Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
Já são, pelo menos, 180 assassinatos no RN em 2014. Cinco a mais que o mesmo período do ano passado. Não restam muitas alternativas, ou se cria essa Divisão de Homicídios ou estaremos irremediavelmente na rota de nos transformarmos numa nova Alagoas.Para atender a evolução dos índices de cometimento de crimes de homicídio, uma média de 136 mortes por mês somente em 2013 como podemos ver no gráfico acima, e já atingindo a média de 4,5 assassinatos por dia em 2014, é urgente que o projeto da DEHPP saia do papel e se consubstancie na vida real.
Já está provado que as atuais DEHOM, Delegacias de Homicídio, tendo que lidar com um passivo gerado por mais cerca de 5090 crimes violentos letais e intencionais cometidos nos últimos 10 anos, não dá conta nem do passivo, ou seja, daqueles inquéritos policiais que se encontram mofando nas delegacias, quanto mais das ocorrências diárias.
Com a dificuldade que o Estado tem de executar o básico do básico, o crime em organização espraia-se pela região metropolitana migrando de uma cidade a outra deixando um rastro de sangue certo de que sua “obra” ficará impune. Estão mais elaborados com o uso de terceirizações nas execuções, porém cometem erros que um mínimo esforço investigativo evidenciaria tudo com clareza. Mas o governo não quer responder o que me remete a outra análise que, infelizmente, não fica adstrito ao descompasso administrativo. Mais vai até amizades perigosas.
Só isso explicaria o aparente suicídio da gestão. A violência tem custo, vítimas e beneficiários. Os miseráveis matam e morrem, alguns lucram.
A DEHPP, Divisão Especializada de Homicídios e de Proteção à Pessoa, um dos principais projetos para a segurança pública da Administração Ciarlini, vem se arrastando em promessas postergadas, onde o maior obstáculo para sua efetivação é oriundo da falta de contratação de policiais para os cargos criados e que deveriam ser preenchidos pelo concurso público de 2009. E o preço pago são as inúmeras vidas que se perdem sustentadas pela impunidade que impera no Rio Grande de Morte.
Fica estranho e seria uma postura incivilizada nós argumentarmos com as convocações para UERN, Saúde e Educação para exemplificar o descompromisso do RN para com o altíssimo grau de Insegurança social a que chegamos. Educação e saúde são prioridades como deveria ser a Segurança. E as convocações que foram feitas naquelas pastas também estão longe de recompor o quadro de pessoal mínimo desejável para os órgãos. A citação do episódio, pois, não tem ranço de questioná-las em si mas somente de arguir o porquê das contratações também não poderem ser efetivadas no plano da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social.
O projeto inicial da DEHPP visto no quadro acima, vem sofrendo tentativas de redução por parte da administração executiva, não por parte dos policiais ou gestores, não levando em consideração que para o atual número de homicídios que vem acontecendo no estado, qualquer alteração no quadro estrutural causa impacto substancial no resultado, o qual uma Divisão desse porte se destina.
É preciso encontrarmos um mecanismo de forçar a criação desta Divisão. Pois nem os prazos estabelecidos pelo projeto Brasil Mais Seguro, como podem ser vistos nessa tabela extraída do bojo do pacto inicial, foram capazes de torná-la realidade em 2013, e com a repactuação, os próximos prazos coincidirão com a COPA, cuja segurança já está terceirizada para os militares através do Ministério da Defesa, e para o período das eleições, que certamente imporá novos freios à já parada segurança pública do Rio Grande de Morte…
Com a visibilidade que Já temos, qualquer crime ganha os frontais de portais e, desconfiamos que o legado que teríamos de Natal e o RN virarem polos turísticos de uma vez por todas, pode estar sendo dragado pelo ralo da violência, pois ninguém planeja passar férias num cenário de Guerra Civil.
Ao invés de nos anunciarmos ao mundo com uma grade de eventos culturais, religiosos, esportivos e de lazer resgatando a Obra de Câmara Cascudo, Homero Homem, Esmeraldo Siqueira, Hianto de Almeida, Leno, Carlos Zens ou as vozes de Cristal, Fernando Tovar ou de Wígder, o maior cantor do país, ombreado à Ney Matogrosso, nos apresentaremos ao Planeta Futebol como um povo sofrido que padece duma Guerra Civil cuja esperança de se tentar superá-la, nem a ganância capitalista é capaz de movimentar a máquina estatal paquidérmica e perversa.
Dentro em breve inaugurar-se-á o Aeroporto de São Gonçalo do Amarante. O que as Instituições pensam sobre o impacto que a área da segurança sofrerá naquelas paragens? Não estará contaminada com o genocídio em curso em Macaíba? Mortes que ocorreriam em Macaíba ocorrerão também no seu entorno. O crime é perverso e ágil, o Estado, frio e lento. Desconfiamos até que possibilidades de geração de riqueza possam concorrer para o aumento da violência nessa região.
Não é a pobreza que causa a violência. As desigualdades socioeconômicas, a miséria e a cultura de consumo, sim. Associadas a atual indigência administrativa e ao olhar frio e desumano de certas autoridades, consubstanciam um ambiente capaz de ceifar qualquer possibilidade de desenvolvimento do Estado, consumido que está pela violência.
Todas as tragédias verificadas no violento Brasil atual acontecem de forma mais brutal no RN. Todos os grandes escândalos nacionais como assassinatos de crianças, torcedores, adolescentes e jovens, de moradores de rua, de homossexuais, de mulheres (num estado que é governado por uma) aqui estão presentes e impunes e com os índices piorando a cada instante. Sem olvidarmos chagas como a Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes um tema esquecido quando nos preparamos para receber o mundo.
Essa Divisão não é o remédio do peixe elétrico que cura de dor de cotovelo à cartão de crédito quebrado, mas seria uma oportunidade do Estado voltar a acreditar que se pode fazer mais e melhor pelos potiguares, inclusive, na Segurança, desautorizando a tradição de impunidade e trazendo um novo alento para os familiares das vítimas que sofrem pelas perdas e pelo esquecimento institucional. Já fomos até contrários a criação da divisão. Achamos que ela deveria ter a abrangência da Região Metropolitana. Mas parece-me que criá-la hoje é a única janela de alento no curto prazo.
Faz-se a Divisão ou aperta-se mais o abraço do RN com a barbárie. Não resgatamos os indícios de aprofundamento da barbárie afloradas em Redes Sociais ultimamente para não alarmar mais ainda os potiguares desesperados. São tantas dores, tantos episódios macabros que nosso turismo pode sucumbir de vez na maior oportunidade que tem de se desenvolver.
A esperança na possibilidade de um novo tempo para o RIO GRANDE DE NORTE precisa ser cuidada… resgatada desesperadamente, com um olhar no futuro, contudo, já neutralizando as agressões, mortes e traumas atuais pelo funcionamento intersetorial e integrado das Instituições responsáveis pela Segurança e pelo Acesso à Justiça na Terra de Poti que vá além da necessária punição e prevenção da criminalidade, mas que seja também uma ação provedora dos direitos que são inerentes à cidadania pátria, porém que são surrupiados à população em geral.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
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HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. A Divisão de Homicídios ou o Abraço do RN à Barbárie. 2014. Disponível em: < http://j.mp/1kBSIhS >. Publicado em: 12 fev. 2014.