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A Paixão Pelo Futebol, as Estruturas Temporárias em Natal e os Agravantes do Desapego pela Copa do Mundo FIFA 2014

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Por Ivenio Hermes

A emoção em torno do futebol estava novamente no ar em 1998 e eu no meio dela mesmo sem gostar muito do esporte bretão. Que me perdoem os aficionados, mas continuo não vendo sentido em nenhum tipo de competição que finge possuir regras claras, árbitros e o outros pressupostos legais, que são derrubadas em cada jogo, merecendo sempre discussões sem futuro sobre essa ou aquela penalidade cometida, anulações de gols, impedimentos que passam despercebidos a favor de um time e que são criados em favor de outros, enfim, tudo que se sabe que acontece no futebol.

Desapego FutbolNaquela ocasião, as coisas ficaram diferentes porque houve uma oportunidade única e coincidente de reunir toda a família na casa do meu pai, um ardoroso torcedor do Payssandu Sport Club e do Vasco da Gama, e mesmo com origens estrangeiras, um fiel torcedor da Seleção Brasileira.

Assistimos até o penúltimo jogo, quando recebi um telefonema me convocando para uma atividade que me impediria de assistir o seguinte. Fiquei sabendo da desastrosa derrota da Seleção Brasileira por 3 a 0 para a da França… E analisando o desempenho da equipe brasileira, desconfiei, e a mera desconfiança conjugadas com minha perspectiva da realidade, foram suficiente para eu nunca mais perder noventa minutos de minha vida assistindo jogos de futebol.

Os tempos atuais são outros e mesmo tendo amigos que gostam muito de futebol, não consigo mais me convencer da pureza da competição.

Percebo rumores de falcatruas, de acordos por baixo dos panos, de lucros indevidos, de supervalorização de salários para homens que posteriormente abrem a boca para falar besteiras vergonhosas como “copa não se faz com hospitais” e “vamos deixar para protestar após a copa”, dentre outras mais vexatórias ainda.

Sepultando de vez qualquer sentimento que eu pudesse vir a ter pela competição, me deparo com contrato bilionários para construção de arenas, estádios e outras obras para recepcionar a copa no Brasil, sob a perspectiva pouco crível da geração de empregos temporários e permanentes diante do gasto que poderia ser feito em setores mais do que carentes de nossa sociedade.

Na última semana me deparei com a Ação Civil Pública Estruturas Temporárias movida pelo Ministério Público do RN em desfavor do Estado do Rio Grande do Norte e do Departamento de Estradas de Rodagem do RN, onde se prova uma obrigação no valor 43 milhões de Reais, desprovida de qualquer estudo de impacto financeiro e imposta pela FIFA.

A Ação Civil Pública encabeçada pelo promotor Emanuel Dhayan Bezerra de Almeida é uma peça autoexplicativa que dispensa qualquer comentário, inclusive contendo infográfico e informações para as quais contribuí, que desmascara mais uma vez as negociatas que ocorrem além dos campos de futebol, dentro dos escritórios climatizados e ambientes luxuosos dessa organização gestora esportiva.

Os 43 milhões de reais que poderiam ser utilizados em ações necessárias e permanentes na segurança pública, para falar da área na qual lido, serão gastos em obras completamente desvirtuadas do real interesse público, que além de não trazerem nenhum benefício direto ou legado à população potiguar, ainda preterem necessidade urgentes. Com esse dinheiro, tendo em vista um salário médio de 2 mil reais do policial estadual, poderia se pagar 21.500 salários, ou garantir a contratação de novos policiais, contudo, serão destinados à estruturas temporárias, cujo nome técnico apenas disfarça adaptações em uma série de estruturas e serviços acessórios aos estádios destinados a atender às necessidades operacionais e comerciais específicas da competição, ou seja, visando única e exclusivamente o lucro da FIFA.

A própria FIFA exemplifica que esse montante absurdo será gasto em construção de estruturas temporárias “para fins de bilhetagem, controle de entrada e saída de torcedores, áreas de lazer e alimentação, suporte à mídia esportiva, transmissão de TV e rádio, áreas de hospitalidade para patrocinadores e autoridades, segurança, armazenagem e distribuição de insumos, além de suporte para as equipes de futebol, árbitros, equipe FIFA e seus parceiros.” (ACP pág. 4).

Serão 4 jogos:

  • Dia 13 de junho, às 13h: México x Camarões
  • Dia 16 de junho, às 19h: Gana x Estados Unidos
  • Dia 19 de junho, às 19h: Japão x Grécia
  • Dia 24 de junho, às 13h: Itália x Uruguai

E que me perdoem a ignorância futebolística, toda essa quantia exorbitante para construir e retirar uma estrutura temporária de apoio para apenas 4 jogos e nada mais? Mais de 10 milhões por dia para promover o lucro de uma entidade privada?

13MAI2014 MONITORAMENTO ESTADUAL CVLIOra, como sentir-se empolgado com esse evento esportivo diante do preterimento da segurança pública, cuja falta de investimento predominante na atual administração tem sido a afiadora da foice que ceifou centenas de vidas?

Esse valor de 43 milhões agride a população potiguar ao promover uma inversão de prioridades, destinando verbas públicas para aumentar o lucro privado enquanto a média de 4,78 assassinatos por dia se firma no Rio Grande do Norte, contabilizando nos primeiros 134 dias de 2014, a marca de 613 homicídios.

Lamentável que uma situação tão estapafúrdia possa ser respaldada na paixão brasileira pelo esporte que nem originário do Brasil é, mas que na verdade se origina na paixão exorbitante pelo lucro e pela ganância de detentores de um poder que está além da imaginação da maioria daqueles que estarão gastando seu dinheiro indo aos estádios, comprando souvenires, pagando canais especiais por assinatura ou ingenuamente se voluntariando para trabalhar na evento.

Assisti uma única Copa do Mundo em minha vida, e ela foi o suficiente para eu desconfiar seriamente que não se tratava apenas de paixão e talento, havia algo maior e mais poderoso além dos estádios de futebol, e a situação hodierna agrava meu desapego pelo futebol, pois as estruturas temporárias exigidas pela FIFA em Natal (fora os outros estados) somente mostra a rede oculta de ganância valorizada acima de vidas humanas.

Enfim, o patriotismo que conheço vai além dessa torcida sazonal a cada quatro anos, eu a vivo diariamente e é nessa ótica que não vejo razão para comemorar gols nem vitórias, pois elas surgem custeadas indiretamente por muitas vidas, cujas interrupções abruptas representam valores incomensuráveis que jamais poderão ser restituídos.

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SOBRE O AUTOR:

Ivenio Hermes é escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves, ativista de direitos humanos e sociais e pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio. A Paixão Pelo Futebol, as Estruturas Temporárias em Natal e os Agravantes do Desapego pela Copa do Mundo FIFA 2014. Disponível em: < http://j.mp/1ljjU1E >. Publicado em: 15 mai. 2014.