As Vítimas da Criminalidade Mal Combatida
Por Ivenio Hermes
A Copa do Mundo 2014 enquanto evento presencial na Arena das Dunas acabou, o bolsão de segurança providenciado para os turistas, jogadores e pessoas de influência se desfez, o reforço federal se direcionou para outras capitais, os pseudo atores de segurança pública do Ministério da Defesa encerraram sua apresentação e Natal, a Noiva do Sol, voltou à sua normalidade.
Aliás, em termos de violência homicida não voltou ao normal, e como demonstramos em diversos artigos anteriores, os crimes de homicídio contidos pela ostentação de segurança, retornaram à uma anormalidade brutal, pois em menos de 10 Horas a violência homicida em Natal escancarou a face da criminalidade mal combatida.
Com a morte de Paulo Suassuna em Patú, o município entrou para lista dos mais violentos com 55,73 homicídios x 100 mil habitantes. Agora são 18 municípios com elevado índice de violência sendo os primeiros colocados: Natal com 293 homicídios, Mossoró com 93, Parnamirim com 77, São Gonçalo do Amarante com 40 e Macaíba com 32.
Diante do cansaço das horas extras de trabalho à que o baixo efetivo policial foi submetido e à ausência das novas viaturas no contexto dos locais onde a mancha criminal se faz presente, os protagonistas da morte matada se evidenciam novamente, sua capacidade de matar e a população eminentemente periférica paga o preço da falta de políticas públicas de segurança duradouras e eficientes.
Entre o último dia da Copa no RN (24 de junho) e a madrugada de 29 de junho, ou seja, em menos de 5 dias, foram registrados 27 assassinatos em todo Estado e o último fim de semana de Junho ainda não acabou.
Somente na Região Metropolitana de Natal ocorreram 18 homicídios nesse curto intervalo, sendo 10 em Natal, 3 em Ceará Mirim, 2 em Parnamirim, 1 em São Gonçalo do Amarante, 1 em Macaíba e 1 em São José de Mipibu. No Agreste Potiguar ocorreu 1 em São Paulo do Potengi e os outros 8 homicídios ocorreram todos no Oeste Potiguar, sendo 3 em Mossoró, 1 em Serra do Mel, 1 em São Miguel, 1 em Patú e 2 em Ipanguaçu. Nesse fervor de homicídios, mais de dez tentativas foram contadas pelo Estado.
Outros crimes ressurgem diante da presença mínima do Estado, roubo a um depósito de gás em Pau dos Ferros, brigas com lesões corporais em várias cidades do interior como em Tenente Ananias e São Miguel, roubo a uma pousada em Patú, explosão de agência bancária em Governador Dix-Sept Rosado, disparos de arma de fogo contra o Fórum Municipal em Parelhas e dezenas de roubos de veículos em todo o Estado.
Voltando ao enfoque principal, a violência homicida, dos homicídios citados anteriormente, até às 11 horas da manhã desta data ocorreram 881 crimes violentos letais intencionais em todo Estado, sendo 547 na Região Leste Potiguar, dos quais 522 foram somente na Região Metropolitana, vindo em segundo lugar Oeste Potiguar com 227.
As políticas públicas de segurança adotadas para a Copa mal funcionaram para o período, e uma das amostras dessa falha foram as 10 horas de violência ocorridas entre às 18 horas de sábado (28 de junho) e às 4 horas da madrugada deste domingo (29 de junho), 10 pessoas foram assassinadas somente na Região Metropolitana: 5 em Natal, inclusive uma por espancamento, 3 em Ceará Mirim, 1 em Macaíba e 1 em São José de Mipibu.
Nessa efervescência de crimes contra a vida surge a ideia da adoção do modelo de policiamento em duplas em veículos de 4 rodas, algo louvável para os moldes do policiamento comunitário, contudo, devem ser levadas em consideração as peculiaridades que cada local possui. Colocar apenas dois policiais em viaturas em regiões de alta incidência de embate armado com criminosos, significa potencializar o perigo de morte que já sofrem os policiais. Sob a pena de desencadear mais agressões, atentados e mortes de agentes encarregados de aplicar a lei, e/ou ainda aumentar o nível de estresse dos policiais provocando uma diminuição da urbanidade e elevação das reações adversas.
Na atual conjuntura da violência homicida, um plano de segurança pública não pode objetivar a presença visual de policiais sem a capacidade combativa necessária para agir nos locais específicos onde estiverem trabalhando. Não se pode abrir mão da segurança em detrimento de efeitos visuais como os adotados durante a Copa, pois o efeito esperado pelas autoridades não é o mesmo que a população precisa.
Planos de segurança emergenciais deviam ter sido priorizados há tempos, agora é época de retomar ações visando uma solução para a falta de efetivo e a recuperação urgente da capacidade do aparelho policial, ou as 10 horas de violência vivenciadas serão apenas um esboço das vítimas da criminalidade mal combatida.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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HERMES, Ivenio. 10 Horas de Violência: As Vítimas da Criminalidade Mal Combatida. Disponível em: < http://j.mp/1r0fJya >. Publicado em: 29 jun. 2014.