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O Mês de Junho e os Vestígios de Seis Meses de Perdas

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Redesenhando o Mapa da Violência Homicida Potiguar (1)

Por Ivenio Hermes, Thadeu de Sousa Brandão e Marcos Dionisio Medeiros Caldas

Com o encerramento do primeiro semestre de 2014 e a elevação dos números de homicídios, recriamos a partir de dados coletados e consubstanciados, o panorama da violência homicida do ponto de vista de seus vislumbres sociais, dos direitos fundamentais e da segurança pública.

Todas as estatísticas que têm sido elaboradas nesses últimos anos, e bastante divulgadas nesses últimos meses, são elementos coadjuvantes para a aferição da violência homicida. Sua finalidade principal é subsidiar a criação de soluções para as condições endêmicas em que os crimes contra a vida têm se transformado. As vítimas dessa violência são seres humanos e precisam ser conhecidas, para que entendamos quais grupos étnicos, quais áreas de uma região e quais atores interferem para evidenciar alvos potenciais e grupos suscetíveis.

A simples contagem de corpos não fundamenta estudos e não explica a insegurança e a crescente criminalidade.

1 NATAL E MOSSORO

Sob uma ótica geral, os esforços em promover a segurança não surtiram os efeitos esperados ou publicizados, e o semestre encerrou permeado de esperanças desfeitas na diminuição da violência no Rio Grande do Norte. Não se concretizou o reforço na Polícia Militar, a Polícia Civil continua recebendo policiais em nomeações à conta gota, somente para suprir as lacunas deixadas pelos aposentados e falecidos, o Programa Brasil Mais Seguro não parece ter alcançado o enfoque dado quando de sua apresentação e as ações policiais parecem pequenas diante do alto número de criminosos em atividade.

Diante deste quadro, a análise dos dados estatísticos dos homicídios continua sendo o elemento mais contundente para averiguar o quadro de violência. Em primeiro lugar, devido a gigantesca mancha negra em torno dos demais dados de violência, ou seja, o fato de que a maior parte dos registros não serem contabilizados e/ou registrados (denunciados oficialmente) pela população, seja em forma de denúncia via telefone ou Boletins de Ocorrência. Em segundo lugar, porque o homicídio, devido a sua materialidade inconteste (o corpo), torna-se bem mais difícil de não ser contabilizado. Mesmo, é claro, levando-se em consideração os chamados “homicídios ocultos”, que especialistas levantam a possibilidade de serem em torno de 10% no Rio Grande do Norte (o que ainda é consideravelmente baixo em relação aos demais tipos de violência).

Natal e Mossoró, as principais cidades do Estado, mesmo com direcionamento de ações policiais, devido aos eventos da Copa do Mundo 2014 e do Mossoró Cidade Junina, apresentaram números significativos de aumento da violência.

Natal, a conhecida Noiva do Sol, terminou o semestre chorando a perda de 298 de seus filhos, uma taxa de 36,45 homicídios por 100 mil habitantes, 11 a mais que a taxa nacional de 25,3. Mossoró, a Capital do Oeste, apresentou 94 homicídios e nesses 6 meses já atingiu a taxa de 31,98 homicídios por 100 mil habitantes, 6 a mais que a taxa nacional. Uma peculiaridade de Mossoró é sua ampla extensão com áreas não urbanizadas que compõem a zona rural, somente nelas aconteceram 10 homicídios.

O quadro agudo de Natal e Mossoró aponta que a letalidade homicida atinge no RN, de forma consistente, a capital e sua Região Metropolitana e sua cidade de nível médio (padrão nacional). Os dados nacionais mostram que as capitais do Norte e Nordeste e suas cidades médias (populacionalmente falando), são as que apresentam os maiores índices de homicídios. O que se percebe é que o crescimento populacional e econômico não foi acompanhado por medidas relativas à defesa social ou à proteção integral da pessoa humana (em se tratando de planejamento efetivo que vai da segurança pública à rede de proteção social: saúde, educação, etc.). Tanto Natal quanto Mossoró vêm mantendo padrões de mortandade “matada” que ultrapassam a média nacional desde, ao menos, 2011.

2 JUNHO E ACUMULADO

Nos primeiros seis meses de 2013 ocorreram 841 crimes violentos letais intencionais no Rio Grande do Norte e nesse primeiro semestre de 2014 já aconteceram 895 homicídios, isto é, um índice de elevação de 6,42%.

Podemos até ter um certo alívio se compararmos os meses de junho dos dois anos, porque houve desaceleração de 10% no número de feminicídios e de 2,14% nas mortes matadas na população masculina. No conjunto geral de ocorrências, as operações policiais conseguiram reduzir a criminalidade homicida comparada em 1,33%. Devemos ir mais profundamente nessas comparações, mesmo porque todos os meses tem aparecido cadáveres cuja data do óbito se referem a um mês cuja contagem já encerrou ou são oriundos de hospitais onde, enquanto vítimas de tentativa de homicídio, sofrem semanas antes de falecer. A inserção dessas novas vítimas redefine os contornos do mapa da violência potiguar.

Essas vítimas não contabilizadas e não inseridas, da mesma forma, apontam para as dificuldades da contagem estatística dos dados da violência no RN. O que é de importância fundamental enfatizar: os homicídios ocultos devem ser pensados também como elemento de mensuração dos dados da violência e suas vítimas letais no RN.

Nesses números acumulados, os feminicídios caíram 3,51% enquanto os assassinatos de homens se elevaram em 7,72%. Entre a população jovem, esse número foi bem maior: 15,53% de aumento, ou seja, de 470 ocorrências em 2013, chegamos a 543 em 2014.

E outros recortes podem ser feitos nesse mapeamento de modo que se estabeleça indicadores que apontem para segmentos da população. Nesse aporte, a vitimização da população jovem é bem melhor avaliada. Houve uma evolução de 23,08% no morticínio de menores até 15 anos de idade, e como vimos anteriormente que aumentou a incidência na população até 29 anos, por conseguinte, entre os adultos diminuiu.

O quadro de aumento de mortes entre a população jovem vai de encontro às tendências de decréscimo da violência entre essa parcela da população que se observava em 2010. O RN, na contramão de estados do eixo Sul e Sudeste do Brasil, continua a matar mais jovens cada vez mais. Um verdadeiro holocausto juvenil se visualiza no estado elefante. Já a tendência da diminuição da vitimização de adultos segue a tendência geral, apontando que, os jovens são as grandes vítimas desse quadro.

3 INDICADORES ACUMULADOS

A elevação da falta de identificação da etnia é um fator a mais a ser considerado, pois impede que realmente se trace o perfil da vítima no estado. Pelas etnias que conseguimos constatar, houve um aumento de 250% nas mortes matadas de pardos e 263,93% de brancos, enquanto no número de negros diminuiu em 48,34%. Fica claro que deve haver um direcionamento na elucidação desses números para que se consiga melhores resultados na obtenção desses dados.

A falta de identificação de mortos pela “cor” (etnia: pardos, brancos, negros, etc.), aponta ainda outra questão: somente com a contabilização do DATA/SUS é que poderemos ter uma ideia desses dados. Como o DATA/SUS termina por não ter a quase totalidade das mortes, o vazio estatístico tende a se ampliar. O fato é que matamos bem mais negros e pardos que brancos.

No infográfico abaixo apresentamos os números de homicídios diários no Rio Grande do Norte em junho, sendo os dias destacados em verde o período referente aos eventos da Copa, perceba que mesmo durante eles houve um final de semana violento com 14 homicídios, 7 no sábado e 7 no domingo. A suposta sensação de segurança pela presença visível dos agentes uniformizados não é um modelo eficiente, e já no fim de semana seguinte a violência homicida chegou ao clímax do ano.

4 DIARIA MEN SEM

Durante esses primeiros seis meses do ano de 2014, a taxa de crimes contra a vida nunca esteve abaixo das 4 mortes matadas por dia. Janeiro encerrou com 4,41 pessoas assassinadas por dia; em fevereiro atingimos 5,14, descemos em março e abril para 5,12 e 5 respectivamente, voltamos a subir para 5,16 em maio e nesse mês de junho, apesar da onda de homicídios em curso reduzimos para 4,93.

Considerações

Não sabemos quanto tempo temos até que a falta de capacidade do Estado de impedir que o crime se prolifere volte a se evidenciar. A expansão populacional e urbana e a redução do efetivo policial impedem que o policial seja visto como ente pacificador, promotor dos direitos humanos e equilibrador das mais diversas relações humanas. A violência urbana se confirma e tende a aumentar, e sem uma revitalização do aparelho de segurança pública, em breve alcançaremos patamares nunca imaginados, um caos que mitigará mais ainda a qualidade de vida que temos hoje.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Thadeu de Sousa Brandão é sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Professor de Sociologia da UFERSA e Consultor de Segurança Pública da OAB/RN.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas é advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014. Participa efetivamente de diversos grupos promotores dos direitos fundamentais.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio, BRANDÃO, Thadeu de Souza e CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. O Mês de Junho e os Vestígios de Seis Meses de Perdas: Redesenhando o Mapa da Violência Homicida Potiguar. Disponível em: < http://j.mp/1oszueF >. Publicado em: 03 jun. 2014.