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A Liberdade Seletiva, a Insegurança e o Populismo Punitivo da Mídia

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Uma Visão Deturpada do Convívio Social

Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas

Um Cenário Perigoso

Sob uma saraivada de opiniões deturpadas sobre a forma de fazer justiça e promover segurança pública, o Brasil que quer se apresentar ao mundo inteiro como potência, recebendo olhares difusos por estar sediando megaeventos, nos envergonha por ainda ser um país que menospreza o tratamento igualitário para seus cidadãos. Políticos corruptos desfilam em carros caros e ternos finos sob o olhar subserviente de uma imprensa demagoga que defende a liberdade seletiva, ou seja, faz discursos em prol dos ricos e famosos apresentando-os como homens de bem e incitam o populismo punitivo contra negros, pobres e periféricos.

E a prática punitiva segregadora cresce ao encontrar incentivadores em todos os segmentos da sociedade, alguns defendendo criminosos descarados (tanto de colarinho branco quanto os comuns) em discursos pseudo piedosos, outros dão nova roupagem à “campanha adote um bandido”, usando o mesmo mote segregacionista para promover o justiçamento. Pessoas formadoras de opinião, que agem segundo seu próprio senso de percepção da realidade e não percebem o dano que estão causando. Não se percebem como partícipes de uma engrenagem semelhante à Ku Klux Khan ou ao nazismo: aos humanos direitos, todos os direitos e aos “diferentes” quase nenhum direito, um tratamento intolerante e os suplícios.

A sociedade brasileira vem sendo privada de valores e de capacidade de discernimento pela suscetibilidade em que foi jogada, pela ausência do Estado em cumprir com sua parte na proteção de seus cidadãos, motivando pessoas e grupos, sob o incentivo do populismo punitivo da mídia que mostra a vingança como meio de justiça, a cobrirem essa lacuna de acordo com seu julgamento. Ao não estar presente mediando conflitos e atuando para a observação do fiel cumprimento da legislação pelos concidadãos, o Estado abre caminho para as cenas dantescas da atualidade que se disseminam sobre o vilipêndio da dignidade humana.

Um Rio Grande de Morte

INDICE DE AUMENTO DE CVLI 2011 - 2013No Rio Grande do Norte não há propriamente uma recriação desse discurso de justiçamento, mas apenas sua agudização que não recebe maiores óbices do Estado, pois não há polícia que possa fazer frente imediata ao descaso com a segurança existente há muitos anos, em especial nos últimos 3 anos, onde juntando o incentivo de alguns e a ausência do Estado, um falso senso de justiça se cria e recria, adotando diferentes nuances e facetas que apenas evidenciam que o homem, propenso à violência e sem os freios das regras de convivência em sociedade (as leis) retorna ao seu estado de barbárie e volta à prática primordial da lei de talião, olho por olho, dente por dente, e retalia o crime cometendo outro, por vezes mesmo cometendo erro essencial de pessoa, de dente ou de olho.

Somente em feminicídio, o RN teve um aumento de 22% entre 2011 e 2012, e logo em seguida, entre 2012 e 2013, já saltou para 31%, totalizando uma taxa acumulada de crescimento de 27%. A população masculina sofreu um aumento na taxa de mortes matadas de 11% entre 2011 e 2012 e de 37% entre 2012 e 2013, e embora tendo uma taxa inferior ao de mulheres, ou seja, 24%, a realidade se mostra mais facilmente na leitura dos números absolutos, em 2011 foram 998, em 2012, 1113 e em 2013, 1529.

Essa taxa na população masculina possui mais ênfase na população jovem, como pode notar nos primeiros 45 dias de 2014 comparado ao mesmo período em 2013.

CVLI GRADUAL 14.2Entre os menores de 21 anos de idade houve um aumento de 56% no número de assassinatos somente nos primeiros 45 dias de 2014 em relação ao mesmo período de 2013, no grupo compreendido entre acima de 21 anos de idade e até 29 anos, considerado como população jovem, ou jovens adultos, houve um aumento percentual de 12%.

Um Esforço Abaixo do Necessário

O esforço do policiamento ostensivo e as operações setorizadas da Polícia Civil não conseguem frear a insegurança que impera no Rio Grande de Morte, pois as detenções e prisões não continuam seu ciclo através de uma investigação priorizando áreas com maiores índices, isto é, sem uma divisão de homicídios que trabalhe pontualmente a investigação de assassinatos, a liberdade seletiva impulsiona o desequilíbrio social e a mortandade, ou seja, as mortes matadas crescem assustadoramente. E cada flanco bem trilhado de investigação e esclarecimentos de crimes denota que no Rio Grande de Morte, existem inúmeros serials killers comunitários, municipais e estaduais, além de grupos de extermínio em empreendedorismo de natureza privada, estatal ou como se diz modernamente em parcerias público- privado.

Sem a antecipação estudada dos fatos, as polícias civil e militar “enxugam gelo” como costuma dizer o jornalista Cezar Alves, e isso se revela nos cadáveres sem identificação encontrados boiando nos rios, nos esgotos de água servida, em áreas rurais dos municípios e em outros locais, em tão avançado estado de decomposição, que sem nenhuma marca natural de nascença ou tatuagem, nem mesmo os familiares são capazes de reconhecer. Nesses primeiros 45 dias de 2014, já houve um aumento de 50% de vítimas sem identificação em relação ao mesmo período de 2013.

SITUACAO DA INSEG RN 45 DIAS 14.2

Tanto nas Regiões do Estado como nos Bairros de Natal a situação da insegurança no Estado apresenta valores altos para os apenas 45 dias de 2014.

A falta de uma Divisão de Homicídios demonstra a pífia vontade do Governo do RN de ver a justiça ser alcançada de forma isonômica e respeitadora de todos os seus cidadãos, abrindo margem para o justiçamento, para o populismo punitivo e para aquelas mídias vingativas, que não enxergam claramente os direitos e se valem do preconceito e do medo catapultado para estimular a aplicação de pena desproporcional ao delito cometido. Às vezes, também engabelando nesse discurso e na prática histérica pessoas boas massacradas pelo abandono, angústia e por agressões promovidas por delinquentes sem que o estado atue prevenindo, punindo e apartando os delinquentes do convívio social conforme preconizado na legislação e no contrato social.

Conclusões Preocupantes

Os meios físicos são as mais perceptíveis formas de fazer justiçamento, como o linchamento e o assassinato praticado por grupos de justiceiros, mas não se pode esquecer o papel de parte da mídia tendenciosa, incentivadora da vingança, promotora de inverdades que levam pessoas à condenação pública antes de ser dada a elas o direito da ampla defesa e do contraditório, anulando socialmente seres humanos através de uma visão deturpada do convívio social baseado no respeito a “todos” os direitos.

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SOBRE OS AUTORES:

Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.

Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.

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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:

É autorizada a reprodução do texto e das informações em todo ou em parte desde que respeitado o devido crédito ao(s) autor(es).

HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. A Liberdade Seletiva, a Insegurança e o Populismo Punitivo da Mídia: Uma visão deturpada do convívio social. 2014. Disponível em: < http://j.mp/1gZHekk >. Publicado em: 20 fev. 2014.