Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
Enquanto o Governo do Estado do Rio Grande do Norte recusa-se a recompor os plantéis da Polícia Civil e Militar, a violência vai grassando a partir de corredores que partem dos entornos da Região Metropolitana de Natal ou de municípios como Mossoró. Além dos 265 Crimes Violentos Letais Intencionais que já se pode cotejar neste ano de 2014, que já vai repetindo o banho de sangue verificado em 2013 com uma certa elevação.
Além das mortes matadas, pululam os assaltos a agências de correios e outros correspondentes bancários, assaltos a mercadinho, demais pontos comerciais bem como as residências no interior do Estado, evidenciando que a ausência da presença policial inviabilizada pela nossa desgovernança, atinge de chofre aos municípios interioranos.
Com o Estado se “preparando” para sediar um mega evento como a Copa do Mundo, natural seria que todo um esforço fosse empreendido para que os plantéis policiais estivessem qualificados para a demanda do ponto de vista quantitativo e pela preparação e recursos técnicos disponibilizados que seriam um legado para a população do Estado.
Ao invés do tempo de esperança que poderíamos ter, o RN ficou, a saber, da devolução dos R$ 12 milhões realizados pela SESED no exercício transato e mais, soube na semana que passou que corremos o risco de perder também R$ 100 milhões em equipamentos, pela inexistência de disponibilidade do Estado em oferecer uma contrapartida da ordem de R$ 35 milhões. Os cerca de R$ 40 milhões previstos, inicialmente pelo Brasil Mais Seguro, creio, infelizmente, que também está em risco, o que nos leva ao risco de continuarmos a perder para a violência por WxO.
À natural ação refratária do Governo em contratar mais policiais, acrescente-se o aspecto de que anualmente cerca de 300 PMs deixam a Polícia Militar, pela desmotivação provocada pelos baixos salários, viés militarista tardio e outras “desmotivações”. Neste mês de Janeiro mesmo, houve 23 solicitações de baixas e aposentadorias, o que faz aprofundar a ausência da PM das comunidades volta e meia, mitigada pelo milagre das multiplicações de homens via diárias operacionais, pagas sempre em atrasos, corroendo os momentos de descanso de um profissional tencionado no trabalho de risco e vulnerabiliza sua longevidade no serviço público, além de afastá-lo do convívio familiar.
A distância existente entre o quadro de pessoal previsto para as Policias do estado do Rio Grande do Norte é proporcional à violência e a sensação de insegurança avassaladora em todos os recantos potiguares, pois, mesmo onde não incide fortemente os homicídios, a criminalidade espraiasse no rastro dos pequenos crimes necessários à promoção da dependência química motivada pelo crack. De bairros chiques de Natal a assentamentos rurais.
Alegando que está com as mãos amarradas ora pelo Ministério Público ora pelo tribunal de Contas, ou não possuir recursos ou para empregar na contratação de efetivo, o Governo do RN adota meios que não resolvem a situação, é o chamado cobertor curto para dias de frio, que se cobrem a cabeça, descobrem os pés. Para pretensamente proteger a saúde financeira do estado, deixa os potiguares expostos ao banho de sangue continuado.
E se o atual Governo do RN não possui uma visão humanista da situação de morticínio estabelecida, que pelo menos possuísse uma visão utilitarista e usasse a motivação da COPA do mundo para prover os cargos no setor de segurança, usando a analogia em incidentes semelhantes ocorridos em outros estados, em sua maioria referendando a Constituição Federal de 1988 como diretriz maior, onde em seu artigo art. 6.º profere que:
São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Portanto, é preciso que haja uma necessária conciliação prática entre o equilíbrio das contas públicas e os direitos fundamentais, entre eles a segurança pública, e como disse o Auditor Substituto de Conselheiro Cesar Santolim do TCE do RS, constante do processo nº 1545-0200/04-1:
Assim sendo, em cada situação prática a que se defrontar o administrador, deve ele buscar a garantia dos direitos fundamentais e sociais dos cidadãos, compatibilizando com o equilíbrio das contas públicas.
No mesmo processo o Auditor do TCERS complementa que:
O administrador poderá ser responsabilizado pela ausência na referida prestação de serviços, principalmente nas áreas de saúde, educação e segurança.
Nas gambiarras para a COPA, uma dessas medidas promoverá a migração do crime para as regiões periféricas do epicentro do megaevento, e consequentemente para o interior do Estado. O plano é trazer 500 policiais do interior para dar corpo ao conjunto da segurança que será oferecida para os turistas e torcedores, deixando a população desses locais desprotegidos à mercê de uma verdadeira enxurrada de assaltos às agências de correios, lotéricas, caixas eletrônicos e acima de tudo, sofrendo os efeitos do tsunami de violência que foi contida no epicentro.
Além disso, 60 policiais, da “já tão sem efetivo” Polícia Civil, ficarão à disposição da COPA para o registro de ocorrências que poderão ocorrer no meio do local mais seguro do RN durante, e apenas durante, os eventos.
Roguemos que na delicada situação na qual se encontra o Rio Grande de Morte, seja a notícia acima referida, uma contrainformação, pois, sabedores com meses de antecedência da vulnerabilidade a que estão condenados os nossos municípios interioranos, órfãos de novos e antigos policiais, o crime em organização nem precisará ser tão estruturado para fazer uma espécie de Fanfest do interior. Mesmo que o Brasil seja Hexacampeão, a convivência humana está falida no RN e a copa do Mundo que seria sediada em meio a uma guerra Civil, estará mergulhada na barbárie conforme as últimas notícias.
E a visibilidade de nossas tragédias matará as oportunidades que o nosso turismo poderia ter como legado, pois ninguém planeja passar férias com sua família no Afeganistão ou no Iraque.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
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HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. O Cobertor Curto da Insegurança e o Tsunami da Violência Além do Epicentro da COPA. 2014. Disponível em: < http://j.mp/NuCl8w >. Publicado em: 25 fev. 2014.