Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
A TV Assembleia do dia 17 de fevereiro de 2014 exibiu um programa no mínimo cômico se não fosse tão trágica a realidade do Estado do Rio Grande do Norte.
A Gestão Administrativa Executiva, na voz de sua preletora máxima, desatou um emaranhado de contradições apresentando uma realidade, que de tão extremamente surreal, só pode se localizar além da toca do coelho, no país das fantasias governamentais. É sabido que o mundo Rosa nos pôs nas trevas. A paradisíaca terra de Poti vai ficando sorumbática, triste, lúgubre, sombria.
O estado vai se tingindo cada vez mais de vermelho por essa inércia contextualizada na mortandade que assola de meia noite à meia noite, em todas as vias desse Estado de Insegurança. Os homicídios, antes fenômeno apenas periféricos, começam a voltar-se aos bairros e zonas mais centrais. Já os crimes contra o patrimônio fazem nos locais concentradores de riquezas um verdadeiro festival. E a pandemia do crack, ainda não cuidada pelo Estado, promove uma série cotidiana de furtos, assaltos e arrombamentos para sustentabilidade da dependência química dos miseráveis sem alento ou perspectiva de vida que enveredaram por essa beco, ainda sem saída.
Num dos momentos mais alegóricos, a Governadora foi convidada para se dirigir ao púlpito e falar aos deputados. Ao perceber a desaprovação das pessoas que ocupavam as assembleias populares, fitou aquela plateia parecendo perceber-se de volta ao ano passado, quando esteve naquela mesma situação bem próxima ao público insatisfeito com sua gestão, separada apenas por um vidro e tendo como pano de fundo de sua imagem dezenas de cartazes de manifestos desgostosos, e virando-se para o Deputado Motta, ela declinou o convite dizendo: “Deputado Motta, eu vou ficar e falar daqui”. O presidente ainda tentou resguardar um ambiente mínimo possível. Mas é muita desgovernança para se querer conter os gritos de revolta. E ainda foi criticado veladamente por auxiliares da governadora. E mais uma pergunta sadia: quem danado foi o estrategista dos filminhos do país das fantasias?
Desta situação muitos boatos surgiram, dentre eles um que dizia que Rosalba Ciarlini pedira o apoio de seus secretários, para que eles estivessem presentes e tentassem com suas palmas ressecadas, fazer uma espécie de contraponto aos servidores. Ao que parece, as palmas dos comissionados do alto escalão andam ressabiados quem sabe com o atraso de salários e também e pelo continuado assédio moral de que são vítimas no interior da Administração. “Vítimas” na Administração e externamente – pela falência das pastas e das respectivas políticas públicas – algozes da população.
O discurso de Rosalba Ciarlini pareceu uma viagem ao passado, uma olhada nos feitos aparentes que aparecem numa espécie de retrovisor que distorce as imagens, principalmente quando o assunto foi segurança pública.
“No meu governo eu ofereci aos policiais pistolas e coletes, e ainda investi em reformas nas estruturas das Delegacias…”, disse a Governadora numa de suas assertivas sobre a segurança. Contudo, em sua terra de origem, Mossoró, a OAB entra com uma ação civil pública para responsabilizar o Estado justamente pela falta de estrutura mínima de trabalho, passando por falta de material básico como papel e toner para as impressoras e indo até armamento e segurança predial das delegacias.
Dentro da análise mostrada pela chefe do executivo, não houve manifestação alguma sobre o índice de crimes violentos letais e intencionais cometidos no Rio Grande de Morte, e projetos desviam a realidade para o surrealismo ao trocar nomes como a “força tarefa” que agora se chamaria “comissão de policiais”. A munganga é mudada, as dores e o desespero, contudo, são os mesmos. Além das agressões físicas e das mortes, incomensuráveis são os traumas que vão corroendo a paz dos lares e comunidades. A barbárie, sob múltiplas formas, está a bater nas portas potiguares.
São as comissões, que cumprem o papel que deveria ser desempenhado pela Divisão de Homicídios, como a que vai investigar a morte de Izânia Maria Bezerra Alves, esposa de um tenente da PMRN, outra para investigar assassinatos de jornalistas, e outras comissões para resgatar pessoas de evidência das mãos de sequestradores, ou seja, a isonomia no tratamento deu lugar ao privilégio de alguns em detrimento de outros, pois os cidadãos que tiveram seus parentes assassinados e os que morrem diariamente no Rio Grande de Morte, não tem o mesmo tratamento. Quem não tem porta vozes a reclamar pelo esclarecimento dos seus assassinatos são condenados a mais absoluta impunidade. No ano da graça de 2014 na terra de Poti, “todos são iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais”, bem no dizer orwelliano na Revolução dos Bichos, repetido aqui numa Involução às Trevas.
Do pequeno número de delegados, 4 agora serão designados para comissões policiais, e esses policiais farão falta nas delegacias de onde foram tirados, que agora ficarão apenas nas costas dos agentes para investigar e dos escrivães para fazer os Inquéritos Policiais. E não nos esqueçamos que é próprio do tempo de trevas, haver sempre uma reserva dentro da “fartura” de profissionais policiais, prontos para criminalizar os movimentos sociais e quem ouse protestar.
Enquanto coisas assim povoam o discurso governamental, às vezes veladamente por vezes explicitamente, o Ministério Público cede lugar ao Tribunal de Contas do Estado, como culpado da vez, para justificar a inexplicável inércia governamental.
Urge, como penúltima possibilidade antes que a barbárie ceife qualquer ranço de esperança, a efetivação da nomeação de todos os policiais civis já formados que já deveriam ter sido chamados ou o RN vai perder a vida como ente administrativo, agudizando uma situação que já está insustentável enquanto o governo “sobrevive” de falácias.
Sem estudos técnicos a afirmação de que uma das soluções para a onda de violência seria a ocupação do espaço público pelo próprio povo, proferida pelo Secretário Estadual de Segurança Pública e Defesa Social, se perde diante da violação desses locais pela violência que agride as pessoas nos jardins, nas praças, nas quadras, e qualquer outro lugar ante a insignificante força da segurança pública, pois não existem policiais suficientes, seja para atuação preventiva e ostensiva, seja para amenizar as dores de pais, mães, avós, irmãos e amigos na orfandade do não esclarecimento dos homicídios e tentativas que ocorrem nas cercanias desses equipamentos urbanos, além dos crimes de menor monta. Os que ousam insistir na convivência comunitária se expõe diariamente ao crime em organização no estado que consolida-se e se aperfeiçoa ante o absenteísmo estatal.
Sem equipe técnica competente e respaldada, com autoridade de gestão para os subordinados atuarem, o choque da violência aumenta sua intensidade e no momento de maior tensão, eclode em disparos de armas de fogo que exterminam as vidas de jovens, anciãos, mulheres, homens, nas ruas, estradas carroçáveis, e nos espaços públicos.
É preciso uma reflexão ligeira para uma ação imediata através de um choque de gestão, que pare de surgir com soluções imediatistas demandadas pelo clamor público direcionado pela mídia, como as comissões de policiais que apenas legitimam a postergação da implantação da Divisão de Homicídios.
A sociedade civil potiguar precisa reagir por soluções para todos. Por enquanto quem mais sofre é o povo periférico e pobre enquanto as outras classes sociais somente vislumbram de uma certa distância a dor de muitas famílias destroçadas pela violência – muito embora sintam os custos da violência aos seus patrimônios e no transtorno mental que a difusão da violência também provoca.
Chegou-se a um ponto tão grave na falência do Estado que, infelizmente os projetos como o Brasil Mais Seguro e o legado que a Copa deixaria em equipamentos para a segurança são tragédias anunciadas, renovadas, repactuadas e… Consumando-se. Receberemos um mundo em meio a uma Guerra Civil. Pela gambiarra que o Governo Federal auxiliará a montar, há uma tendência de que o genocídio em curso passe por uma espécie de armistício durante o certame, para aflorar com toda brutalidade para quando já formos hexacampeões mundiais.
As palavras da gestora na Assembleia são imersas no surrealismo do mundo no interior da toca do coelho.
O que resta da esperança potiguar, reside e aposta desesperadamente numa retomada cívica do papel das Instituições de controle como o TJ, a Assembleia Legislativa, O Tribunal de Contas do Estado, o Ministério Público para abreviar a desconstituição e desconstrução do Rio Grande do Norte como já acontecera com quase os mesmos atores e atrizes no município de Natal. Reconstruir Natal tá sendo difícil, mas luzes estão aparecendo. Reconstruir o Rio Grande do Norte, pela complexidade de uma gestão estadual, será muito mais. E quanto mais tardar o início dessa reconstrução, menos pessoas e famílias poderão ser felizes na terra potiguar.
Não se trata de golpismo ou casuísmos, mas de uma convocação ao bom senso e espírito público dos que são responsáveis e amam a generosa terra potiguar…
Numa democracia, os democratas não devem assistir quedados o cortejo da sua inviabilização. Precisam ter a audácia dos canalhas, como bem nos legou aquele estadista inglês.
A mediocridade governamental não pode contaminar às Instituições públicas e a sociedade. A barbárie dos grupos de extermínio agindo à luz do dia, os justiçamentos, o genocídio de jovens e adolescentes, o assassinato de mulheres, gays e travestis, assassinato de moradores de rua, mortes, maus tratos e torturas a portadores de transtorno mental amarrados a postes por homens de bem que também dardejam seus ódios pelas redes sociais.
O império da IMPUNIDADE deforma a terra e os valores potiguares. Permitir-se-á que seja abduzida?
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
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HERMES, Ivenio. CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. A Fantasia Governamental e a Realidade Mortal da Violência. Disponível em: < http://j.mp/1kX9JTP >. Publicado em: 19 fev. 2014.