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Kamikazes Cotidianos Não Recebem Funerais Pomposos

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Por Ivenio Hermes, com Cezar Alves e Marcos Dionisio Medeiros Caldas

No Brasil, ser agente encarregado de aplicar a lei, ou o operador de segurança pública, ou mais comumente falando, policial, é uma das opções mais difíceis de escolher e terminar seu tempo de serviço sem sequelas.

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Desvalorização Histórica

A persistência de discursos inflamados e cheio de bravatas, dissociados do conceito de civismo e moral, que vem se disseminando, não contribuem em nada para o resgate do respeito e/ou valorização da atividade policial, apartando o profissional da segurança daqueles que são destinatários a prestação de seus serviços, a sociedade, tornando-os apenas tolerados e não reconhecidos como profissionais necessários para a manutenção da lei e da ordem.

É evidente que não existe mais simpatia, de uma forma geral, pelos policiais. Pelo contrário, eles são considerados um mal necessário e, portanto, são punidos com rigores acima do nível do tratamento dado a outros profissionais.

Historicamente o policial sempre foi inserido na cultura brasileira como uma figura a ser temida e não respeitada, e por um certo tempo, dentro das academias de polícia, esse temor foi ensinado como forma de proteção, uma couraça, uma casca criada para esconder o ser humano que existe sob aquele contêiner de emoções como qualquer outro ser humano.

O tratamento dado ao policial é indigno. Enquanto alguns são melhores assalariados, outros recebem um salário de fome; alguns são bem treinados e outros passam grande parte de suas carreiras sem receberem uma atualização de capacitação; a maior parte não possui equipamento adequado para sua função, são mitigados dentro de uma meritocracia às avessas e veem alguns serem privilegiados em detrimento dos outros, não são protegidos pela lei e, em destaque, não são percebidos quando apresentam problemas emocionais ou psicológicos ou, quando são, não vislumbram uma perspectiva de tratamento.

Os Kamikazes

Os kamikazes eram pilotos japoneses cuja missão era entregar uma carga mortal ao inimigo. Seus aviões eram carregados com explosivos e esses homens saíam para a missão sabendo que essa seria a última, pois sua tática consistia em colidir suas aeronaves contra navios dos Aliados. Mas a perda de suas vidas não era uma desonra e, mesmo sem funerais, eles eram reconhecidos como heróis.

A palavra “kami” significa “deus” e “kaze”, “vento”, portanto eles eram o “vento divino”, uma alusão à tempestades que salvaram o povo japonês das investidas dos mongóis nos anos 1247 e 1281. Esse culto à morte simbolizava uma nova salvação para o Japão contra seu atual inimigo.

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Sem correr o risco de estar exagerando, o policial sai todos os dias para promover a segurança de outras pessoas, sob um risco muito maior de perder sua vida do que outras, sem desmerecer outras profissões, mas resguardando as proporções valorativas e a prestação de um serviço para que outros vivam em segurança. Sua função é estar entre o criminoso e o cidadão cumpridor da lei, evitando que este último sofra perdas materiais ou imateriais, tentando restabelecer o equilíbrio entre partes divergentes, que são egressas do rasgo no tecido social provocados pelo próprio Estado, que falhou em promover uma educação de qualidade, o fortalecimento das relações familiares baseadas no respeito e no amparo mútuo, além de outras ausências que muitos só enxergam quando a realidade lhes estapeia a face.

Os policiais brasileiros são kamikazes modernos que enfrentam a morte diariamente, saindo de casa para um plantão sem a certeza do retorno.

Realidade Potiguar

No Rio Grande do Norte existem muitos incidentes envolvendo policiais, dentre eles condutas desviantes em geral e problemas emocionais, todos oriundos da falta de assistência social e acompanhamento psicológico, e num país recheado de políticas assistencialistas, pouco ou nada sobra para o investimento na saúde de um prestador de serviço, que lida com a vida e com a morte todos os dias.

Em 6 de janeiro de 2014 esclarecemos a situação da falta de assistência de saúde, em que policiais militares norte-rio-grandenses vivem, por intermédio do artigo O Rol dos Esquecidos: A Violência Contra os Guardiões. Nele, relembramos a situação do suboficial Marcos Alexandre Moura Tavares, que atirou no comandante do Policiamento Metropolitano, coronel Wellington Alves, que fazia parte do grupo de 151 policiais que estariam afastados por problemas psiquiátricos, sem a devida atenção do Governo.

No dia 24 de janeiro de 2014, 18 dias após aquela publicação, o Capitão Jeverson Fernandes Gondim se suicidou, lançando-se do 8º andar do prédio onde residia, e no dia 14 de março de 2014 o Sargento José Eisenhorwer da Silva Alves, também cometeu o suicídio, com um disparo de arma de fogo.

Em outra corporação, o Agente Penitenciário Federal Rogério Arruda Baicere, também tirou sua vida, vitimizado pela depressão, contudo, em sua nota de suicídio publicada no Blog Kezia Lopes, o agente penitenciário federal denuncia o assédio moral e a traição que o levaram àquela condição final.

Homens que poderiam ter sido salvos, se houvessem tratamento digno para suas doenças e tivessem recebido o respeito devido.

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Além dos casos de suicídios e lesões corporais, foram assassinados 25 soldados, 1 cabo e 2 sargentos da Polícia Militar, 4 agentes penitenciários e 2 agentes de polícia civil.

Embora a contagem acima considere alguns agentes federais, não se pode afastar da realidade de desrespeito aos agentes de segurança. Faltam salários condizentes com suas funções, com seu risco, material e equipamento, todas essas variáveis contribuindo inexoravelmente para futuros problemas de saúde, agravamento dos que já existem, e queira Deus que não, futuras mortes.

Kamikazes Modernos

A sociedade também deixa de valorizar seus guardiões, sempre os tratando como algozes e direcionando seus desapontamentos com o Estado para esses homens. Não há coragem de atirar pedras e nem de agredir políticos corruptos nem criminosos do colarinho branco, mas sobra para atingir os encarregados da segurança.

Nossos policiais estão sendo transformados em kamikazes modernos, mas ao contrário do povo nipônico, os nossos não recebem honrarias quando morrem, no máximo uns poucos colegas comparecem ao serviço fúnebre, e lhes é negada até uma pequena salva de tiros.

Se a sociedade em geral lhes nega o respeito e se o Governo não reconhece seu valor, imagine como o criminoso trata o policial.

Todos os anos centenas de policiais morrem no Brasil, mas nossos kamikazes cotidianos não possuem funerais pomposos, são meras vítimas de toda sorte de doenças laborais, atentados e desrespeito, que acrescentam números às estáticas e cujo nome se perde no esquecimento.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Cezar Alves é jornalista graduado em Comunicação Social, tendo atuado como fotojornalista e editor da página policial no Jornal Gazeta do Oeste, atualmente colabora com a edição do Caderno de Estado do Jornal de Fato e da Coluna Retratos do Oeste, é militante na busca por soluções sociais, com ênfase na segurança pública.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio; ALVES, Cezar; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. Kamikazes Cotidianos Não Recebem Funerais Pomposos. Disponível em: < http://j.mp/PJWf1l >. Publicado em: 16 mar. 2014.