Por Ivenio Hermes e Marcos Dionisio Medeiros Caldas
A despeito dos valorosos esforços individuais de diversos policiais, sem uma política de segurança pública que se origine na própria SESED, a partir da avaliação dos dados recolhidos cotidianamente e que deveriam ser compartilhados com a sociedade em atenção à Lei de Acesso à Informação, e que fosse orientada para o trabalho integrado e direcionado para as manchas criminais, o fim de semana, como não poderia deixar de ser no RIO GRANDE DE MORTE foi novamente violento.
Os crimes violentos letais e intencionais dos 9 primeiros dias de fevereiro de 2014 superaram o mesmo período em 2013 em 32,35%, ou seja, 45 mortes contra 34. Na população jovem, menores que 21 anos de idade, foram 71,42% de aumento, numa contínua mostra da falência da segurança pública potiguar.
Na região metropolitana do Natal, onde há uma concentração maior de esforços dos profissionais de segurança pública, os criminosos estão cada vez mais corajosos em seu enfrentamento beligerante das forças policiais e da sociedade. Somente no último fim de semana foram pelo menos 3 mortes provocadas pelo embate entre bandidos e policiais, sem falar nos feridos, incluindo Isaac Heleno, o famoso e procurado Rivotril, que foi preso após ter sido alvejado por policiais.
O crime atinge nuances multicolores. Membros de pretensas torcidas organizadas de futebol atiram em torcedores de times adversários, numa propagação de um tipo de violência segregadora que faz escola entre outros segmentos, como a homofobia, já responsável por três assassinatos de membros da comunidade LGBT natalense nesses 40 dias de 2014, além de tentativas de homicídios que se converteram em lesões que por si próprias são também um monumento ao preconceito.
Sem nenhum limite, bandidos estão certos de que sua permanência no encarceramento não é o suficiente para impedir seu intento criminal, e colocam à prova a segurança privada composta por vigilantes, muros com cerca elétrica e cacos de vidro, cães de guarda, seguranças particulares, veículos com rastreadores, grades nas portas e janelas, e até sistemas de bloqueio de energia em casas de praia. Aliás, localidades usadas para fim de semana, têm sofrido com a ação de arrombadores e dezenas de residências estão sendo colocadas à venda, pois os proprietários não aguentam mais pagarem dobradamente a conta da segurança pública que o governo não percebe, afinal de contas, ela sai do bolso daqueles que já pagam fortunas em impostos que compõe a mais alta Carga Tributária do planeta, que deveria ser revertido em políticas públicas, dentre as quais, a segurança. A desvalorização dos imóveis faz parte também do custo embutido da violência.
Desse bolo podre de insegurança, fatiado na região metropolitana, as maiores fatias ficam com a população de Natal com 61% (67 cvli), de Parnamirim com 10% (11) e de Macaíba com 8% (9), as outras fatias ficam com São Gonçalo do Amarante, São José de Mipibu com 6% e Ceará-Mirim com 5,33% (6) cada uma, Nísia Floresta com 2% (2) e Maxaranguape e Extremoz com 1% (1) cada, sendo que excepcionalmente Monte Alegre e Vera Cruz ainda não precisaram provar deste bolo amargo.
Das 67 mortes violentas do município do Natal, 74% aconteceram nas Zonas Norte e Oeste, isto é, 37% ou 25 mortes em cada uma, com destaque negativo para a evolução dos CVLI em Felipe Camarão que retomou a dianteira da capital neste 2014 com 10 ocorrências. Depois seguem: 4 em Quintas e 2 na Cidade da Esperança, para a marcha dos números nos bairros da Zona Norte que evidenciam a tragédia que será auferida ao final do ano.
Por ora, Nossa Senhora da Apresentação apresenta 8 mortes, 7 em Potengi, 6 em Lagoa Azul, 3 em Pajuçara, Redinha e Igapó com um, cada.
Na Zona Sul ocorreram 12% e na Zona Leste foram 11% e os restantes 3% não houve local determinado.
Apesar da sensação de insegurança está disseminada por toda Natal, principalmente pelas ocorrências de assaltos, furtos e roubos, os homicídios concentram-se em Nossa Senhora da Apresentação, Potengi, Pajuçara, Lagoa Azul, Redinha e Igapó na Zona Norte; Felipe Camarão, Quintas, Bom Pastor, Cidade Nova, Planalto e Dix-Sept Rosado, na Zona Oeste; Mãe Luíza, na Zona Leste e Ponta Negra, na Zona Sul. Mapeando-se os locais e os horários das ocorrências e com um profundo levantamento de inteligência dos envolvidos na criminalidade nessas regiões, poder-se-ia conseguir o estancamento da violência letal, enquanto se tratava de remontar as políticas públicas que minimizariam o fosso demográfico de gênero que já se começa a verificar, sobretudo, na população jovem masculina.
Analisando o mesmo período nos anos 2013 e 2014, podemos notar como a prática homicida se comportou nos municípios da região metropolitana.
Estabilidade: Vera Cruz (nenhuma ocorrência), Ceará Mirim (6) e Parnamirim (11);
Diminuição: Extremoz (4 para 1), Monte Alegre (2 para zero) e São Gonçalo do Amarante (9 para 6);
Aumento: Maxaranguape (zero para 1), Macaíba (6 para 9), São José de Mipibu (zero para 6), Nísia Floresta aumentou (1 para 2) e Natal (58 para 67).
No Oeste Potiguar ocorreram 21% dos cvli do Estado do RN, o maior índice registrado fora da Região Metropolitana, que está inserida no Leste Potiguar e fica com 64%. Em seguida vem Central Potiguar com 8% e Agreste com 6%.
Apesar de Mossoró ter ficado dois fins de semana sem crimes violentos letais e intencionais, a violência aparentemente contida se manifestou em várias tentativas de homicídio e voltou a se manifestar. Mossoró já tem 13 cvli, ou seja, 35%. Foram 11 mortes registradas no local e mais duas que ocorreram em seguida nos hospitais das região, conforme informações obtidas diretamente nesses locais.
As ações de segurança têm sido pulverizadas e tratadas de acordo com modelos de ação estabelecidos em cada órgão, e dentro desse órgão ainda existem novas diversificações desarticuladas de um paradigma estudado para o combate efetivo do crime, fazendo com que a violência contida se transforme numa força pronta para se libertar, cujos efeitos são ainda mais perceptíveis.
Num fim de semana com 16 homicídios em todo o Estado e num mês com um índice de aumento relativo ao mesmo período do ano passado em 32%, não se pode querer culpar uma “abstrata” crise financeira para justificar as lacunas de investimentos e manutenção em um mínimo possível.
Como aproxima-se o período eleitoral, a gestão vai começar a querer encontrar “seus” culpados para o genocídio em curso do povo potiguar e não hesitará em descartar como bagaço de laranja quem lhe foi servil.
Para desalento dos potiguares, todavia, esse descarte não implicará em mudanças alvissareiras pois falta credibilidade à gestão para tentar superar a atual onda de violência e a insegurança social que, infelizmente, fez do estado sua moradia.
Os Direitos e Garantias Individuais do povo potiguar estão perigosamente em risco e a tendência é que o desencontro gerencial aprofunde o clima de insegurança atual.
A proximidade da Copa, a visibilidade internacional que nossa cidade está tendo e as pressões que começarão a chegar cada vez mais fortes de agências de viagem e de governos estrangeiros poderá fazer o governo aprofundar o apartheid social tão caro à FIFA procurando blindar os turistas e o corredor da Copa em detrimento do restante da população.
A beligerância advinda dos grupos de extermínio que atuam na periferia, o genocídio de adolescentes e jovens, as mortes imputadas às torcidas organizadas, os assassinatos e agressões a Travestis e homossexuais, a mulheres, a portadores de transtorno mental, linchamentos, agressões machistas e a falta de esperança do povo potiguar numa mudança a curto prazo, transformaram o RN numa usina de pesadelos, onde o pior do Brasil que é a violência, se manifesta em sua plenitude.
Para alcançarmos um caminho sem volta até a médio prazo, basta o limitado Brasil Mais Seguro se desmoronar, situação da qual, tragicamente, não estamos distante.
O Rio Grande de Morte precisa reinventar a cordialidade perdida e uma mínima coexistência pacífica nas comunidades.
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SOBRE OS AUTORES:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
Marcos Dionísio Medeiros Caldas, advogado e militante dos Direitos Humanos, Presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos/RN e Coordenador do Comitê Popular da Copa – Natal 2014, com efetiva participação em uma infinidade de grupos promotores dos direitos fundamentais, além de ser mediador em situações de conflito entre polícia e criminosos e em situações de crise de uma forma geral.
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DIREITOS AUTORAIS E REGRAS PARA REFERÊNCIAS:
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HERMES, Ivenio; CALDAS, Marcos Dionisio Medeiros. As Atitudes Beligerantes Liberando a Violência Contida no RN. 2014. Disponível em: < http://j.mp/1luqqqJ >. Publicado em: 10 fev. 2014.