Por Alípio Sousa Filho
(Sociólogo e Prof. do Dep. de Ciências Sociais – UFRN)
Publicado originalmente no Jornal Tribuna do Norte
Passadas as jornadas de junho de 2013, o país se volta para o assunto dos chamados rolezinhos. Como as jornadas, os rolezinhos são aglomerações de jovens em algumas cidades brasileiras, só que, desta vez, nos corredores de alguns shoppings centers. Menos transclassistas que as jornadas, eles concentram majoritariamente jovens mais pobres, habitantes do que o preconceito nomeia de “periferia” das cidades. Mas já encontraram solidariedade nos setores jovens de outras camadas sociais e movimentos sociais progressistas. Ora, se se tratasse de uma referência à geografia das cidades, as periferias seriam as regiões afastadas de seus centros. Mas não é isso. No imaginário social (constituído por representações sociais as mais diversas, entre estas, representações estereotipadas, preconceituosas), periferia constitui o lugar onde se aglomeram os pobres. Na representação imaginária, se habitam regiões afastadas dos centros das cidades, os ricos moram em bairros nobres, aristocráticos, “chiques”. Não morando nestes bairros, os jovens dos rolezinhos, então, são nossos “jovens da periferia”.
E são mesmo! O fato é que eles habitam a periferia da vida. A periferia da vida econômica, social, política e cultural da sociedade brasileira. Embora em outros países não seja diferente.
No nosso país, políticas recentes de distribuição de renda serviram para retirar da miséria absoluta alguns tantos (lhes deram o que comer, que sequer isso tinham!) e políticas de crédito fácil para consumo primário (geladeira, fogão, televisão etc.) serviram para alimentar a fantasia dos mais pobres que estão “ascendendo” socialmente. Fantasia útil! Para governantes e partidos no poder, essas políticas serviram para alimentar a fábula sociológica (ou ideológica?) de uma “nova classe média”, maquiando-se dados de acesso a consumo (que podem mudar ao sabor dos ventos das chamadas políticas econômicas), como se correspondessem a padrões reais de mobilidade social na estrutura de classes da sociedade brasileira. Nada disso: basta uma virada dos atuais modelos de incentivo ao consumo, aumento de juros, corte de crédito etc. para a “nova classe média” ficar pobre outra vez! Não é nova classe, porque classe social não dura apenas o tempo de uma conjuntura ou política econômica. Sociólogo que fala de “nova classe média” no Brasil foi malformado.
Todavia, ainda que seja assim, no país, vem-se produzindo uma ilusão de inserção social (ou de ascensão) dos mais pobres por meio do consumo de bens materiais (mesmo tão primários). Mas uma ilusão que não é, ao mesmo tempo, acompanhada de mudanças reais em diversos setores da vida. No âmbito da atividade cultural, por exemplo, a maior parte de nossas cidades continua sem espaços, projetos, produções e eventos que sejam alternativas para todos, e não apenas para jovens (nem apenas pobres). Pouquíssimo de lazer cultural é proporcionado pelas prefeituras e governos estaduais em projetos, programas e espaços de responsabilidade pública, com recursos públicos, que permitam democratizar a experiência intelectual, estética e moral das artes, dos esportes. Quando muito, temos eventos catálogos esporádicos, mas nada de permanente nos bairros, nos teatros etc. Aliás, alguns bairros há que nenhum espaço cultural existe para usufruto de seus moradores. Em uma cidade como Natal, somos miseravelmente desprovidos de bibliotecas, salas de cinema, teatros, espaços esportivos nos nossos bairros.
Tristemente, pela falta de espaços e atividades culturais dignas desse nome, promovidas pelo poder público ou pelo setor privado (com menos sede de lucro!), nossos jovens invadem shoppings centers como se estes fossem uma alternativa de lazer importante, e com suas presenças tumultuosas escancaram o ridículo (de todos!) que é fazer do shopping o templo da distração. Não deixa aí de ter, nas suas ações, uma expressão dos baixos anseios daqueles que, jogados na periferia da vida e tendo sido destituídos da capacidade de crítica e reivindicação, não saem às ruas pedindo mais teatros, arenas de shows, cinemas, espaços de esporte e lazer, ao invés, correm como abobalhados, num frenesi desassossegado, em zappings emocionais entre a falta de cada um e a falta geral de reconhecimento deles como jovens e pobres. Tomara os jovens dos rolezinhos se encontrem com os manifestantes das jornadas de junho e, malgrado toda a heterogeneidade de seus participantes e apelos, organizem passeatas, nas ruas, reivindicando aos prefeitos, governadores, parlamentares e empresários mais equipamentos e projetos culturais!
Os rolezinhos são bem o retrato de nossa miséria cultural!