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PEDRINHAS, ALCAÇUZ E AS DISPUTAS POLITICAS EM TORNO DA QUESTÃO CARCERÁRIA

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Caio Cézar Gabriel

Historiador e Mestre em Estudos Urbanos e Regionais (UFRN)

Graduando em Direito (UERN)

ccges@hotmail.com

Nos últimos dias a imprensa vem incessantemente trazendo à tona a crise do sistema prisional e da segurança pública do estado do Maranhão, com olhares específicos para o complexo penitenciário de Pedrinhas, situado a 15 Quilômetros da capital São Luís. Os fatos vieram a tona após uma sequência de rebeliões e motins, onde cerca de 60 apenados foram assassinados somente no ano de 2013, lembrando que os esquartejamentos e estupros dentro dos muros da unidade foram seguidos  de um “Salve Geral” (onda de ataques) contra postos policiais e prédios públicos, que vieram a substanciar os ingredientes perfeitos para o desencadeamento de um pânico coletivo. Fora as cenas macabras de presos decapitados, que agora circulam em meio as redes sociais e aos celulares de última geração, a morte de uma criança durante os ataques veio ainda mais a escurecer e dramatizar os fatos.

A tragédia vivenciada no estado do Maranhão em nada está servindo de exemplo para que os modelos de políticas de segurança pública e de sistema carcerário sejam repensados nesse país, aliás, se é que um dia já foram pensados. Quando a “bomba explodiu” o que se via era muito mais uma batalha travada em torno das picuinhas meramente políticas fomentadas por meio de joguetes partidários com trocas de acusações ente situação e oposição, onde isso ficou claro a partir do momento em que o fatídico passou a ser associado ao sistema patronal de governo no Maranhão, sob a liderança da família Sarney, que consequentemente faz parte da base governista do executivo nacional. A consequência desse jogo político de gato e rato foi semelhante ao estampido de uma bomba de efeito moral, pois os olhares em torno da situação caótica vivenciada em todo o sistema carcerário do país foram dispersados a uma única direção, a Pedrinhas, que por sua vez foi sendo pintada por meio dos noticiários como uma exceção do nosso aparato prisional, como se aquele modelo decadente e desumano de política penal, quase medievo, fosse peculiaridade de um estado que ainda traz consigo fortes ranços coronelísticos e patriarcais no cenário político local.

Porém, é aí é que reside o ledo engano: no sentido contrário de Pedrinhas, na outra ponta do iceberg, temos o estado de São Paulo. Considerada a capital econômica do país, São Paulo é o ente da federação que mais soma com a produção do PIB brasileiro, onde sozinho foi responsável pela fatia de 11,5% do nosso Produto Interno Bruto somente no ano 2013, sem falar nas sucessivas posições vantajosas que ocupa no ranking de cidades globais. Não sejamos ingênuos em crê que o Produto Interno Bruto por si só se constitua como um indicativo que explica a complexidade do empreendimento de políticas públicas sociais a nível local, mas em parte os números diagnosticam o nível de riqueza do estado.

Entretanto, a capital dita cosmopolita do Brasil tem problemas similares ao protetorado dos Sarneys no que tange aos assuntos relacionados a segurança pública e a questão carcerária, e um deles é o da superlotação dos presídios, pois de acordo com o SAP (Secretária de Administração Penitenciária de São Paulo) a cada 10 presídios estaduais, 9 estão com suas capacidades de lotação bem acima do limite, aliás, superlotação é apenas uma das atribulações que o governo paulistano “enfrenta”, pois poderíamos passar um bom tempo aqui falando sobre outras adversidades que são similares entre os dois estados, como os que decorrem das políticas penais extremadas, das graves violações dos Direitos Humanos  e da expansão e fortalecimento do crime organizado.

A analogia entre São Paulo e o Maranhão é lúdica na medida em que vemos o quanto o foco de discussão da questão é desvirtuado quando as intenções são meramente a de alavancar ataques políticos, onde o que é posto como problema especifico de um estado dos confins do Nordeste, na verdade é um infortúnio inerente a todo o Brasil.

Sincronicamente, na semana passada a edição online da revista Época publicou uma matéria, inclusive sendo tema de capa, sobre a presente situação do presídio de Alcaçuz (http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2014/01/bbarbarieb-no-presidio-de-alcacuz-no-rio-grande-do-norte-um-novo-maranhao.html), onde os autores chegam a colocar a cadeia potiguar como um “forte candidato a se tornar um próximo Maranhão” devido a continuidade das condições degradantes e desumanas que o presídio oferece aos seus reclusos. O ponto de partida da analogia entre o caso de Pedrinhas e de Alcaçuz foi a visita, em abril de 2013, do presidente do Conselho Nacional de Justiça ao RN, o ministro Joaquim Barbosa. Decorrido quase 1 (um) ano da passada de Barbosa e da explanação do relatório do CNJ, os autores afirmam que as condições de insalubridade não só permaneceram, como também pioraram, e nessa gama narrativa, em que se foi dando nomes aos bois, o caos do sistema penitenciário norteriograndense é atribuído a inoperância da governadora Rosalba Ciarline (DEM), que além da inércia administrativa da pauta (que ficou evidente na aplicação de R$ 2 milhões de reais no sistema, quando na verdade fora anunciado a liberação de R$ 6 milhões), conta também com outros fatores negativos que retroagem ao seu governo, como a política dos “presídios de papel”, empreendidas ainda na gestão de Wilma de Farias (PSB, 2003-2010).

Uma prova de que o debate vai ganhando tons políticos são as relevantes contradições contidas ao longo do texto da Época, onde o falso senso de protesto jornalístico, que soa mais como uma hostilidade gratuita ao governo PT, fica explicito quando União é acusada de gastar apenas 19% dos R$ 348 milhões, em 2013, do Fundo Nacional Penitenciário (FUNPEN) em virtude do “contingenciamento dos recursos para superávit primário”, mas em contrapartida a “barbárie” de Pedrinhas foi atribuída ao descontrole e a abstinência gerencial de Roseana Sarney (PMDB-MA), principalmente quando a chefe do executivo estadual devolveu aos cofres da Secretaria Nacional de Justiça a soma de R$ 22 milhões porque a pasta de assuntos penitenciários “deixou de apresentar projetos que atendiam às exigências técnicas para a construção de presídios”. Em suma: como se explica um arrocho das finanças, e a contenção de gastos do governo quando valores vultosos são devolvidos pelos estados a união por não haver apresentação de propostas concretas de implantação de políticas setoriais? Isso não seria ilógico?

A utilização do tema para alçar voos oposicionistas ao executivo nacional vai se desenrolando, e a “isonomia” jornalística presente no corpo da redação da Época vai caminhando para um precipício perigoso que finda no desconcerto profissional da ética quando as queixas vão ganhando cada vez mais tons vazios, onde a “Benção de Dilma” é afortunada em Pedrinhas sob a acusação de “demora” da manifestação formal da chefe de Estado diante da situação. E em Alcaçuz? A, essa não passou batida pela reportagem: as vaias desconcertantes direcionadas a governadora do Rio Grande no Norte na inauguração do campus do IFRN, em outubro de 2013 no município de Ceará-Mirim, e a tentativa de amenização do vexame pela presidenta em meio a cerimônia, para os autores foram elementos suficientes para explicar o “desdém” que a questão carcerária vem recebendo por parte do governo central, especialmente na região Nordeste, que é “onde Dilma Rousseff, proporcionalmente, teve mais votos nas últimas eleições.” Ou seja: não bastassem as vaias para explicar Alcaçuz, tem que haver também uma pitada de ingratidão!

De um modo geral, o que é mais espavorido é ausência de um debate público sério em que os teores da mesquinharia política fossem ausentes. Cortar da própria carne e reconhecer que a questão carcerária nesse país ultrapassa as muralhas das prisões é o primeiro grande passo, levando em consideração que a questão é pertinente e perpendicular a tantas outras, e não seria tão difícil enxergar que a importância da reprodução das relações sociais extramuros; a real função social dos presídios; a aparente falência do papel “ressocializador” das cadeias; a necessidade de um novo conceito de Policia e de Segurança Pública; a incompatibilidade entre um Estado policial e um Estado democrático de Direito; a efetivação dos Direitos Humanos essenciais e a cristalização de políticas sociais que visem a atender os princípios primordiais de respeito a dignidade da pessoa humana são também pontos de pautas que devem ser vistos, pensados e postos em prática em consonância com políticas carcerárias. Enquanto não lançarmos esses olhares a uma perspectiva mais ampla, outros Carandirus, Pedrinhas e Alcaçuz continuarão a serem encarados como fenômenos sociais absolutamente normais e ainda sim continuarão a permear as páginas mais tristes e sombrias da nossa História social.