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A Violência Homicida Continuada em Natal

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Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas

Enquanto se “preparava” para viver a euforia intensa dos jogos da Copa do Mundo, a Cidade do Sol se tornou uma cidade de nuvens escuras e chuvas que fizeram centenas de desabrigados em diversos bairros. Encostas vieram abaixo numa crônica anunciada alguns anos atrás, porém subestimada por quem deveria prevenir e sanear nossas ameaças. O infortúnio oportunizou à população de Natal mostrar ao mundo sua solidariedade e sua capacidade de mobilização em prol dos afligidos pela natureza.

Em um cenário paralelo e longe dos holofotes da mídia maior, a violência homicida seguia seu curso, em princípio desacelerando, muito mais pelas chuvas intensas que brecam a mobilidade dos perpetradores do que pela ostensiva presença do aparato repressivo, fato inusual nesses últimos anos. Desacelerou entre os dias 12 e 14, embora tenha havido uma tentativa contra três pessoas, uma delas um bebê de 7 meses que veio a óbito no dia 17, mas essa diminuição de ritmo coincidiu com as inclementes precipitações pluviométricas.

A desaceleração vai sumindo e vem sendo retomado o contínuo desmoronamento de lares e desabrigamento de famílias pelas perdas das vidas de seus entes queridos, pois independente de quem sejam, os familiares sempre perdem entes queridos.

A falência da convivência humana é que impinge uma preconceituosa categorização das pessoas e das vítimas como se houvesse os eleitos para viver e os demais para morrer de fome ou de morte matada.

18JUN2014 NATALSó foram necessários 169 dias para que a Noiva do Sol chegasse à marca de 271 homicídios em 2014, ou seja, a cada 3 dias duas pessoas são assassinadas em Natal. E o corredor de segurança da Copa somente dá relativo resultado nos crimes mais comuns, principalmente onde o evento se concentra e no entorno do seu congraçamento.

As mortes matadas seguem acontecendo costumeiramente, por vezes escandalosamente, às vezes veladas, até porque o site do órgão que deveria ancorar os dados cumulativamente tem ficado horas e dias fora do ar. Como se a lei de Acesso à Informação não estivesse em vigor no país.

As Zonas Norte e Oeste, juntos com seus 17 bairros e mais 42 localidades seguem à frente nessa avalanche de assassinatos, são 107 homicídios na primeira e 92 na segunda zona, e nessas partes da cidade ocorreram 74% de todos os homicídios. As médias de crimes violentos letais intencionais por cem mil habitantes ultrapassam em muito a média nacional de 25,3 por 100 mil habitantes, com a Zona Norte com 34,17 e a Oeste com 41,58.

O Brasil possui uma das médias mais altas do planeta, portanto, confrontando os dados das zonas Norte e Oeste com a altíssima média nacional, sabemos com certeza que os dados atuais alavancarão os escândalos do amanhã, quando institutos de renome nacional consolidarem os dados do RN e os encaixarem junto aos dados dos demais estados da federação.

Dos 36 bairros de Natal, mais da metade também já ultrapassou a média homicida nacional. Com destaques negativos por estarem acima do dobro da média nacional para Petrópolis com 71,74, Rocas com 57,53, Dix-Sept Rosado com 57,49, Bom Pastor com 54,65, Mãe Luíza com 53,95 e Felipe Camarão com 53,72. Nos três primeiros bairros pode-se relativizar as altas taxas pelo cruzamento das incidências com o tamanho das suas populações.

18JUN2014 EV DIARIA NATAL

Na Zona Norte, apenas o bairro de Salinas não atingiu a média nacional. Que se observe no infográfico acima e resgate-se que a região edificada na década de oitenta para assegurar o catapultar da carreira de determinado político que é um verdadeiro “barão de culatra”, consolidou-se em cima da ausência do Estado e das políticas públicas que distribui sofrimento e dores às comunidades ali encravadas, sediando além dos dados “suso” e abaixo apresentados, toda uma sorte de agressões e crimes cometidos contra a população em geral e mais perversamente concentrando-se sobre a população que deveria ser defendidos pelas legislações protetoras da juventude, das mulheres, dos moradores em situação de rua, de membros da comunidade LGBT e dos pertencentes aos três “P” atualizados: Pobre, Pretos e Periféricos, não em substituição mas transversalmente evidenciando os três “P” originais de alguma forma.

À equação que dá uma diminuição do ritmo de violência homicida e também de crimes comuns, deve ser acrescentada mais uma variável: a greve dos rodoviários em Natal. A dificuldade de mobilização reduz a suscetibilidade da parcela populacional usuária do transporte coletivo e por conseguinte dos próprios crimes cometidos nos ônibus.

18JUN2014 RECORTES BAIRROS NATALVoltando à estatística da capital, embora não estejam com o dobro da média nacional de homicídios por cem mil habitantes, tem sua evolução de CVLI de maneira perigosa. Seja porque concentram as mesmas ausências do Estado em políticas públicas, seja porque a aparente calmaria atual de uma hora para outra pode ser potencializada como já ocorreu nas mesmas localidades em exercícios anteriores.

E note-se ainda que a “calmaria” ainda se mantém bem acima da taxa “aceitável” de 10 incidências por grupo de 100 mil habitantes, içada pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Mesmo nos bairros onde não se atingiu a média nacional antes de meados do ano, nossa violência “sobe” à Guerra Civil.

Ponta Negra e Pitimbu na Zona Sul e Tirol na Zona Leste, situam-se no mesmo padrão de Guarapes e Cidade Nova. Sem histórico de grandes volumes de assassinatos, espera-se que Pitimbu não se encaixe rapidamente nessa macabra senda.

Mesmo relativizando-se as taxas em função da baixa população de alguns bairros, o verso de João Cabral de Melo Neto nos acorre: “a morte é tanta aqui”. E mesmo sua Morte e Vida Severina alcança outro patamar e outro olhar ao se analisar os dados aqui disponibilizados nos recortes que apontam o genocídio da nossa juventude preta, pobre e periférica e seus versos vão se encaixando não mais sobre a fome, flagelo que vai sendo superado, mas para explicar nossa violência diária, perversamente seletiva e periférica: “que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”.

Há um genocídio em curso contra adolescentes e jovens. Há mais de quinze grupos de extermínio atuando com força na região Metropolitana de Natal. A cada prisão de pretensos líderes, novos grupos vão se formando a partir de possíveis desnuclearizações.

Os outros bairros, embora não estejam com o dobro da média nacional de homicídios por cem mil habitantes, não se encontram em situação de vantagem, pois seu alto índice de homicídios se dilui pela densidade populacional, e ainda, seu alto nível de mortandade de menores.

A Zona Norte novamente é campeã em vítimas jovens da sanha assassina. São 82 jovens de um total de 107 crimes, portanto, 76,63% dos homicídios foram praticados contra a população jovem. Na Zona Sul esse percentual cai para 54,54%, na Leste aumenta de novo para 65,71% e na Oeste, 61,11%. São percentuais elevados que indicam a falta de promoção de políticas públicas para a juventude, com campanhas educativas, de resgate social, de incentivo à cultura e ao desporto e também na geração de empregos.

Os bairros de Natal são exemplos da falta de um olhar mais criterioso sobre soluções de médio e longo prazo para a segurança pública, havendo apenas a priorização de ações de combate pontual que já não surtem efeito continuado há muito tempo.

O problema da segurança pública reforçada no corredor de segurança da copa é a migração das ocorrências para os municípios não priorizados da Região Metropolitana e mesmo para a periferia de Natal, conforme pode-se depreender dos Nove Crimes Violentos Letais Intencionais verificados em Natal nos bairros de Nossa senhora da Apresentação (02) Felipe Camarão (02) e os demais, nos bairros de Lagoa Azul, Bom Pastor, Cidade da Esperança e Dix-Sept Rosado. É importantíssimo proteger os turistas que nos visitam e blindar o megaevento. O aparente sucesso da segurança Pública na Copa não está barrando a Guerra Civil na qual a Terra de Poti foi imersa.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas é Advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. A Violência Homicida Continuada em Natal. 2014. Disponível em: < http://j.mp/SUkMRH >. Publicado em: 18 jun. 2014.