Emanuel Freitas
Doutorando em Sociologia (UFC)
Professor de Sociologia (UFERSA)
“Amar é dar o que não se tem a alguém que não o quer”
Lacan
Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 6583/2013, de autoria do deputado pernambucano Anderson Ferreira (PR), que dispõe sobre a criação do “Estatuto da Família”. Seu objetivo maior é normatizar “direitos” e instituir “políticas públicas voltadas para a valorização e apoiamento entidade familiar”. Vê-se, pois, desde o primeiro instante, que há a intenção de definir quem e como se constitui uma família, legando direitos a esses sujeitos e desvalorizando aqueles que, na definição a ser dada, não se encaixem. Mas, qual a definição proposta pelo ‘Estatuto”?
Na contramão do espírito do tempo (longo tempo, diga-se de passagem), define-se família como a unidade formada tão somente a partir de um homem e uma mulher. Em outras palavras, não existe família fora da heterossexualidade e dentro dos padrões estabelecidos da monogamia, ou ainda dos ideais de amor perfeito. Se na extrema ponta excluem-se os casais homoafetivos, no meio do caminho vai alijando dessa definição (que pretende assegurar direitos e políticas públicas) inúmeras famílias compostas de avôs e netos, sobrinhos e tios, irmãos somente, pai e filha, mãe e filha, dentre tantas outras.
Afora essa definição excludente, o tal “Estatuto” ainda prevê a oferta, de forma obrigatória, da disciplina “Educação para a família” nos ensinos fundamental e médio (ou seja: em breve, caso seja aprovado, teremos professores de tal disciplina, com, inclusive, exigência dessa formação acadêmica).
O texto, de autoria de um deputado assumidamente evangélico, não lança ao largo a questão da “diversidade”. Cita-as entre os elementos que desconstroem o “conceito de família”, trazendo problemas à ordem social e aos transtornos psiquicos do indivíduo. Pronto, anunciemos o fim da Psicanálise, ciência sistematizada por Freud que via exatamente na estrutura familiar tal como constituída pela ordem burguesa as origens das neuroses e psicoses. É, ainda, um inchamento do Estado que, se criticado no plano da economia pelos (neo)liberais, é aqui incensado pelos conservadores religiosos decididamente transportados de suas igrejas para o espaço da política. Não duvidemos que, durante o pleito presidencial que se avizinha, os candidatos sejam obrigados a se comprometerem com a aprovação desse “Estatuto”. É uma trincheira que se desliza desde a retirada do “kit anti-homofobia”, passando pelo “Estatuto do nascituro”, “cura gay” etc.
Para não dizer que não falei de flores: desde o dia 11/02 o site da Câmara dos Deputados disponibilizou uma enquete para consultar a opinião sobre o texto. No momento em que escrevo, as opiniões estão divididas meio-a-meio, tendo já mais de meio milhão de votos. Vamos esperar.