Prefácio Sobre a Mortandade de Jovens no RN
Por Ivenio Hermes
A violência em si é um problema de toda sociedade e sua presença se acomoda em todos os espaços, sejam eles públicos ou privados, em menor ou maior potencial diretamente proporcional à maior ou menor presença da polícia.
O fenômeno da violência precisa de atitudes inibidoras para manter sua ação sob controle, do contrário, ele tenderá a se constituir prática comum, preenchendo os espaços urbanos e os locais destinados ao convívio social e com finalidades culturais, como as praças, escolas e outros que acabarão sendo invadidos, impossibilitando a construção de valores éticos e morais daqueles que deles participam, direta e indiretamente.
Os casos de violência que ocorrem dentro do ambiente escolar e que são protagonizados por alunos e professores, por exemplo, são outros resultados da incapacidade do Estado em promover a paz fora das escolas, fazendo com que o teatro de horrores que ocorre no exterior se reproduza no interior, sendo o desrespeito à figura de docentes e de funcionários, reflexo de outras atitudes que desafiam a figura da autoridade no exterior maltratado.
O nascedouro da prática violenta pode estar no lar, nas escolas e nas ruas, e leis excludentes da responsabilidade do Estado, cada vez mais, buscam transferir a culpa para outrem, e nesse aspecto, os gestores públicos se veem confortáveis em desviar sua falta para o tecido social esganiçado pela desestrutura familiar. Contudo, enquanto a mão fechada do gestor frívolo aponta um dedo em riste para os outros, ela se aponta três dedos para eles mesmos, pois foi a falta de educação de qualidade, instrumento de orientação da capacidade de discernimento e berços da formação do homem equilibrado, que falhou em primeiro lugar.
Famílias e lares estão em perigo, e o convívio do jovem com a violência escancarada nas ruas, praças, quadras de esporte, bares e em todos os espaços comuns, somados aos crimes que permanecem impunes, banalizam cenas horripilantes em mentes em formação. Latrocínios, violência doméstica, homicídios e tentativas, agressões verbais e lesões corporais graves, tráfico de drogas e crimes de colarinho branco, se juntam para disseminar a perda do senso de equilíbrio nas relações sociais.
Na polícia está o final da decadência da fé dos jovens nos entes sociais. O jovem perde sua credulidade nas instituições do Estado, porque seus conceitos de justiça e na possível existência de uma sociedade harmônica e igualitária, já foram afetados. Daí surge as alterações de comportamento e a deformidade na capacidade de diferenciar o que é desnecessário daquilo que é essencial, desembocando numa realidade paralela, onde o supérfluo é valorizado como fundamental nos rituais de aceitação dos grupos de convívio de moral desequilibrada.
Essa realidade deturpada é alicerçada em disputas territoriais, na ostentação de símbolos de posse, na demonstração de força e na imposição da supremacia da vontade, itens necessários para que os jovens possam se sentir aceitos dentro dos modelos sociais em que eles vivem, tornando-os predispostos à violência.
Há uma sensação de desconforto quando o meio externo influencia os ambientes que deveriam ser protegidos pelo Estado, ampliada pela tendência da naturalização de diversas formas de violência.
Locais antes seguros se tornam suscetíveis à prática do crime e os mecanismos de pacificação existentes se mostram ineficazes em toda parte, e é da natureza humana, e até animal, evitar o perigo. Toda pessoa, portanto, direta e indiretamente afetada pelo medo e pela insegurança, tentará evitar locais e áreas às quais o perigo está relacionado, talvez a isso se devam os aumentos dos índices de evasão do ambiente escolar, da perda de assiduidade em locais onde se ensaiaria o civismo, a construção harmônica da sociedade, ampliando o abismo nas relações sociais.
Nesses locais, fora deles, em toda parte onde haja influência derivada da violência neles praticada, dezenas de pessoas são assassinadas, grande parte jovem, e as praças, as ruas, se tornam palco da insegurança, estereotipadas em cenas de bizarra sangria não combatida pelo Estado.
É urgente e gritante a adoção de meios que estanquem a mortandade de jovens, é primordial que a sociedade norte-rio-grandense cobre do Estado uma política exequível que cesse o curso das mortes.
Se alguma política séria tivesse sido implantada há alguns anos, se algo tivesse sido feito visando a segurança e o resgate de jovens, talvez Joyce Damiana Fernandes da Silva, de 16 anos idade, jamais tivesse sido assassinada, muito menos de forma tão brutal, com dezenas de facadas, em Upanema/RN.
Joyce foi a 455ª vítima dentro da faixa etária entre 15 até 29 anos, protegida pelo Estatuto da Juventude em seu artigo 1º, § 1º. Ela está entre as 747 pessoas que foram vítimas de assassinato até a data de hoje no Rio Grande do Norte.
“E nesse instante, reis estão morrendo como moscas.” Tyrion Lannister, personagem da série de livros “Uma Crônica de Gelo e Fogo” de George R. R. Martin
No contexto hodierno onde 60% dos homicídios cometidos no Rio Grande do Norte foram praticados contra a população jovem, a frase destacada acima se adequa à realidade potiguar, desde que substituamos a palavra “reis” por “jovens”, pois diante da matança cotidiana, nossos jovens estão sendo extintos como moscas.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Violência Homicida, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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HERMES, Ivenio. Ilações Prefaciadoras da Violência Contra Jovens. Disponível em: < http://j.mp/1iGBdrx >. Publicado em: 31 mai. 2014.