Por Magnus Henry da Silva Marques
(Militante do levante popular da juventude e da consulta popular)
Você não sabe o valor que a capoeira tem
Ela tem valor demais
Vê se segura, rapaz
Você não sabe o valor que a capoeira tem
A capoeira é uma luta que foi forjada em meio à escravidão como um instrumento de resistência em face à opressão dos brancos contras os negros. Ela surge de um povo que se viu forçadamente afastado de sua terra natal, de suas famílias, que foi amontoado nos navios negreiros, que foi amarrado ao tronco e que se viu obrigado a trabalhar nas plantações de algodão, de cana e na cozinha da casa grande. Enquanto isso, o povo que sequestrou os negros de suas terras ocupava as esferas de poder do Brasil colonial, se apropriava da riqueza produzida pelos escravos, estuprava e matava negros, negras, índias e índios. Por isso, a capoeira foi criada não para combate entre iguais, mas sim entre o povo branco opressor e o povo negro escravizado e oprimido.
Dessa forma, a capoeira não é uma luta de medição de força e sim de malícia, de contra-ataque, por isso, o bom capoeirista e a boa capoeirista fazem seu jogo a partir do outro, do seu oponente, decidem como e quando atacará a partir da observação do outro, camarada ou não, esperam o momento em que o adversário está mais vulnerável, mais desequilibrado, para darem uma rasteira, um rabo de arraia, ou uma meia lua de compasso. Quando o outro ataca sem haver qualquer chance de contra-ataque, o capoeirista e a capoeirista se afastam para se aproximar logo em seguida, dificultando o jogo do outro. No entanto, sempre vem um ou outro ataque que não dá para escapar, para esquivar, como aquela chapa no meio de uma meia lua de compasso, nesse caso, eles deixam entrar o golpe de forma que ele seja menos efetivo, se deixam cair, mas sempre com a mão no chão, mantendo o equilíbrio.
Para pensar a luta de classes e agir nela alguns elementos do jogo de capoeira devem ser resgatados ou estaremos apenas medindo força com um oponente mais forte; ou nos deixaremos derrubar na primeira movimentação do outro. Um bom gingado que sabe usar o ritmo da roda é importantíssimo em um bom jogo de capoeira, mas o essencial é saber usar seu corpo, sua força e prever a movimentação de seu adversário.
Na luta de classes isso não é diferente, a história não é nosso oponente, é no máximo nossa roda que dá o ritmo através da conjuntura e da correlação de forças, e por ela podem ser engolidos apenas os que não se movimentam, os que não agem, ou os que dão passos maiores que ela. A capoeira é um símbolo de resistência, um instrumento utilizado por setores oprimidos na luta contra uma sociedade, um sistema, escravista, e o seu gingado, a sua malícia, e principalmente a habilidade de prever os movimentos do oponente e de decidir qual a tática de ataque mais eficaz para atingi-lo, derrubá-lo, devem ser apreendidos pelos setores populares (trabalhadores e trabalhadoras, camponesas e camponeses, etc.) também na luta de classes.
O atabaque, o berimbau, o agogô, as palmas, o canto, o ritmo da história indicam um jogo mais agressivo nesse próximo período que se avizinha. Esse indicativo fica evidente quando fazemos uma retrospectiva do ano que passou, avaliamos o aumento do número de greves e refletimos sobre os movimentos massivos que tomaram conta das ruas do Brasil em junho de 2013. Ora, acaba de surgir para a esquerda a oportunidade do contra-ataque, de colocar toda a sua força e mandinga em questões centrais e estruturais como a do exercício do poder, seja pela mudança na conjuntura e pela possibilidade de transformações na correlação de forças, ou mesmo pela brecha deixada pelos setores conservadores no momento da disputa dos corações e mentes da massa que ocupava as ruas em junho de 2013, da incessante tentativa de judicialização da política a partir do desastroso julgamento da AP 470 (o famigerado “mensalão”), do endeusamento dos tribunais superiores (STF) e a sacralização de suas decisões, dos escândalos dos metrôs paulistas, da confissão de seus porta-vozes, em especial da Rede Globo, do apoio às atrocidades cometidas pela ditadura militar, etc.
Todos os movimentos bem pensados, mas estabanados, dos setores da direita do fim desse período que passou tem exigido que a esquerda, que o povo, que a classe trabalhadora discuta como e quem exerce o poder no Brasil, permitindo que, no momento em que luta de classes se acirre ainda mais, e o berimbau e o atabaque da história toquem ritmos ainda mais fortes, ainda mais agressivos, o povo possa finalmente implantar o sue projeto de nação: um projeto popular para o Brasil e para a América Latina. Materializando, assim, as reformas de base prometidas num passado próximo, permitindo ainda que o povo tome as decisões nas diversas esferas da sociedade brasileira, que a saúde, a educação, a moradia, a boa alimentação, a creche, a terra, a cultura, o transporte público, o trabalho sejam direitos de todos e de todas.
Isso tudo perpassa necessariamente pela discussão de quem e de como se exerce o poder, e qualquer discurso que negue a centralidade disso para a classe trabalhadora ou não possui a malícia e a ginga necessária para se ganhar o jogo da luta de classes, ou está em uma situação muito confortável na forma com que se exerce o poder no país, e por isso, prefere permanecer em um jogo de esquivas.
Exatamente por isso um setor da esquerda brasileira tem se colocado numa luta de unidade ampla para colocar em cheque as bases que sustentam a política conservadora do país que é a construção do Plebiscito Popular pela Constituinte Exclusiva e Soberana pela Reforma Política, aproveitando o momento de vulnerabilidade do nosso adversário na luta de classes, usando o próprio movimento dele em seu desfavor, acertando o seu ponto de equilíbrio. Deve parecer óbvio que a campanha pela constituinte não é um movimento espontaneísta e impensado, e nem muito menos está desligado das pautas e bandeiras históricas e conjunturais do povo brasileiro e é isso que garante a força e a presteza do movimento que planejamos realizar. Discutir a reforma política é a tática que, além de derrubar nosso oponente, pode dar velocidade e força a todos os movimentos que pretendermos realizar nos próximos períodos.
Claro que para jogar na luta de classes, e numa roda de capoeira, precisamos ter certo quem é nosso inimigo, nosso oponente, ou poderemos acabar recebendo qualquer ataque pelas nossas costas. Desse modo, temos muito claro que o nosso inimigo é muito mais forte e muito maior que um governo. O nosso inimigo é sim a burguesia, o imperialismo. Se setores que compõem o governo ou a frente que o sustenta sentir que é hora também de mudar o jogo e vier somar o nosso movimento de contra-ataque, que se sintam confortáveis a somar a nossa força. Antes de blindar qualquer governo, a campanha do plebiscito deixa evidente que a classe trabalhadora tem suas próprias pautas, seu próprio projeto, e que já não esperam muita coisa do pacto de classes selado pelo neodesenvolvimentismo, e que o estilo do seu jogo, o seu projeto, será o popular.
A luta de classes, companheiros e companheiras, não é uma roda de camaradagem, e, nela, quem não se movimenta paralisa o jogo, e qualquer coisa que não seja um contra-ataque nesse ritmo mais agressivo só manterá a esquerda gastando energia nas esquivas e saídas.