Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
A COPA de Futebol 2014 se avizinha e nem isso faz com que a segurança pública do RN seja tratada com a devida seriedade, resultando em um crescente número de crimes em todas as esferas.
O ano de 2013 encerrou com 22 municípios do Rio Grande do Norte com incidência acima de 10 crimes violentos letais e intencionais, e já em apenas 56 dias de 2014, cinco municípios já alcançaram esse número, sendo que Macaíba, Natal, Parnamirim, São Gonçalo do Amarante e Mossoró, repetem seus papeis na elevação da escala da violência.
Contrapondo aquilo que se espera de uma administração pública humanista, voltada para os problemas sociais mais emergentes, o Governo do RN age como se não percebesse a grande ceifa que a morte colhe quase todos os dias nas terras de Poti, pois, como diz o jornalista Cezar Alves, a Administração de Rosalba Ciarlini “possui outras prioridades” diferentes daquelas que toda a população anseia e o bom senso aconselha observar para o fortalecimento da Democracia e do Estado de Direito.
Não é de hoje que a pauta da segurança da população é apenas uma nota de rodapé, que serve apenas para constar, na agenda das ações planejadas pelo atual governo, que vem preterindo ações empreendedoras mais sustentáveis e condizentes com a nossa triste realidade, desde a sua assunção em janeiro de 2011. Em troca disso, em oposição aos conceitos e regramentos até da lei de Acesso à Informação, a propaganda governamental tentou incutir na mente dos potiguares e dos representantes do Governo Federal, que estavam inovando e ensejando ações e medidas como:
- Criação de um batalhão de Polícia Militar extra em Mossoró: na verdade a estratégia foi a retirada de policiais de uma região para serem colocados em outras, desarticulando um efetivo pequeno e transformando em dois menores, numa ação que somente surtiu efeito num curtíssimo período, e a violência homicida e outros crimes migraram e continuam acontecendo em índices piores do que os anteriores;
- Interiorização da Polícia Civil: política puramente midiática que, como se fez na Polícia Militar, enviando policiais nomeados para o interior sem cobrir a lacuna das vagas anteriores que motivaram as nomeações, brincando de estar presente e expondo profissionais, desequilibrando a polícia investigativa que sofre com a falta de efetivo e de condições mínimas de trabalho.
Ainda é possível citar outras mungangas do Governo do RN, como a Divisão de Homicídios que nunca sai do papel, as diárias e as férias constantemente atrasadas dos policiais militares e civis, atrasos verificados até nas diárias referente a ações cujo sucesso, como no caso do feliz desfecho dos sequestros dos Porcinos, são repetidos como um mantra nas veiculações da mídia governista, como se o esforço e instrumentos particulares investidos no episódio desobrigasse o Estado de realizar suas obrigações.
Uma das controvérsias mais contundentes, está na falta de interesse em ampliar o plantel de policiais, deixando de se recrutar 824 dispostos candidatos aptos para o curso de formação na Polícia Militar ou nomear os Concursados e convocar novo curso de formação para os Suplentes da Polícia Civil, um contrassenso da Governadora Rosalba Ciarlini, que enquanto senadora, foi uma voraz defensora da nomeação de concursados, e hoje age como se não lembrasse de suas palavras no Congresso Nacional.
Quaisquer que fossem as motivações para deixar de contratar policiais, elas não teriam lastro diante do genocídio em curso no Rio Grande do Norte, que como costumamos dizer, se transformou num Rio Grande de Morte, como podemos constatar no número de assassinatos de crianças, adolescentes e jovens até 21 anos de idade em 2013, e ainda restringindo os dados apenas aos bairros de Natal.
Haveria certamente uma diminuição substancial na violência homicida e nos outros crimes se o policiamento ostensivo recebesse 824 novos policiais militares, e havendo mais policiais no policiamento investigativo, poderíamos vislumbrar um resgate da atividade da Polícia Civil no Estado, que hoje sobrevive de operações pontuais ensejadas pelo empenho de policiais cuja vontade de servir é maior do que a falta de respeito com sua profissão.
O Governo do Estado insiste em encontrar em terceiros os culpados pela sua desídia, ora assacando contra o Ministério Público ora contra o Tribunal de Contas, bramindo a Lei de Responsabilidade Fiscal para justificar a não contratação de policiais. Recorde-se que já repetimos a exaustão, como já foi demonstrado em nossos textos desde agosto de 2011 que a Lei de Responsabilidade Fiscal busca o equilíbrio para assegurar a governabilidade e como tal, abraça algumas exceções ao limite prudencial ao tratar de “decisões judiciais” conforme podemos ler no artigo 19, § 1º:
Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados:
§ 1o Na verificação do atendimento dos limites definidos neste artigo, não serão computadas as despesas:
IV – decorrentes de decisão judicial (…)
E também é sabido que nenhum Tribunal de Contas se oporia em frear a onda de violência gerada pela falta de efetivo policial, por isso mesmo que existem consultas nesse âmbito que datam de quase uma década e são favoráveis à contratação, como o parecer do Auditor Substituto de Conselheiro, Alexandre Mariotti sobre o Processo nº 1545-02.00/04-1 de 10 de maio de 2004, cuja conclusão, principalmente alíneas b nos apresenta:
Em síntese conclusiva, entende-se que as dúvidas suscitadas pela Autoridade Consulente devem ser resolvidas nos seguintes termos: (a) existe possibilidade de reposição de servidores em vagas decorrentes de exoneração, demissão ou dispensa resultante do término de contratos temporários por excepcional interesse público, mesmo que atingido o “limite prudencial”, nas áreas de educação, saúde e segurança, (b) a mesma possibilidade de reposição se dá quanto a vagas abertas, nas mesmas condições, em outras áreas que, por imposição constitucional, devam ser atendidas pelos poderes públicos; e, em qualquer dos casos, (c) a reposição deve ser comprovadamente necessária para evitar prejuízo relevante à prestação de serviços públicos e não deverá extrapolar o percentual de comprometimento com despesas com pessoal preexistente.
É o parecer.
O Governo do Estado do RN faz vistas grossas a essa possibilidade no setor da segurança pública, como no caso da Polícia Civil, que ontem, dia 26 de fevereiro de 2014, recebeu através do Diário Oficial do Estado do RN a 9ª portaria nomeação uma pobre resposta à situação de efetivo do órgão com apenas 01 delegado, 01 escrivão e 04 agentes.
E o desrespeito com o órgão é tão grande que essas nomeações que vem sendo fracionadas não passam nem por um critério estratégico mínimo para, pelo menos, evitar o desperdício de tempo, e comete o erro de nomear a candidata Ana Carolina Barbalho Brasileiro, que já havia sido excluída através da Portaria 193/2013-GS/SESED, de 28 de agosto de 2013.
E o descaso no trato com a segurança pública potiguar se reflete, dentre outros aspectos, no quadro de mortes de adolescentes e jovens até aos 21 anos de 2013, que já começa a perversamente se repetir em 2014 num modo contínuo.
Entretanto, no âmbito da saúde, a mesma mão que se recusa a assinar a nomeação de policiais, labora em acerto ao assinar a nomeação de 168 candidatos classificados em concurso público (Edital nº 001/2010-SEARH/SESAP) no Diário Oficial do Estado (D.O.E) da quarta-feira dia 19 de fevereiro de 2014, convocando 81 médicos, 12 farmacêuticos-bioquímicos, 19 enfermeiros e 56 técnicos de enfermagem. Mesmo tratamento devotado igualmente em acerto com a educação, Detran e outros órgãos.
E se içamos essa informação para lastrear nossa argumentação não se dá em desfeita ao ato que aplaudimos acima, mas de entender que a proteção a vida humana também precisa observar outras políticas, como a segurança merece, como não poderia deixar de ser, um olhar que se lhe voltasse sob o princípio da isonomia, resgatando, inclusive, a primazia por se tratar de outros concursados mais antigos e, no caso da Polícia Civil, até já formados na Acadepol. Não se quer privilégio para área da Segurança, mas tratamento isonômico. Simples, assim.
Outra situação que deve ser considerada, até por ser mais atual, é o entendimento do próprio Tribunal de Contas do Estado, em consulta realizada em 13 de setembro de 2011, portanto bem mais recente:
“O termo ‘sentença judicial’ deve ser entendido extensivamente como sendo qualquer decisão judicial e não apenas aquela proferida em primeiro grau de jurisdição, como uma leitura apressada do dispositivo poderia sugerir.”
“É possível o aumento de despesa com pessoal, mesmo atendido o limite prudencial, na hipótese de decisões judiciais (aí incluídas aquelas proferidas pela Justiça do Trabalho), em homenagem ao princípio intrínseco ao Estado Democrático de Direito, de acordo com o art. 22, parágrafo único, inciso I;”
Sobre a consulta acima e sobre as decisões judiciais que determinaram a contratação de policiais, o procurador geral do Estado, Miguel Josino, entrou com recurso alegando que:
“Tratando-se de obrigação de fazer nomeações (só quem nomeia é a Governadora, por expressa disposição constitucional), Juiz de Primeiro Grau não tem competência para dar ordem à Governadora. Esse assunto será analisado pela PGE com cuidado, uma vez que pode haver incompetência legal do Juízo de 1º Grau”.
Existe uma fartura de documentos jurídicos que respaldariam o atual Governo do RN na busca pela minoração urgente dos índices criminais, mas tudo que se pode esperar atualmente são as gambiarras disfarçadas de equipes especiais de investigação quando há comoção pública ou desarticulações de ações como a Operação Avante da Polícia Militar que já havia reduzido ou estabilizado as ocorrências criminais em dadas áreas onde esteve atuando.
O Estado teve tempo, recursos e apoio da sociedade para se preparar para sediar a Copa do Mundo.
Como legado do evento poderíamos sair com serviços público mais qualificados, universais e democráticos.
Pela falta de ousadia e pela mediocridade perversa da gestão, corremos o risco de perdermos investimentos em materiais e equipamentos para a Segurança da ordem de R$ 100 milhões, pela ausência de contrapartida de R$ 35 milhões, nos avizinhamos de perder igualmente cerca de R$ 40 milhões iniciais do Brasil Mais Seguro, repetindo, aliás, o gol contra da devolução dos R$ 12 milhões que deveriam ter recuperados nossas delegacias de Polícia.
Com os elevados índices de homicídios e dentre esses, o genocídio contra crianças, adolescentes e jovens, moradores de rua, travestis e mulheres; a profusão de assaltos, agressões, roubos, furtos, roubos de carros, o RN mal se preparou para receber a Copa do Mundo em meio a uma guerra Civil.
Com o alastramento do funcionamento de Grupos de Extermínio, de Justiceiros e sob o império da lei de Talião não está sendo difícil a Guerra Civil Potiguar nos levar à pura Barbárie.
RIO GRANDE DE MORTE. Até quando?
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.
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REFERÊNCIAS:
Tribunal de Contas do RS. Parecer Acolhido da Consultoria Técnica nº 13/2004 do Processo de Auditoria nº 1545-02.00/04-1. Disponível em: < https://db.tt/NCaedtBY >. Emitido em: 10 mai. 2004.
Tribuna do Norte. Governo do RN recorrerá de decisão que obriga nomeação de concursados. Disponível em: < http://migre.me/ctv0B >. Publicado em: 20 dez. 2012.
Procuradoria Geral de Justiça. Suspensão de Liminar ou Antecipação de Tutela nº 2011.007660-1. Disponível em: < http://db.tt/8YUjugMH >. Emitido em: 13 jul. 2011.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).
HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. Segurança Pública Eclipsada: A Não Contratação Para as Polícias Estaduais no RN. 2014. Disponível em: < http://j.mp/1hCxLyu >. Publicado em: 26 fev. 2014.