Um importante fenômeno social contemporâneo que nos convida à reflexão é crescimento da poderosa indústria da infelicidade, produtora de “arautos” e salvadores que prometem a “paz” e a “felicidade”. Ainda, a adesão fervorosa principalmente das áreas mais miseráveis do país. Para compreendermos tal fato será importante fazermos uma breve contextualização dos aspectos psicossociais relacionados ao tema.
Primeiramente se faz necessário entender o funcionamento da sociedade contemporânea (coisificadora, acelerada, intolerante, doentia, etc.) que promove desumanização, ignorância, desamparo e flagelo psíquico dos indivíduos. Um contexto psicossocial que acaba por vulnerabilizar os mesmos diante das promessas ilusórias de completude, falsa espiritualidade e soluções imediatistas diante de suas mazelas pessoais.
É preciso olhar para indivíduos que se veem impotentes e desesperados diante da tragédia psicossocial contemporânea em que todos nós temos que ser bonitos e inteligentes o tempo inteiro, diante de vínculos familiares e empregatícios cada vez mais precários. Nesta sociedade líquida em que os indivíduos são cada vez mais valorizados a partir do seu poder de consumo e pela aparência física correspondente aos padrões estabelecidos pelas mídias.
Importante lembrar que os “desamparados” e vulneráveis não são apenas os que são vitimados pela pobreza econômica, mas também a “madame”, o empresário e o “doutor” que são muito atraídos pelo discurso da prosperidade e soluções rápidas para seu caos financeiro. No que se refere à precariedade emocional e flagelo psíquico, estão todos no mesmo barco: branco, negro, hetero e homossexual, pobre e rico.
A mesma sociedade que propicia o flagelo psicossocial é a mesma que vai oferecer os mecanismos de escapes efêmeros, ilusões e preenchimento, promessas de ausência de dor e felicidade completa para os indivíduos. Que pela vulnerabilidade, baixa capacidade de refletir e questionar acabam por aderir e aceitar soluções instantâneas que resultam em mais desespero e miséria emocional.
Neste contexto a miséria tem feito um par perfeito com a ignorância, pois é a fórmula que tem feito com que as massas reproduzam a opressão e sustentem os impérios econômicos, politiqueiros, midiáticos e religiosos. Que numa relação de retroalimentação vão necessitar de indivíduos massificados, angustiados e vulneráveis psiquicamente para manter seus rebanhos, explorar e aumentar seus lucros.
A infelicidade coletiva é o grande alimento e produto fomentador da uma poderosa indústria de salvadores que prometem/sabem qual é o caminho para se encontrar a “felicidade”, a “paz” e a “salvação”. Mas, curiosamente, os próprios “arautos” e “representantes” também são pessoas desamparadas e desajustadas (com seus devidos e eficazes disfarces) que também colhem os efeitos cotidianos da crueldade dos grupos “humanos”.
A formação dos seguidores das religiões neopentecostais tem exatamente esta referência (miséria e ignorância) e importantes estratégias de persuasão que são “infalíveis” diante dos desesperados e angustiados que sobrevivem à duras penas num círculo vicioso de precariedade emocional, autorejeição e miséria psíquica. Indivíduos que procuram evitar as dores, frustrações e as inquietações proporcionadas pela responsabilidade de si e pelo autoconhecimento.
Estes grupos, altamente necessários para a reprodução do quadro social atual, vão propiciar exatamente um ambiente aparentemente acolhedor e seguro, proporcionam o que mais os indivíduos deste contexto necessitam, como o sentimento de agregação e pertencimento à algo sólido, que ofereça alguma verdade a ser seguida. Uma sociabilidade que lhe dará uma importante sensação de “estar vivo”, ser importante e protagonista “pelo menos neste ambiente” e a oportunidade de potencializar suas esperanças e ilusões.
E é com base em dogmas, proibições e obediências que estes indivíduos conduzem seus cotidianos de vazio interno, depressão, ignorância, culpa e aparências. Pois os mesmos também movidos por desejos impublicáveis, culpas (principalmente no que tange sexualidade), incompletudes e que se recorrem às religiões (busca por punição) exatamente por não serem capazes de administrar feridas narcísicas , questões internas e psíquicas que seriam de responsabilidade própria.
O controle corpos é uma ferramenta muito importante para que estes grupos façam sua manutenção. Por isso seus referenciais de sexualidade e prazer fazem sempre alusão ao medo, culpa e repressão, principalmente com o universo feminino e os escapam ao controle hetero-normativo.
Outra ferramenta “infalível” diante do desespero e flagelo psíquico é a apresentação/dramatização dos modelos pessoais de sucesso e superação que seguiram suas cartilhas e dogmas. São exemplos “humanos” e “concretos” de como o indivíduo pode conseguir a salvação. Alguns, expostos na televisão, expõe o “pobre que virou rico”, a solteira que conseguir um “casamento feliz”, criando ainda mais vulnerabilidade: “Então eu posso também…é só eu seguir o que diz o líder”.
O “arauto”, precário e fundamentalista, não está nem um pouco preocupado com as mazelas dos indivíduos, mas apenas se os mesmos vão buscar soluções em sua cartilha e autorizações. A prosperidade tão fomentada parece coincidir com os sistemas econômicos que querem cada vez mais consumidores descerebrados. Ou seja, olhar para fora : poder, dinheiro, aparência, que são elementos que vão lhe fazer finalmente “feliz” e eliminar as suas angústias.
O tipo de indivíduo marginal e indesejado para este sociedade é exatamente o que vai fazer o contrário, pois ao invés de clamar por um “enviado” que resolva suas mazelas e lhe ofereça soluções imediatas, vai assumir a plena responsabilidade si e de seus atos, tendo a capacidade de raciocinar e estabelecer fundamentais elaborações psíquicas sobre a relação com si mesmo e com a sociedade. Por isso que o que a cultura de massas prolifera é exatamente tudo que evite raciocínio, identidade e autoconhecimento independente, pois daí os indivíduos começam a se revolucionar a partir de suas subjetividades e micropolítica dos afetos.
Para finalizar, sugerimos reflexão mais aprofundada que condense a relação entre religião e o indivíduo social e subjetivo. Pois, a relação deste com as estruturas macrossociais (religião, mídias, sistema econômico/político) são de fluxos permanentes, que no caso específico do crescimento das religiões neopentecostais precisa ser contextualizada.