Motivos adicionais para não investir nas Polícias Estaduais
Por Ivenio Hermes
Lições da Inauguração da Arena das Dunas
A vinda da Presidente Dilma Rousseff em 22/1/2014 a Natal foi um exemplo em escala menor do que serão as ações de segurança no período da COPA, como foi mencionado no artigo Tendências, perspectivas e esperanças na Segurança Pública em 2014, sobre o provável hiato na violência homicida e nos crimes em geral em decorrência da ação incisiva do Governo Federal.
Contudo, a ação federal não será tão harmônica como alguns podem pensar, e muitos procedimentos que acontecerão na duração da COPA, renderão meses ou até anos de problemas administrativos, disciplinares e outros.
O teatro operacional que se desenrolará envolverá uma multiplicidade de órgãos de segurança em nível federal que atuarão em conjunto com as forças estaduais, sem que tenham ensaiado procedimentos operacionais doutrinários e unificados para harmonizar suas ações. Salvo a Força Nacional que é composta por membros das polícias estaduais, o pequeno plantel de policiais do Rio Grande do Norte estará em desvantagem, por falta de uma capacitação direcionada para atuações em eventos desse porte.
Evidenciando essa barreira de entrosamento, estão as falhas na segurança de autoridades e representantes na inauguração da Arena das Dunas, quando existiram brechas nas células de segurança, ausência de contenção e delimitação de área para transeuntes e observadores, definição de rotas secundárias de acesso e saída do local, e outras. O planejamento antecipado foi subdimensionado, não houve uma troca substancial de informações entre os operadores de segurança e cada grupo agiu segundo sua própria cartilha, e outros na base do improviso.
As cenas de pichação de veículos são exemplos preocupantes, pois mostram como nossos policiais não estão prontos para lidarem com “movimentos ou organizações”, como os grupos criminosos, as quadrilhas de narcotraficantes, células terroristas entre outros grupos. Se o modelo de operação que ocorreu em Natal se repetir, haverá uma confusão na observação de condutas, pois sem a contraparte da inteligência policial, até manifestantes ocasionais e sem tendências violentas poderão sofrer influências de grupos, indivíduos e organizações que atuarão como provocadores e/ou instigadores da violência e das investidas radicais, criando o disfarce perfeito para ações terroristas que ainda utilizarão os influenciados como bodes expiatórios.
Os Inimigos do Estado
Sem equipamento, sem viaturas, sem suporte de comunicação confiável, sem integração dos bancos de dados, sem treinamento para todos, sem o devido investimento no aparelho policial brasileiro, inclusive com propostas de reformas baseadas em estudos voltados para a prestação de um serviço de qualidade para a sociedade, se espalha rumores de que as polícias falharam em suas atribuições.
A falha não é da polícia, é de quem deixa de investir nela. E a situação tende a piorar quando grandes eventos se aproximam, pois as falhas quem vem sendo cometidas há anos se tornam ainda mais aparentes.
Atos de vandalismo e manifestações de grupos suspeitos sem um controle de órgãos de inteligência, ou seja, sem os subsídios de informações para produzir ações de neutralização da ação desses inimigos, somaram-se à preocupação com o impacto que manifestações civis num mega evento, equivocadamente lastreiam soluções emergenciais inusitadas. A mais recente, traz novos atores para a segurança pública, os militares da Marinha, Exército e Aeronáutica.
Dessa vez, como já foi visto no Brasil do passado ditatorial e em situações atuais onde a falta de operadores de segurança pública se fez sensível, o Ministério da Defesa edita uma norma que passa a regulamentar a ação das forças armadas como prestadores de segurança pública, sempre que as policias estaduais forem insuficientes ou falhas, desde que os governadores solicitarem, e é claro que, diante da falta de investimento nas polícias, isso acontecerá.
O documento GARANTIA DA LEI E DA ORDEM – MD33-M-10 1ª Edição 2013, habilita as forças armadas a aturem de maneira ostensiva no controle de distúrbios civis, incluindo os manifestantes na lista de “forças oponentes”, fazendo-os figurar ao lado de criminosos e inimigos do Estado.
Algumas ditaduras são sutis e poucos a percebem, mas quem se conscientiza do que ela representa, não quer vê-la se repetir. Sob esse documento está um Estado de Exceção disfarçado, e os fatos de 1964 nos alertam para uma repetição de eventos que o Brasil não quer ver novamente.
Nesse novo modelo de segurança pública militarizada, os treinamentos dos fuzileiros navais e polícias das Forças Armadas, serão filmados em um treinamento específico para o uso de armas não letais, mas os militares não estarão nas ruas desprovidos de seu armamento principal, e nem deixarão de pensar e agir conforme o treinamento doutrinário militar em situações inusitadas, e um dos resultados possíveis será o tratamento injusto que será dado àquele que for confundido como verdadeiros inimigos do Estado.
O Destino da Segurança Pública
Através de atitudes aparentemente inócuas, um prejuízo maior que o já existente está para acontecer nas policiais estaduais, pois novos subterfúgios estão sendo criados para que os governos estaduais tenham menos responsabilidade com a segurança de seus cidadãos, e para com a valorização de seus agentes da lei.
Alguns estados não se preocupam com a falta de efetivo, salários dignos e melhores condições para suas polícias, e agora possuem motivos adicionais para não investir:
- Se for uma situação de reforço de policiamento e ações direcionadas, a Força Nacional pode ser acionada, mesmo que sua atuação preceitue a retirada de policiais de estados já carentes de efetivo para enviá-los para outros que estejam em situação pior;
- Com a “nova atribuição” das forças armadas, as ações de controle de distúrbio civil poderão ser repassadas para o Ministério da Defesa, sem custos para os governos estaduais.
A volta das forças armadas para as ruas, no intuito de combater os distúrbios civis acrescenta um novo questionamento ao modelo de segurança pública praticado no Brasil. O retrocesso é claro, e novamente citamos um pensamento extraído da ficção Battlestar Galactica, pois ele se encaixa perfeitamente na situação em estudo:
“Há uma razão para separar os militares da polícia. Um luta contra os inimigos do Estado. O outro serve e protege as pessoas. Quando os dois se tornam um só, logo, os inimigos do Estado tendem a se tornar as pessoas.” – Willian Adama, Almirante.
É preciso que haja investimento concentrado em treinamento, contratação de efetivo, valorização profissional, acompanhamento psicológico, corregedorias independentes e controle da atividade, para o resgate da credibilidade dos órgãos de polícia.
Enquanto o brasileiro se deixar ofuscar pela pompa das inaugurações de estádios, arenas, parques e não voltar seus olhos para a perigosa realidade de insegurança na qual vive, essas ações improvisadas de segurança continuarão existindo. A população permanecerá tendo uma ilusão de felicidade e qualidade de vida, que escondem os verdadeiros problemas onde nossa segurança pública fragilizada está imersa. E o relógio tiquetaqueia em contagem regressiva para a chegada do grande evento, e em contagem progressiva acelerada no número de crimes violentos letais e intencionais que ocorrem diariamente no Brasil.
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SOBRE O AUTOR:
Ivenio Hermes é Escritor Especialista em Políticas e Gestão em Segurança Pública e Ganhador de prêmio literário Tancredo Neves. Colaborador e Associado Pleno do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Consultor de Segurança Pública da OAB/RN Mossoró. Pesquisador nas áreas de Criminologia, Direitos Humanos, Direito e Ensino Policial.
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HERMES, Ivenio. A COPA 2014, Os Novos Atores da Segurança Pública e Os Inimigos do Estado: Motivos adicionais para não investir nas Polícias Estaduais. 2014. Disponível em: < http://j.mp/1d08DO9 >. Publicado em: 23 jan. 2014.