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Os profissionais, as máscaras e a banalização do mal

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Por Maria Helena de Oliveira

Psicóloga Organizacional, docente e cidadã.

 “A essência dos Direitos Humanos é o direito a ter direitos.”

 (Hannah Arendt)

1925228_494620493982259_521369187_nA sociedade atual e, por conseguinte, os seus jovens e profissionais passam por uma forte crise moral: a banalização e a tolerância do mal. A indiferença, a injustiça, a crueldade e o preconceito são expressos cotidianamente, em redes sociais, na mídia em geral e até nos ambientes universitários. Utilizo-me do termo “ambientes universitários” não para sobrepor os profissionais de nível superior àqueles que não frequentaram uma universidade, mas por pressupor que o conhecimento livra-nos da ignorância e nos humaniza. Ao menos deveria.

Christophe Dejours, psiquiatra, psicanalista, professor do Conservatório Nacional de Artes e Ofícios e diretor do Laboratório de Psicologia do Trabalho da França, usa a expressão “banalização do mal” com o mesmo sentido que Hannah Arendt  (1906-1975) a empregou no passado enquanto um processo de tolerância social para com o mal e a injustiça,

O autor compara tal indiferença àquela vivenciada no período do nazismo em que o mal foi “desdramatizado” e as pessoas comuns, adotaram comportamentos inaceitáveis em outras épocas, tornando-se colaboradores ativos ou permissivos, na execução do mal a outros. Este processo de banalização se concretiza por meio da passividade, indiferença e resignação à injustiça e ao sofrimento.

Mas, e hoje, os tempos são outros? Há que se refletir acerca de nossas práticas e posicionamentos enquanto profissionais para que não venhamos a reproduzir de uma forma mais sutil e arbitrária, a dominação do homem pelo homem e a banalização do mal a que se refere Dejours.

Que tempo é esse onde um reitor e amigos professores universitários desdenham e debocham das vestes de um passageiro no aeroporto? Não seria a velha burguesia que, inconformada com a ascensão de uma classe antes desprezada, agora se vê obrigada a transitar junto à “ralé”? A prepotência e ultraje, neste caso, são marcantes.

Que tempo é esse onde um jornalista, diante da barbárie de um infrator amarrado a um poste recomenda ironicamente: “tá com pena? leva pra casa!”? Não caberia a ele uma mínima “dose” de consciência social e moral de modo a não se colocar à margem das leis, independente de posicionamentos políticos-ideológicos?

Que tempo é esse onde uma jornalista ridiculariza uma médica, comparando-a a uma empregada doméstica, classificando-a como “sem postura”? Significa dizer que empregadas domésticas servem de parâmetro para ausência de postura? Novamente a velha arrogância e preconceito. Deve ser o título de jornalista que lhe confere tal direito. Quem sabe?

Que tempo é esse onde um jornalista, por não apoiar um protesto de uma classe médica, se vê ameaçado por um deles? “Um dia vai precisar da gente e vou lembrar de sua linda fisionomia” dizia a mensagem publicada em rede social. Hipócrates (e seu juramento) deve ter tremido no túmulo. De vergonha!

Que tempo é esse em que um desembargador, ferido em seu “narcisismo primário” humilha um garçom por não ter colocado gelo em seu copo e, aos gritos, exige que seja tratado por excelência. Ora, com tanto estudo e tamanha “patente”, é compreensível que a tal V. excelência deseje ser reverenciada pela classe subalterna. Pedantismo puro!

Que tempo é esse em que um magistrado, incomodado com a proximidade física de um estagiário do Superior Tribunal de Justiça (STF) em um caixa eletrônico, o humilha e demite-o em seguida? A humilhação se deu nos mesmos moldes do desembargador citado acima:  “você sabe com quem está falando”? Após o julgamento (comprovando a força do poder), o estagiário perdeu a causa.

Que tempo é esse em que por força de um ativismo desmedido (e duvidoso) um jovem dito “Black bloc” estoura rojões em pleno espaço público pondo em risco a vida de outrem e matando um cinegrafista? O que ele esconde? Quem ele é? A máscara por ele usada esconde, na verdade, uma face irresponsável e cruel. Será este o profissional do futuro? Positiva que sou, espero que não.

E o que dizer de uma profissional que se autointitula “psicóloga cristã”, que persegue implacavelmente homossexuais e seus direitos, e fere o código de ética de sua profissão? Uma análise mais apurada acerca de mecanismos projetivos à luz da teoria freudiana certamente nos explicaria tamanha intransigência.

E por falar em direitos, vale lembrar que tolerância, respeito ao outro e a dignidade humana, são direitos humanos garantidos.  Direitos Humanos não é um “ente” o qual se deve atacar arbitrariamente. Trata-se, antes de tudo, de um principio moral que rege a conduta humana cabendo não um ataque, mas uma reflexão. Ainda que diante do mal, não podemos abrir mão, tão pouco negar este direito a outrem. O juramento de Hipócrates, os códigos de ética profissionais e a declaração de direitos humanos não são meros tratados, mas a materialização da necessidade humana de CONVIVER.

Infelizmente, caídas as máscaras, as posturas acima expostas revelam a face oculta e cruel daqueles que, por princípio, têm como dever e responsabilidade, o compromisso social de conscientização e combate a todas as formas de injustiça, discriminação e preconceito social. Porém, o quadro que se apresenta é de uma séria crise moral, expressa por meio de atitudes quando não cruéis, arrogantes, discriminatórias e fascistas. As máscaras de hoje, lamentavelmente, podem determinar os jovens e profissionais do amanhã. Que tempo é esse? Tempo de honrarmos os nossos diplomas, reavivarmos os nossos códigos e reumanizar-nos.