser espalhada e com dezenas de vias carroçáveis que atuam como elemento facilitador para fugas e esconderijos de criminosos.

Em dois dos três bairros que compõem a Zona Central aconteceram os 6% dos assassinatos, e na Zona Rural, houveram 10 crimes violentos letais intencionais constituindo 11% desses crimes na Capital do Oeste.

Mossoró possui 35 bairros registrados e várias outras áreas que com a similitude de bairro, mas que são apenas conjuntos ou subdivisões de um bairro maior. Vale ressaltar que em 15 desses bairros não aconteceram assassinatos no 1º semestre de 2014.

Há um processo de endemização de ocorrências de homicídio em algumas áreas. Ele é decorrente do elevado número de casos que se elevam acima da capacidade investigativa da Polícia Civil e sua Delegacia específica para lidar com esse tipo de crime. E um dos fatores que limitam mais ainda os esforços investigativos é a chancela de “envolvimento como o crime” que muitas vítimas recebem, algumas injustamente. Independente disso, não investigar adequadamente um homicídio aumenta a impunidade e com ela surge uma motivação extra para os crimes de extermínio, de vingança, de cobranças em vidas de débitos com tráfico e outros.

O quadro aponta também a existência de uma imensa quantidade de homicídios por execuções. Além daqueles feitos por motivos de rixas banais, além do tráfico de drogas, notabilizam-se aqueles perpetrados por grupos de extermínios. Isso, para termos ideia, complica em demasia o estudo do fenômeno. O modus operandi das execuções é quase sempre o mesmo, seja por crime de pistolagem ou por grupos organizados.

6 BAIRROS DE MOSSORO

A violência homicida então se concentrou principalmente em quatro bairros, Santo Antonio e Bom Jardim, os dois na Zona Norte concentrando 92% das ocorrências de homicídio da zona, com 18 e 7 assassinatos respectivamente em cada. Depois vem Belo Horizonte, na Zona Sul, com 8 ocorrências, 38% da zona, e por fim, Abolição (principalmente o IV), na Zona Oeste, com 7 casos e 41% da zona.

Além desses ainda podemos citar mais dois por estarem se aproximando dos números dos citados anteriormente: Alto da Conceição na Zona Leste e Santa Delmira na Zona Oeste com 5 mortes matadas em cada.

O que representam qualitativamente esses bairros? Enquadram-se na triste estatística nacional onde a imensa maioria dos homicídios ocorrem nas periferias, em locais onde a renda e os serviços públicos são bem inferiores em relação aos bairros privilegiados. Nos últimos vinte anos, o crescimento da população urbana gerou uma enorme demanda por políticas nas áreas de habitação, educação, emprego, saúde e segurança pública, demanda que não pôde ser adequadamente atendida pelo Estado, seja pela escassez de recursos, seja pela rigidez do modelo da burocracia governamental vigente, que privilegia a prestação do serviço em detrimento da prevenção e solução do problema. Ao mesmo tempo, a exclusão conjugada à desigualdade socioeconômica agravou o problema. Mossoró cresceu economicamente sem equalizar a renda e a dinâmica de acesso a bens de consumo de forma a diminuir a desigualdade. A cidade que vislumbra edifícios de classe média alta convive com mais de uma dezena de “favelas” e estruturas habitacionais extremamente precarizadas.

Desta forma, apontamos uma gramática social da desigualdade em Mossoró, onde os bairros centrais estão quase livres deste “mal”: Centro, Nova Betânia e alhures. O “Corredor Cultural” e seu entorno é tão pacificado quanto qualquer cidadezinha canadense. Isso em termos de homicídios, é claro. Roubos à residências e outras formas de crimes são comuns na área mais economicamente privilegiada da cidade. Diferentemente de outras regiões, porém, os homicídios são raramente registrados e, quando o são, fogem do “padrão” de motivações sempre apontados e o perfil da vítima, não se enquadra no tipo geral.

7 OESTE POTIGUARA violência em Mossoró possui ligação íntima com vários municípios limítrofes do Oeste Potiguar, uma região composta por 62 municípios sendo que 32 deles, ou seja, em 51% da região, já aconteceram homicídios. Quatro estão entre os 18 mais violentos do Estado: Assú, Baraúna, Mossoró e Umarizal, e além desses destacamos Areia Branca que está se aproximando desse ranking de violência.

É importante aferir a mortandade de jovens nesses lugares. Em Baraúna 73% do total de assassinatos foram cometidos contra jovens menores de 29 anos de idade, e nessa sequência temos Mossoró com 67%, Assú com 41% e Umarizal 27%.

Como já dissemos anteriormente, enquadrando-se em uma perversa gramática social da desigualdade, esse perfil de homicídios termina criando um subcidadão que possui o “direito” (invertido) de ser morto. A sociedade (principalmente os “formadores de opinião”) terminam por justificar, inclusive, seu desaparecimento, alegando que “se meteu com o crime porque quis, etc.”. Nascido criminoso, numa retomada lombrosiana do neo-pseudo-racismo, o jovem pobre e pardo/negro é vítima de um holocausto por que “merece”. Faltando-lhe escola, oportunidade, apoio familiar e presença do Estado, este chega no seu derradeiro momento: executando-o, formal ou informalmente.

Foram 122 jovens assassinados para 229 homicídios no total, isto é 53%, na Região Oeste Potiguar, e os municípios destacados juntos totalizam 71% desses casos.

Num último recorte dos diversos que podemos extrair dessas estatísticas, a taxa de homicídios por grupo de cem mil habitantes é notória, pois ela eleva Umarizal para a primeira colocação no Estado. Nessa forma de mensurar a violência homicida, o município encerrou o semestre com 100,98 crimes violentos letais intencionais por grupo de cem mil habitantes, sendo seguida na região por Rodolfo Fernandes com 87,93 e Baraúna com 72,11.

Considerações

As políticas públicas para prevenção de homicídios no Brasil são relativamente raras, por várias razões. Uma delas é porque o homicídio, diferentemente de outros crimes, não tem uma etiologia nem locais específicos que possam ser abordados facilmente através de, por exemplo, prevenção situacional. Ele apresenta etiologias diversas, acontece em locais distantes – mas também de forma concentrada territorialmente – e não pode ser prevenido através de um único programa universal. Assim, qualquer política pública de prevenção de homicídios deve partir de um diagnóstico local levando em conta os tipos de homicídio praticados, onde eles acontecem e qual é o perfil das vítimas.

Um segundo e poderoso fator que ajuda a explicar por que o homicídio nunca foi prioridade para as políticas públicas é que ele atinge sobretudo os setores mais desfavorecidos da população, que não têm voz ativa nem capacidade de pressão como as classes altas. A prioridade tradicional na segurança pública foi reservada aos crimes contra a propriedade e ao sequestro – este, aliás, chegou a induzir mudanças drásticas na legislação penal, como a lei dos crimes hediondos.

Os homicídios eram antes explicados pelo contingente populacional, pela desigualdade da renda, pela renda domiciliar per capita e pelas despesas com segurança pública. Enquanto o crescimento populacional e a desigualdade da renda contribuem para o aumento dos homicídios, o crescimento da renda domiciliar per capita e dos gastos com segurança pública levam a um decréscimo dos homicídios.

Dito isso, não há como equacionar a questão da criminalidade na região enquanto não forem superados os grandes problemas socioeconômicos, particularmente aqueles relacionados à desigualdade da renda e ao adensamento populacional, que criam um campo fértil para os desajustes sociais.

Ao mesmo tempo, numa cidade onde a Polícia Civil e o ITEP funcionam em uma situação aquém de qualquer condição mínima e onde a Polícia Militar, cujos dois “batalhões” enfrentam uma redução imensa de contingente e de estrutura, as investigações dos homicídios se acumulam sem solução.

E os crimes de homicídio seguem encerrando vidas de alguns e periclitando a de outros moradores do Oeste Potiguar.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Thadeu de Sousa Brandão é sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Professor de Sociologia da UFERSA e Consultor de Segurança Pública da OAB/RN.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas é advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014. Participa efetivamente de diversos grupos promotores dos direitos fundamentais.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio, BRANDÃO, Thadeu de Sousa e CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. O Semestre no Oeste e a Precarização da Segurança: Redesenhando o Mapa da Violência Homicida Potiguar (3). Disponível em: < http://j.mp/1np4Bni >. Publicado em: 14 jul. 2014.