O aumento dos homicídios nos 13 dias da Copa em Natal
Por Ivenio Hermes
Findo os 13 dias em que Natal efetivamente sediou jogos da Copa do Mundo 2014, os esforços integrados entre as corporações policiais se dissipa, policiais que reforçaram o evento retornam para seus estados de origem ou para outro onde os jogos continuem acontecendo, a presença das forças armadas se desfaz e a segurança pública feita para os turistas se desmobiliza.
A preocupação com nossos visitantes se tornou o motivador para o aumento da sensação de segurança, ela foi promovida nas áreas afetadas diretamente pelo megaevento esportivo, entorno da Arena das Dunas, Fan Fest e outras áreas de acesso, contudo, como alertamos em diversos artigos anteriormente, ela não trouxe essa sensação extra de segurança ao povo das periferias de Natal, nem tampouco nas cidades da região metropolitana, e a violência homicida, um dos principais medidores do índice de criminalidade de uma região, nos apresenta um quadro de que precisa ser observado.
Em princípio, lembramos que alguns fatores paralelos atuaram como redutores da criminalidade e não resultam das ações de segurança. São elementos sociais e climáticos. A paixão nacional pelo futebol e o sentimento nacionalista que dele decorre pode ser elencado como um fator social, e ainda temos a greve dos rodoviários que providencialmente durou o período exato das festividades da Copa, diminuindo sensivelmente a mobilidade das pessoas.
O segundo fator sem dúvida foi o climático, pois nos dias de chuva em Natal e na região metropolitana houve redução da incidência de ilícitos em geral, afinal, a água empoçada, desmoronamentos, inundações e dificuldade de visibilidade reduz a capacidade de transitar.
Contudo, a violência homicida continuou seu curso.
Para entender esse processo de aumento de violência, não podemos comparar o período de 12 a 24 de junho com 12 a 24 de maio, afinal de contas, são períodos que se distinguem pelas diferenças climáticas, eventuais e de ansiedade causada pela aproximação da Copa. Por isso, nos infográficos deste estudo, apresentamos comparativos entre os 13 dias que antecederam o megaevento da Copa 2014 (30 de maio a 11 de junho) e os 13 dias em que o evento durou (12 a 24 de junho), formando assim um panorama mais aproximado da redução e retomada da aceleração do ímpeto homicida.
Nos 13 dias anteriores foram 13 homicídios em Natal, sendo 7 de menores de 29 anos de idade, numa média de 1 homicídio por dia e contando somente esse período, a capital ficaria com uma taxa de 1,59 homicídios por cem mil habitantes.
Mas os criminosos, principalmente os que agem nos grandes centros urbanos, são observadores e têm recursos que as policias às vezes subestimam e ao observar que a segurança estava se concentrando em certos locais, orientaram suas ações para outros. E digo, continuaram porque os bolsões de segurança criados não afetavam as áreas de incidência de violência homicida.
Os óbitos por homicídios reiniciaram com força total e nos 13 dias da Copa foram 22 assassinatos, ou seja, 1,69 assassinatos por dia, com maior concentração na zona oeste. Dentre esse número, 15 foram jovens menores de 29 anos de idade e novamente, levando em consideração apenas esse período, Natal ficaria com uma taxa de 2,69 homicídios por cem mil habitantes, apresentando um aumento de 69,23% em relação ao período anterior.
Houve estabilização nas zonas norte e sul, até porque ambas se tornaram polos de visibilidade. A zona leste não apresentou nenhum homicídio, porém a zona oeste, entremeio e ligação urbana, com muitas áreas de difícil acesso ao controle policial, saiu de 3 para 14 crimes violentos letais intencionais.
A segurança pública setorizada e direcionada para áreas cuja mancha criminal não é marcante, demandada apenas pela atração de um evento, pela concentração turística e pelos visitantes ilustres, produziu apenas recortes de eficiência e expôs sua fragilidade ao deixar outras áreas suscetíveis. Enquanto no período de 13 dias antes da Copa não houveram tentativas de homicídio registradas em matérias de jornais e tendo como fonte esses mesmos veículos, foram contados 14 crimes diversos entre assaltos, arrombamentos, tráfico e outros, no período da Copa foram 8 tentativas de homicídio, numa delas inclusive um bebê de 7 meses foi atingido, vindo a falecer alguns dias depois. Quanto aos crimes diversos, foram 22 ocorrências encontradas nos veículos de divulgação.
Essa violência estratificada para certos locais é fruto direto da desequilibrada distribuição espacial de viaturas e esforços de policiamento ostensivo, aliados à já tão conhecida ausência da polícia civil por falta de efetivo. Enquanto num setor privilegiado havia policiais em abundância e talvez até em excesso (decorrente da dificuldade de contabilizar e equacionar operações policiais de grande vulto com baixo contingente), em outras áreas o número era insuficiente para atender a demanda.
O período “pós Copa” que ora transcorre dará mostras da fugacidade de nossa segurança pública setorizada, e somente aguardamos que o Estado reveja com urgência a questão das contratações dos que aguardam somente a nomeação para a Polícia Civil, e não só 26 novos policiais com foi visto na 11ª Portaria de Nomeação da PCRN publicado no Diário Oficial do Estado de hoje, 27 de junho de 2014, mas todo o 125 restantes, realizar o chamado para curso de formação dos mais de 250 concursados da Polícia Civil que fazem parte do quadro reserva e que são item da Matriz do Brasil Mais Seguro, e ainda, buscar a viabilização do ingresso dos 824 aptos para a Polícia Militar no curso de formação de soldados.
As 22 vidas perdidas desferiram um duro golpe nas famílias das vítimas e na sociedade potiguar, onde a violência provoca interferências na qualidade de vida, acarreta custos extras para o cidadão que precisa dispor de ofendículos e de segurança privada para garantir um mínimo de sossego.
O objetivo dessa análise do cenário da segurança pública nesse período de Copa do Mundo de Futebol não é uma tentativa de diminuir a alegria e nem o otimismo que as vitórias da Seleção Brasileira trouxeram, nem tampouco atingir aqueles que se envolveram direta e indiretamente na construção e execução da segurança do megaevento. O que se pretende aqui é uma abordagem realista dos fatos, e de como podemos utilizar estatísticas e conhecimentos sociais aliados à segurança pública para definir estratégias de ação que sejam duradouras.
Fica assim o alerta, dentre os muitos já proferidos, que não adianta a mera aquisição de equipamento sem policiais para os utilizarem, assim como não convém apresentar recortes de uma segurança setorizada, mostrando Natal como a cidade mais segura da Copa se a população periférica pagou com a vida de alguns de seus membros o preço desse título.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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HERMES, Ivenio. Recortes de Uma Segurança Setorizada: O aumento dos homicídios nos 13 dias da Copa em Natal. Disponível em: < http://j.mp/1nOe61w >. Publicado em: 27 jun. 2014.