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Viver ou escrever?: Literatura como Morte – em Pessoa e à Rimbaud

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Por Wagner Uarpêik

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Para alguns, é preciso escolher entre viver e escrever.

Fernando PessoaFernando faltou ao chamado da vida, caído à margem obscura da existência, drenando-a em nome daquilo que orgulhou Literatura, mas que também era medo e tristeza. É impossível não admirar seu intrigante e terrível sacrifício, sua horripilante covardia: imolou-se transcrições assombrosamente reais da consciência, embora sua escrita canse aqueles que amam a vida – e não a arte – como a Suprema Obra de Arte.

Arthur pôs a literatura sobre-bunda novamente de pé, a pobre escrita cabeçosa a serviço do corpo, esfaqueou os letristas com sua primeira e antiga verdade, então banida: o verbo é deus. Assim reuniu forças para inaugurar o caos sensacionista – seu maior desafio aos próximos. A vida devolvida à experiência alquímica. A literatura devolvida à vidência.

Fernando confessou um tipo de poeta aquém da vida: escrevem por escapá-la e temê-la. Arthur viveu o avesso dessa doença, e caçoava dos poetas menores, incapazes de suspeitar da primeira e última missão da poesia: contar o real por dentro do próprio corpo – muito antes que os filósofos e cientistas digam “eu”. Por vezes sem saber, os grandes poetas enxergam de muito longe o ouro mais próximo que ninguém vê.

rimbaud2A terrível e maravilhosa missão de abrir as portas do destino teria ido bem mais longe se, logo em seguida, vítima da culpa ressentida e da loucura de não ter sido aplaudido logo e à altura, nosso querido querubim de fogo não tivesse se exilado ainda tão verde e tolo.

Duas vezes grande: na poesia e no silêncio”. O beijo também vai para o escritorial espião desalmado de tantas almas, como o demônio-anjo abissínio, mil vezes sozinho!, mas caseiramente ciente do seu tesouro. Seu egoísmo se satisfez com o reconhecimento público póstumo.

Ah, como para esses mestres exilados dizer se tornou uma sombra triste da vida!: para o escritor sentado, maior que viver era continuar a dizer depois da morte; no nômade que emudeceu e se retirou imensamente, a morte em vida de não ter amado além dos desertos…onde a literatura mata.