Você conhece histórias assim.
Em 12 de fevereiro de 2011, nasceu uma menininha no Mato Grosso com uma anormalidade congênita grave que exigia cirurgia, tratamento médico e atenção redobrada. Diante da gravidade do caso e inúmeras dificuldades que lhe apareceram, a mãe da criança buscou o núcleo da Defensoria Pública no município de Primavera do Leste.
A questão precisou ser judicializada para que o Estado se responsabilizasse pelo tratamento da menina. Então, o juiz Flávio Miraglia Fernandes determinou o bloqueio imediato de R$ 21.849,40 para que o tratamento médico fosse bancado.
No ano passado, o juiz de Currais Novos, Marcus Vinícius Pereira Júnior ficou nacionalmente conhecido ao bloquear as contas de publicidade do governo do Estado. O juiz tinha diante de si inúmeros casos envolvendo pacientes que buscavam que o governo se responsabilizasse por seus tratamentos médicos. A fim de atender a todos, Marcus Vinícius determinou o bloqueio da conta de publicidade do governo. “Essa mulher precisa fazer uma cirurgia para continuar seu tratamento. Então imagine ela em casa à espera do governo, enquanto o vê investindo em publicidade”, considerou à época juiz. E complementou: “Perguntem ao povo se ele quer que os governantes invistam em saúde ou publicidade”.
Em outra frente, o Estadão de hoje estampa a notícia de que a justiça bloqueou um pouco mais de R$ 32 milhões de cinco dos onze denunciados por recebimento de propina no governo de São Paulo da empresa francesa Alstom.
Todas essas questões envolvendo bloqueio de recursos em contas por ação de magistrados sofrem uma ameaça comum. A Câmara dos Deputados aprovou, por 279 votos, acredita-se que sem a devida discussão, o impedimento de que juízes realizem a chamada penhora online, ou eletrônica. A mudança consta de emenda inserida no texto do Novo Código de Processo Civil.
Foi incluído no Artigo 810 do NCPC um parágrafo que prevê que a “penhora a que se refere o caput somente poderá ser realizada em processos onde não caibam mais recursos ou embargos à execução”. Isso significa que bloqueios de conta, em situações emergenciais, como as descritas acima, deverão esperar que o processo transite em julgado. Nisso, as pessoas já, falando francamente, morreram.
Por outro lado, o parágrafo também impede que juízes sequestrem recursos em conta de devedores ao Estado – como devedores ao fisco. Segundo uma nota técnica que o juiz Herval Sampaio Júnior publicou em sua coluna na Internet, tal situação oficializa o calote: “A prevalecer esta emenda, não haverá mais penhora on line em execuções fiscais. Não havendo penhora, não haverá embargos à execução. Não havendo penhora, as execuções se extinguirão por prescrição intercorrente (art. 40, §4º, Lei 86.830/1980)”.
A questão foi encaminhada ao Senado. A um jurista, o presidente da Câmara teria dito que era melhor batalhar porque o lobby é muito forte.
Dos oito deputados potiguares, apenas três participaram da votação – e aprovaram a mudança: Paulo Wagner (PV), Fábio Faria (PSD) e Felipe Maia (DEM). Os demais, mesmo constando como presentes na Câmara, não votaram.
A proposta da emenda foi do deputado do PSDB do Paraná, Alfredo Kaefer. Que consta como industrial, mas recebeu restituição do Imposto de Renda em 2013. Eu, professor universitário, queria saber essa mágica.
Em apenas um processo, julgado no recurso 11193, do Banco Central do Brasil, o deputado Kaefer foi condenado ao pagamento de multa no valor de R$ 125 mil. O motivo: envio de informações falsas ao Banco Central e transações lesivas à Sul Financeira S.A. mediante aquisição de títulos sem valor de mercado.
Mais que isso: Kaefer é alvo de ações de execução fiscal por parte do estado brasileiro. Em apenas uma delas, seu saldo devedor era, em 2012, perto de R$ 2 milhões.
Não parece que, ao propor a emenda 614 ao Artigo 810 do Novo Código de Processo Civil, o deputado tucano legislou em causa própria? E os demais que aprovaram a emenda sem maiores discussões?