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A vitória da visão economicista na Política Nacional?

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MAPEANDO OS SENTIDOS DE JUSTIÇA DOS CANDIDATOS A PRESIDÊNCIA  

ecoPassada a fase de definição dos nomes e composição da constelação de alianças, finalmente tem inicio a etapa de esboço do desenho daquilo que pode ser a orientação ideológica mais ou menos geral do programa de governo dos candidatos a presidência da republica do Brasil, pelo menos, nos próximos quatro anos. Para muitos, principalmente dentre os leigos, essa etapa não parece relevante para formar opinião sobre suas escolhas e preferências eleitorais. Não porque sejam “ignorantes” ou “alienados” em relação aos programas de governo dos candidatos nas eleições gerais, mas porque talvez não faça parte dos seus horizontes normativos pessoais de prioridades e de avaliação forte, a tematização acerca das tendências na agenda nacional de governança estatal.

Ora, se nem mesmo os especialistas em ciência política dão a devida importância aos programas dos partidos, restringindo quase sempre suas análises apenas as estratégias de ação dos partidos políticos e/ou do comportamento do eleitorado, certamente não se pode exigir interesse e, consequente, comprometimento da configuração do eleitorado com agendas partidárias – ou ainda mais importante, os sentidos de justiça e de bem comum que precedem aquelas mesmas agendas partidárias –  quase pouco discutidas na esfera pública nacional em tempos de eleições gerais. O que não significa que tais compreensões compartilhadas de justiça e bem comum não estejam também presentes pragmaticamente (e de modo inarticulado) no cotidiano diário das pessoas. Porém, se seguirmos essa preocupação com os sentidos de justiça e de bem comum dos programas de governo dos candidatos, chegaremos a uma avaliação digna de nota.

Eduardo Campos e Marina Silva, por exemplo, resolveram incorporar em sua plataforma político-eleitoral como discurso de justiça para o bem comum, a agenda do “novo” discurso da governança corporativa: “responsabilidade social”, “sustentabilidade” e “segurança jurídica dos contratos”. Em resumo, abraçaram de modo definitivo as representações sociais do modo de dominação cultural das finanças. Vale lembrar que é o mesmo esquema cognitivo de interpretação da realidade que foi adotado no segundo mandato de FHC. Portanto, a expressão “novo desenvolvimentismo” saída da voz de Eduardo Campos, parece até aqui, muitos mais pura performance retórica para inglês (ou melhor, brasileiro) ver. O papel destacado de André Lara Rezende (economista crítico radical do desenvolvimentismo) e Eduardo Gianetti (espécie de guru intelectual do ponto de vista financeiro sobre o mundo) na assessoria do programa econômico do governo Campos/Marina só confirmam o óbvio.

O PSDB de Aécio Neves, embora mantenha o núcleo intelectual “duro” do modelo tradicional de governança corporativa – o ex-ministro da fazenda, Pedro Malan e o ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga – em sua plataforma de governo, parece “inovar” na sua equipe de intelectuais/ideólogos ao incorporar novos quadros, a exemplo do economista Samuel Pessoa que articula uma crítica razoavelmente consistente ao modelo de nacional desenvolvimentismo abraçado pelo governo Dilma/PT. Contra o nacional desenvolvimentismo, Pessoa defende a retomada do que ele chama de “agenda estrutural” socialdemocrata, isto é, de uma política governamental orientada para a efetivação da equidade social.

A exemplo de Campos/Marina, vemos em Aécio, pelo menos na fala de Samuel Pessoa, a articulação de um discurso de justiça orientada para o bem comum, agora abraçando a política de Bem-Estar. Fico imaginando Samuel Pessoa defendendo seu ponto de vista filosófico (utilitarismo/bem-estarismo) – em debate interno do PSDB – para Armínio Fraga (um financista filosoficamente/ideologicamente mais próximo do “libetarianismo”). Deve render boas gargalhadas!

E Dilma/PT? Qual vai ser o discurso de Justiça para o bem comum articulado na campanha eleitoral? Vai continuar apostando no nacional desenvolvimentismo ou “novo” desenvolvimentismo? Como é de conhecimento geral, apoiadores tradicionais da esquerda brasileira já sinalizaram que vão abandonar o barco do governo, caso isso aconteça. A exemplo disso, João Pedro Stédile, liderança nacional do MST, já deu seu recardo publicamente.

Finalmente, outro segmento importante da esquerda brasileira, precisamente mais ligado às demandas de autenticidade (feministas, LGBTs, quilombolas e indígenas) se consideram “órfãos” em matéria de defesa partidária de suas agendas de justiça. Seus representantes intelectuais mais destacados e engajados na esfera pública brasileira são dois antropólogos: Manuela Carneiro e Eduardo Viveiros de Castro. E, claro, a indicação da grande “especialista” Ideli Salvati para a Secretaria Nacional de Direitos Humanos foi interpretada por muitos daqueles defensores da política de reconhecimento da diferença, como a pá de cal que faltava para enterrar qualquer pretensão de uma agenda mais robusta de compromisso governamental com os Direitos Humanos.

Para muitos especialistas, as questões tratadas acima sobre as diferenças entre sentidos de justiça e de bem comum são de pouca relevância na leitura das disputas entre os partidos políticos. Afinal, o mais importante seria analisar as estratégias de aliança e os métodos “racionais” empregados de competição pelo poder estatal. No entanto, como procurei demonstrar, ainda que rapidamente, os próprios agentes políticos (partidos, candidatos políticos) não agem de modo “desprendido” de algum sentido de justiça ou de bem comum.

Ao contrário, em seus discursos e posicionamentos políticos, é possível perceber visões morais de mundo e de justiça sendo articuladas e mesmo aplicadas nas agendas de governo. E mais, também não é verdade que agentes políticos tomam decisões baseados apenas no “cálculo eleitoral” de popularidade. Programas e projetos são sim postos em movimento em governos eleitos, evidentemente, dentro de um espaço de ação política mais limitado do que o desejado pelo governante eleito. Ainda assim, há projetos “ideológicos” disseminados na gestão governamental do Estado (se assim não fosse, jargões como “medidas impopulares”, “reformas necessárias”, “remédio amargo” simplesmente não existiriam no vocabulário político governamental). Para confirmar isso, basta reconstruir o tipo de engenharia social e econômica – a agenda de governança corporativa – disseminada no Brasil desde a década de 1990. Não se pode ignorar o quão forte atualmente partidos e governos no Brasil têm abraçado o pacote da “nova” gestão administrativa em suas plataformas de governo. De modo algum, essas mudanças institucionais se explicam apenas na gramática do “calculo estratégico” da competição eleitoral. Há aqui também espaço para se considerar seriamente diferentes modos de adesão a valores.  Nomes de intelectuais como André Lara Rezende, Armínio Fraga, Delfim Neto, Marcio Pochmann, Luis Gonzaga Belluzo, Eduardo Gianetti não são mera “perfumaria” ou “adornos” eruditos que se fazem presentes no interior de partidos e programas de governo. São ideólogos e engenheiros sociais que agem por diferentes princípios de justiça e de bem comum, razões que o cálculo do poder muitas vezes desconhece.

Com efeito, o que se pode apreender de modo geral até o presente é mais uma vez a força da “economia” como fonte hegemônica dos sentidos de justiça e bem comum articulados pelos candidatos presidenciais. Estamos diante da vitória do “economicismo” na política nacional? De certo, a atual conjuntura político-eleitoral no Brasil parece induzir a uma resposta afirmativa. Sim, claro, sem a intenção de cometer “injustiça”, paradoxalmente, parece ser um candidato “pastor” o único que promete uma tematização acerca de quais bens “extraeconômicos” de civilização devem, efetivamente, orientar a política de Estado.