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Drogas: indivíduo, uso, sociedade e sintoma

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É muito importante podermos sugerir outros olhares e pontos de reflexão sobre um tema tão sério e delicado como a dependência química. Principalmente por conta do senso comum que a trata de maneira simplista, reducionista e autoritária, que em nada colabora no entendimento de um dos mais preocupantes flagelos sociais.

droEntendemos que, o que deveria ser o foco das abordagens sobre a dependência química é o contexto psicossocial desencadeante, que deixa o indivíduo vulnerável e o estimula a usar tais substâncias que (temporariamente) aliviam suas aflições. As drogas, sejam quais forem, não precisam ser o foco.

Lembremos que os grupos humanos não são acolhedores e propiciadores do bem-estar dos indivíduos. Sabe-se que estes são valorizados apenas pela sua capacidade de consumo, aparência, prestígio e poder do dinheiro. Fora deste contexto, são considerados objetos descartáveis em relações cada vez coisificadas, desumanizadas e animalizadas.

Os sintomas desencadeantes são ignorados, mas demonstram um sinal de alerta de um o indivíduo que precisa de ajuda e está vulnerável a recorrer ás substância para fugir de uma realidade dura, triste e principalmente de desamparo. Cada indivíduo tem de ser historicizado, ter suas particularidade e subjetividade reconhecidas na investigação das possíveis causas.

Os indivíduos mais vulnerável ao consumo de drogas são aqueles que tem dificuldade de administrar suas contingências cotidianas, a incompletude, seus afetos, sua relação com o mundo e com os obstáculos diversos que a vida (inevitavelmente) impõe.  As angústias existenciais e os conflitos internos que fazem parte da constituição dos sujeitos sociais, ao invés de assumidos, são mascarados e reprimidos.

Fazemos parte de uma sociedade que vive seus dias de hipernarcisismo e valorização máximas das aparências, de violenta intolerância à aqueles que não estão no padrão de comportamento e beleza estabelecidos pelas mídias e cultura de massas. E os que estão fora (99%) o que fazem consigo mesmo? Acabam por estabelecer uma relação de auto-rejeição, complexo de inferioridade, depressão e baixa autoestima. E para suportar, só mesmo usado alguma substância (seja esta do traficante, do botequim ou da farmácia).

Indivíduos com formação pessoal precária e miserável emocionalmente, introjetam facilmente os valores majoritários e do senso comum. Aderindo e identificando-se com o contemporâneo criatório de necessidades artificiais que nos infernizam à todo instante na grande mídia, nos templos do consumismo e nas redes sociais.

O comportamento dos indivíduos reflete o quanto os grupos humanos estão doentes, o quanto os vínculos familiares estão cada vez mais precários, fazendo com que os indivíduos busquem alternativas externas e artificiais para suas aflições e angústias internas.  Neste contexto ficam vulneráveis às promessas de felicidade, prazeres instantâneos  e a vivência de simulacros.

Depois disso tudo determinados grupos abordam o flagelo da dependência num olhar puramente medicamentoso, voltado apenas para os aspectos orgânicos e corporais dos indivíduos. Como se o problema não fosse produto de causas multi-fatoriais, principalmente da relação dos sujeitos com a sociedade “democrática”, “humana” e “acolhedora”.

A recorrência ao uso de drogas está presente em todas as classes sociais e profissionais. Pois o desamparo, auto-rejeição, miséria pessoal, impotência afetiva e as angústias decorrentes da falta de equilíbrio psíquico são sintoma democráticos: pobre, rico, branco, negro, gay, hetero, roqueiro, deputado, famosos e invisíveis.

Os mesmo citados não escolheram ser drogados ou alcoólatras, mas por questões de ordem subjetiva e individual não conseguem condições de administrar suas mazelas sem uso de substâncias, que passam a ser um importante recurso para suportar e mascarar uma realidade absurda e inaceitável.

Por isso o consumo de drogas tem uma importante utilidade social: manter os indivíduos numa “zona de conforto”, suportando uma realidade inaceitável, mas impotentes, sem condições de refletir e contestar. Pior ainda é que o mesmo sistema que escraviza e coisifica os indivíduos é o mesmo que oferece os caminhos de fuga, máscara, alívio e simulação de alegria e felicidade.

Para finalizar, digo que o olhar psicanalítico muito se aproxima de uma boa compreensão (não bio-química e não medicamentosa) da questão. Ao lembrar que: “o alcoólatra com seu masoquismo mortífero, usa suas defesas narcísicas primitivas de onipotência, onisciência e negação para criar uma organização patológica como refugio com usa insuportável realidade humana, produzindo uma imunidade com mais sofrimentos”.